quinta-feira, 10 de setembro de 2020

A ausência de previsibilidade de que a ofensa chegue ao conhecimento da vítima afasta o dolo específico do delito de injúria, tornando a conduta atípica




Imagine a seguinte situação adaptada:
Rita e Adriana trabalhavam em uma repartição pública.
Rita ligou para o ramal telefônico de Adriana para falar sobre um requerimento de abono de faltas que ela havia solicitado.
Adriana avisou, então, que Reginaldo (chefe do setor) havia indeferido o pedido.
Ao saber de tal fato, Rita passou a proferir ofensas contra ele, afirmando para Adriana: “este macaco, preto sem vergonha está indeferindo a minha falta” (sic).
Vale ressaltar, contudo, que, momentos antes, Reginaldo, que estava no mesmo setor que Adriana, havia retirado o telefone do gancho para fazer uma ligação e acabou por ouvir as palavras injuriosas proferidas por Rita.
O Ministério Público ofereceu denúncia contra Rita pela prática do crime de injúria racial (art. 140, § 3º do CP):
Art. 140 (...)
§ 3º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência:
Pena - reclusão de um a três anos e multa.

Houve crime de injúria?
NÃO. Para o STJ, não houve crime.
A ausência de previsibilidade de que a ofensa chegue ao conhecimento da vítima afasta o dolo específico do delito de injúria, tornando a conduta atípica
STJ. 6ª Turma. REsp 1.765.673-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 26/05/2020 (Info 672).

A acusada não tinha como saber que a vítima estava ouvindo o teor da conversa pela extensão telefônica.

Consumação da injúria e elemento subjetivo especial
O delito de injúria se consuma quando a ofensa chega ao conhecimento da vítima, sendo necessário dolo específico de ofender a honra subjetiva da vítima.
Como a injúria se consuma com a ofensa à honra subjetiva de alguém, não há falar em dolo específico no caso em que a vítima não era seu interlocutor na conversa telefônica e, acidentalmente, tomou conhecimento do teor da conversa.
O tipo penal em questão exige que a ofensa seja dirigida ao ofendido com a intenção de menosprezá-lo, ofendendo-lhe a honra subjetiva.
Veja outro julgado semelhante a esse:
(...) No caso dos autos, verifica-se que em uma conversa particular travada via e-mail com outro membro do Ministério Público, o paciente teria proferido ofensas contra a vítima, tendo o diálogo chegado ao conhecimento desta em razão de um descuido do acusado, que, ao invés de responder unicamente ao remetente, encaminhou as mensagens acidentalmente para todos os membros do Ministério Público do Estado do Espírito Santo, o que demonstra a ausência de intenção de macular a honra do querelante, já que em momento algum desejou dar publicidade às mensagens trocadas com seu colega.
5. Ademais, não se pode afirmar que no âmbito restrito dos e-mails trocados entre o paciente e o outro querelado teria havido o dolo de ofender a honra de quem quer que seja, pois o conteúdo das mensagens entre eles trocada revela, nitidamente, que estariam desabafando um com o outro, sem a intenção específica de denegrir o suposto ofendido. (...)
STJ. 5ª Turma. HC 256.989/ES, Min. Jorge Mussi, DJe 5/2/2014.

DOD Dicas
Dois aspectos sobre o crime de injúria são muito cobrados em provas objetivas:
1) a redação do §§ 1º, 2º e 3º do art. 140:
Art. 140 (...)
§ 1º O juiz pode deixar de aplicar a pena:
I - quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria;
II - no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria.
§ 2º Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência.
§ 3º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência:
Pena - reclusão de um a três anos e multa.

++ (DPE/AM 2018 FCC) Comete o crime de injúria aquele que ofende a dignidade de alguém com utilização de elementos referentes à condição de pessoa idosa. (certo)
++ (MP/GO 2019) No crime de injúria, o juiz pode deixar de aplicar a pena quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria; e também no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria. (certo)

2) a ação penal no crime de injúria:
Regra: ação penal PRIVADA.
Exceções:
2.1) ação pública incondicionada: se da injúria real resultar lesão grave ou gravíssima (art. 145, caput).
2.2) ação pública condicionada à requisição do Ministro do Justiça: se a injúria foi praticada contra Presidente da República ou chefe de governo estrangeiro (art. 145, parágrafo único).
2.3) ação pública condicionada à representação do ofendido:
a) em caso de crime contra funcionário público no exercício de suas funções (Súmula 714 do STF).
b) se da injúria real resultar lesão leve (art. 145, caput, do CP).
c) injúria qualificada do § 3º do art. 140 (injúria com preconceito).

++ (Juiz de Direito TJ/MS 2020 FCC) Quanto aos crimes contra a honra, a ação penal é pública incondicionada na injúria com preconceito. (errado)
++ (MP/GO 2019) O crime de injúria consistente na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência é de ação pública incondicionada. (errado)
++ (Juiz de Direito TJ/MS 2020 FCC) Quanto aos crimes contra a honra, possível a propositura de ação penal privada no caso de servidor público ofendido em razão do exercício de suas funções. (certo)

++ (MP/SP 2019) Nos crimes contra a honra, a ação penal,
A) no crime contra chefe de governo estrangeiro, será pública condicionada à representação.
B) no crime contra funcionário público, em razão de suas funções, será pública condicionada à representação.
C) no crime de injúria real, será de iniciativa privada, ainda que resulte lesão corporal.
D) no crime de injúria racial, será de iniciativa privada.
E) no crime contra Presidente de República, será pública condicionada à representação.

Letra B

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