quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Lei 14.064/2020: aumenta a pena do crime de maus-tratos contra cães e gatos (Lei Sansão)

 

Olá, amigos do Dizer o Direito,

Foi publicada hoje (30/09/2020) a Lei nº 14.064/2020, que aumenta a pena do crime de maus-tratos contra cães e gatos. A novidade ficou conhecida como Lei Sansão, uma homenagem a um pitbull que teve as suas patas traseiras decepadas por um homem em Confins/MG.

Vamos entender.

 

Lei nº 9.605/98

A Lei nº 9.605/98 é a Lei de Crimes Ambientais.

No seu art. 32 está previsto o crime de maus-tratos contra animais

A Lei nº 14.064/2020 acrescenta o § 1º-A neste artigo criando uma qualificadora.

Antes de verificar a alteração da Lei nº 14.064/2020, vamos fazer uma breve revisão sobre o crime do art. 32.

 

Caput do art. 32

Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

 

Sujeito ativo: trata-se de crime comum (pode ser praticado por qualquer pessoa).

Sujeito passivo: há divergência.

A posição tradicional (antropocêntrica) afirma que o sujeito passivo é a sociedade.

Existe, contudo, corrente mais moderna que sustenta que a vítima é o próprio animal, que não mais poderia ser considerado como mero “objeto de direitos”, sendo também “sujeito de direitos”.

Elemento objetivo:

“O art. 32 incrimina a conduta do sujeito ativo que pratica abuso (exigir demais) ou maus-tratos (causar sofrimento) ou feri (machucar) ou mutila (separar membros do corpo) animais.” (KURKOWSKI, Rafael Schwez. Crime Ambiental. In SOUZA, Renee do Ó. Leis penais especiais. Salvador: Juspodivm, 2018).

Elemento subjetivo: o crime é punido a título de dolo (não existe modalidade culposa).

Art. 64 da Lei de Contravenções Penais

Vale ressaltar que o art. 32 da Lei nº 9.605/98 revogou tacitamente o art. 64 da Lei de Contravenções Penais, que dizia o seguinte:

Art. 64. Tratar animal com crueldade ou submetê-lo a trabalho excessivo:

Pena – prisão simples, de dez dias a um mês, ou multa, de cem a quinhentos mil réis.

§ 1º Na mesma pena incorre aquele que, embora para fins didáticos ou científicos, realiza em lugar público ou exposto ao publico, experiência dolorosa ou cruel em animal vivo.

§ 2º Aplica-se a pena com aumento de metade, se o animal é submetido a trabalho excessivo ou tratado com crueldade, em exibição ou espetáculo público.

 

Figura equiparada do § 1º

§ 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.


O §1º pune a realização de experiências dolorosas ou cruéis com animais vivos, como é o caso da vivissecção.

Segundo o Dicionário Michaelis, vivissecção consiste na “dissecação ou operação cirúrgica em animais vivos, para estudo de alguns fenômenos anatômicos e fisiológicos.” (http://michaelis.uol.com.br/busca?id=L1RAk)

Essa experiência dolorosa ou cruel pode ocorrer com duas finalidades:

a) com fins didáticos ou científicos

b) sem fins didáticos ou científicos.

 

Vale ressaltar, contudo, que, se a conduta foi realizada com fins didáticos ou científicos, só haverá crime se havia outra alternativa para o pesquisador/cientista, mas ele optou por aquela que causava dor ou que se mostrava cruel.

A Lei nº 11.794/2008 estabelece procedimentos para o uso científico de animais.

O art. 14 traz uma série de requisitos sobre o tema:

Art. 14. O animal só poderá ser submetido às intervenções recomendadas nos protocolos dos experimentos que constituem a pesquisa ou programa de aprendizado quando, antes, durante e após o experimento, receber cuidados especiais, conforme estabelecido pelo CONCEA.

(...)

§ 4º O número de animais a serem utilizados para a execução de um projeto e o tempo de duração de cada experimento será o mínimo indispensável para produzir o resultado conclusivo, poupando-se, ao máximo, o animal de sofrimento.

§ 5º Experimentos que possam causar dor ou angústia desenvolver-se-ão sob sedação, analgesia ou anestesia adequadas.

§ 6º Experimentos cujo objetivo seja o estudo dos processos relacionados à dor e à angústia exigem autorização específica da CEUA, em obediência a normas estabelecidas pelo CONCEA.

(...)

 

Se devidamente cumpridos os requisitos da Lei nº 11.794/2008, não haverá o crime do art. 32.

 

Causa de aumento de pena do § 2º

§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.

 

Se o agente, dolosamente, matar animal silvestre ou nativo, o crime é o do art. 29 da Lei nº 9.605/98.

 

O que fez a Lei nº 14.064/2020?

Acrescentou um parágrafo ao art. 32 prevendo uma qualificadora para os maus-tratos contra cães e gatos, com a seguinte redação:

Art. 32 (...)

§ 1º-A Quando se tratar de cão ou gato, a pena para as condutas descritas no caput deste artigo será de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, multa e proibição da guarda.

 

Alguns pontos de destaque sobre a novidade:

Causar maus-tratos* em animal silvestre, domesticado ou doméstico

(com exceção de cães e gatos)

Causar maus-tratos*

em cães e gatos

Detenção de 3 meses a 1 ano

+ multa.

Reclusão de 2 a 5 anos

+ multa

+ proibição da guarda.

Crime de menor potencial ofensivo

(cabe transação penal e suspensão condicional do processo).

Não é crime de menor potencial ofensivo

(não cabe transação penal nem suspensão condicional do processo)

Em regra, não gera a prisão do infrator sendo aplicadas medidas despenalizadoras.

Pode gerar a prisão do condenado, desde que não seja caso de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.

Se, em decorrência da conduta, ocorre a morte do animal, haverá aumento de 1/6 a 1/3.

Se, em decorrência da conduta, ocorre a morte do animal, também haverá aumento de 1/6 a 1/3.

 

* a expressão maus-tratos aqui está empregada em sentido amplo, abrangendo qualquer das condutas do caput do art. 32: praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar os animais.

Vale ressaltar que o maus-tratos de pessoas está previsto no art. 136 do Código Penal:

Art. 136. Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina:

Pena - detenção, de dois meses a um ano, ou multa.

§ 1º - Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave:

Pena - reclusão, de um a quatro anos.

§ 2º - Se resulta a morte:

Pena - reclusão, de quatro a doze anos.

§ 3º - Aumenta-se a pena de um terço, se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (catorze) anos.

 

A Lei nº 14.064/2020 entrou em vigor na data de sua publicação (30/9/2020).

 

  



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