terça-feira, 19 de maio de 2020

É constitucional lei estadual que autoriza a comercialização de bebidas alcoólicas nos estádios



Lei estadual autorizando a venda de bebidas alcóolicas nos estádios
O Paraná editou lei estadual nº 19.128/2017 autorizando a venda e o consumo de bebidas alcoólicas nas arenas desportivas e estádios no âmbito do Estado.
Veja alguns dispositivos da Lei:
Art. 2º A comercialização de bebidas alcoólicas nas arenas desportivas e nos estádios no Estado do Paraná será permitida desde a abertura dos portões para acesso do público até o término do evento.
Art. 3º As únicas bebidas alcoólicas que poderão ser vendidas e consumidas em recintos esportivos são a cerveja e o chope, sendo proibida a venda e o consumo de quaisquer outras espécies de bebidas alcoólicas, sejam elas destiladas ou fermentadas.
(...)
Art. 4º As bebidas expostas à venda somente poderão ser vendidas e entregues aos consumidores em copos plásticos descartáveis.
(...)

ADI
A Procuradora-Geral da República ajuizou ADI contra esta lei afirmando que ela trata sobre “consumo”, matéria que é de competência concorrente (art. 24, V, da CF/88).
Até aí, tudo bem.
Ocorre que, para a PGR, o legislador estadual violou as normas gerais da União. Isso porque a União editou a Lei nº 10.671/2003 (Estatuto do Torcedor), que proibiu o porte de bebidas alcoólicas em eventos esportivos nos seguintes termos:
Art. 13-A. São condições de acesso e permanência do torcedor no recinto esportivo, sem prejuízo de outras condições previstas em lei:
(...)
II - não portar objetos, bebidas ou substâncias proibidas ou suscetíveis de gerar ou possibilitar a prática de atos de violência; (Incluído pela Lei nº 12.299/2010).

O que decidiu o STF? Essa Lei estadual é inconstitucional?
NÃO. O STF julgou improcedente o pedido formulado na ADI, declarando a constitucionalidade da Lei nº 19.128/2017 do Estado do Paraná.

Legislação trata sobre consumo
Como primeiro ponto, o STF afirmou que a lei estadual impugnada não dispõe sobre desporto, mas sim sobre consumo. Isso porque não se tratou sobre tema relacionado com o esporte, mas sim sobre direitos e deveres dos espectadores dos jogos, que são equiparados a consumidor pelo § 3º do art. 42 da Lei nº 9.615/98.
Desse modo, a análise tem que ser feita com base no art. 24, V, da CF/88:
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
(...)
V - produção e consumo;

Estatuto do Torcedor é a norma geral
A União editou a Lei nº 10.671/2003, que instituiu o Estatuto de Defesa do Torcedor, cuja finalidade precípua é fixar direitos e deveres para aqueles que apreciem, apoiem ou se associem a qualquer entidade de prática desportiva no país e acompanhem a prática de determinada modalidade esportiva (art. 2º).
Ao assim dispor, o legislador federal estabeleceu a normatização geral sobre a matéria.

Estatuto do Torcedor não detalhou quais bebidas seriam proibidas
O art. 13-A, II, da Lei 10.671/2003 (Estatuto do Torcedor) não especificou quais seriam as bebidas proibidas. Depois da palavra “bebidas”, o legislador não incluiu o qualificativo “alcoólicas”.
E há razão para isso, já que, na edição de normas gerais, a União não deve pormenorizar a legislação tendo em vista que cabe aos Estados-membros suplementar as normas gerais segundo suas particularidades.
Dessa forma, o STF entendeu que compete ao legislador estadual definir, observadas as especificidades locais, quais bebidas são proibidas nos estádios.
Logo, não se verifica inconstitucionalidade formal na previsão da Lei do Estado do Paraná tendo em vista que não houve violação ao Estatuto do Torcedor.

Não há inconstitucionalidade material
A PGR alegou também que haveria inconstitucionalidade material na lei do Paraná considerando que a permissão para bebidas alcoólicas nos estádios geraria mais violência.
O argumento, contudo, não foi acolhido pelo STF.
O tema “violência nos estádios e bebidas alcoólicas” representa uma preocupação mundial, tendo em vista que o futebol é um dos esportes mais difundidos e praticados no mundo. Todavia, muito embora várias ocorrências em estádios de futebol costumem ser atribuídas ao consumo excessivo de álcool, não é possível afirmar, categoricamente, que existe essa correlação lógica e obrigatória. Até mesmo porque bebidas de menor teor alcoólico (como as cervejas) são, normalmente, comercializadas nos maiores eventos mundiais, inclusive na Copa do Mundo de Futebol, organizada pela FIFA.
Além disso, a proibição de venda das bebidas alcóolicas dentro dos estádios não se mostra proporcional. Isso porque essa proibição tem feito com que os torcedores permaneçam nas cercanias dos estádios, até o limite do horário para o início das partidas, consumindo bebidas alcoólicas comercializadas por ambulantes sem qualquer espécie de controle e fiscalização estatais.
Assim, para o STF, não se mostra razoável afirmar que as bebidas alcoólicas vendidas dentro dos estádios de futebol possam ser consideradas como a causa das brigas considerando que os torcedores já consomem as bebidas comercializadas no entorno das arenas, muitas vezes com teor alcoólico muito maior que cerveja e chope, instantes antes das partidas.
Desse modo, cabe ao Estado tomar essa decisão, fazendo a ponderação entre a necessidade de garantir a segurança dos cidadãos e, ao mesmo tempo, fomentar as atividades econômicas relacionadas ao consumo.

Em suma:
É constitucional lei estadual que autoriza a comercialização de bebidas alcoólicas nas arenas desportivas e nos estádios.
Trata-se de legislação sobre consumo, matéria de competência concorrente (art. 24, V, da CF/88).
O art. 13-A, II, da Lei nº 10.671/2003 (Estatuto do Torcedor) indica como “condições de acesso e permanência do torcedor no recinto esportivo”, entre outras, “não portar objetos, bebidas ou substâncias proibidas ou suscetíveis de gerar ou possibilitar a prática de atos de violência”.
Não há, contudo, uma vedação geral e absoluta por parte do Estatuto do Torcedor, de modo que o legislador estadual, no exercício de sua competência concorrente complementar, observadas as especificidades locais, pode regulamentar a matéria, autorizando, por exemplo, a venda de cerveja e chope (bebidas de baixo teor alcóolico) nos estádios. Vale lembrar que isso já é autorizado nos grandes eventos mundiais de futebol e outros esportes, inclusive na Copa do mundo organizada pela FIFA e nas Olimpíadas.
STF. Plenário. ADI 6195, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 27/03/2020.



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