quarta-feira, 9 de setembro de 2020

Os valores decorrentes de empréstimo consignado em folha de pagamento podem ser penhorados?



Imagine a seguinte situação hipotética:
O banco ajuizou execução de título extrajudicial contra João.
O juiz determinou a penhora de R$ 5 mil que estavam depositados na conta bancária do devedor.
O executado apresentou embargos à execução alegando e comprovando que o dinheiro penhorado é fruto de um empréstimo consignado que ele contraiu e que tinha acabado de ser depositado em sua conta.
O devedor argumentou que os valores decorrentes de empréstimo consignado em folha de pagamento recebem a mesma proteção da impenhorabilidade atribuída aos salários, proventos de aposentadoria e pensões, devendo, portanto, ser enquadrados no art. 833, IV, do CPC/2015:
Art. 833. São impenhoráveis:
(...)
IV - os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º;

O que o STJ entende a respeito do tema? Os valores decorrentes de empréstimo consignado em folha de pagamento podem ou não ser penhorados?
• Regra: SIM. Em regra, os valores oriundos de empréstimo consignado são PENHORÁVEIS.
• Exceção: a penhora não será permitida se o mutuário comprovar que os recursos são necessários à de sua manutenção e de sua família.

Empréstimo consignado e seu impacto na renda do trabalhador
O empréstimo consignado “é uma modalidade de crédito em que o desconto da prestação é feito diretamente na folha de pagamento ou de benefício previdenciário do contratante”, reduzindo o risco de inadimplência e, por esse motivo, permite a redução da taxa de juros cobrada pela instituição financeira (Fonte: https://www.bcb.gov.br/nor/relcidfin/docs/art7_emprestimo_consignado.pdf.).
Essa modalidade de empréstimo compromete a renda do trabalhador, do pensionista ou do aposentado, podendo, assim, reduzir o seu poder aquisitivo e, em certos casos, prejudicar a sua subsistência. Isso porque o mutuário (devedor) recebe determinada quantia do mutuante (instituição financeira ou cooperativa de crédito) e, em contrapartida, ocorre a diminuição do salário devido aos descontos efetuados diretamente na folha de pagamento.

Mesmo havendo esse impacto renda, os valores do empréstimo consignado não têm natureza de salário
Ainda que as parcelas do empréstimo contratado sejam descontadas diretamente da folha de pagamento do mutuário, a origem desse valor não é salarial, pois não se trata de valores decorrentes de prestação de serviço.
O salário tem origem no contrato trabalho ou na prestação do serviço; o empréstimo tem origem em contrato de mútuo celebrado entre o trabalhador (mutuário) e a instituição financeira ou cooperativa de crédito (mutuante).
Assim, o empréstimo consignado não pode ser considerado nem mesmo como adiantamento de salário. Somente se poderia considerar como adiantamento salarial se fosse feito pelo empregador e em função exclusiva do contrato de trabalho.
Logo, não sendo salarial, o empréstimo consignado não possui, em regra, natureza alimentar.

Art. 833 do CPC deve ser interpretado restritivamente
O empréstimo pessoal, ainda que na modalidade consignada, não encontra previsão no rol do art. 833 do CPC. Por constituir exceção ao princípio da responsabilidade patrimonial (art. 831 do CPC/2015), não se admite, nesse aspecto, interpretação extensiva.

Desse modo, a regra geral é:
Os valores decorrentes de empréstimo consignado, em regra, não são protegidos pela impenhorabilidade, por não estarem abrangidos pelas expressões vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, de que trata a parte inicial do inciso IV art. 833 do CPC/2015.

Exceção:
Se o mutuário (devedor) comprovar que os recursos oriundos do empréstimo consignado são necessários à sua manutenção e à da sua família, tais valores recebem o manto da impenhorabilidade. Essa interpretação decorre da aplicação da parte final do art. 833, IV, do CPC/2015: “destinadas ao sustento do devedor e de sua família”:
Art. 833. São impenhoráveis:
(...)
IV - os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º;

Em suma:

São penhoráveis os valores oriundos de empréstimo consignado, salvo se o mutuário comprovar que os recursos são necessários à de sua manutenção e de sua família.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.820.477-DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 19/05/2020 (Info 672).


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