sábado, 19 de dezembro de 2020

É inconstitucional lei que preveja requisitos diferentes entre homens e mulheres para que recebam pensão por morte

 A situação concreta foi a seguinte:

A Lei estadual nº 7.672/82 disciplinava o regime próprio de previdência social do Estado do Rio Grande do Sul.

Um dos benefícios previstos era a pensão por morte.

A pensão por morte é um benefício previdenciário pago aos dependentes do segurado em virtude do falecimento deste.

Assim, no regime próprio de previdência social, quando o servidor público segurado morre, seus dependentes passam a ter direito de receber uma pensão mensal.

Até aí, tudo bem. O problema foi como a lei definiu quem seria dependente do servidor. A lei disse o seguinte:

• Se o servidor segurado que falecer tinha uma esposa (ou companheira): ela será considerada dependente pelo simples fato de ser esposa/companheira e, portanto, terá direito à pensão por morte.

• Se a servidora segurada que falecer tinha um marido: ele só terá direito à pensão por morte se comprovar que era dependente economicamente da sua esposa falecida.

 

Em outras palavras, a viúva teria sempre direito à pensão por morte. Já o viúvo só receberia o benefício se conseguisse provar que, durante a vida, dependia economicamente de sua mulher.

 

Essa previsão é constitucional?

NÃO. Essa diferenciação contraria o princípio da isonomia entre homens e mulheres previsto no art. 5º, I, da CF/88:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;

 

Estudos recentes do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) revelam a importância das mulheres como “chefes de família”, o que torna completamente ultrapassada a presunção de dependência econômica da mulher em relação a seu cônjuge ou companheiro a justificar a mencionada discriminação.

Vale ressaltar que a atual lei que disciplina o regime de previdência social dos servidores públicos do estado do Rio Grande do Sul (Lei Complementar estadual 15.142/2018) revogou expressamente a Lei estadual nº 7.672/82, que exigia essa comprovação de invalidez e de dependência econômica do cônjuge varão para o recebimento de pensão por morte.

Assim, eliminou qualquer fator de discriminação entre homens e mulheres e consagrou, de maneira explícita, a presunção de dependência econômica do cônjuge ou companheiro/companheira, sem nenhuma ressalva quanto ao gênero do beneficiário.

Ademais, não há ofensa ao princípio da fonte de custeio, eis que o argumento relativo à necessária indicação de contrapartida — como condição para fazer cumprir o princípio constitucional da igualdade — não se justifica, por tratar-se de benefício já instituído, sem que a ele corresponda aumento do valor pago. As contribuições previdenciárias continuam a ser adimplidas pelos respectivos segurados, independentemente do gênero a que pertencem, alimentadas por alíquotas estáveis e com idêntico índice percentual, sem que se registre aumento no valor ou no quantum do respectivo benefício de ordem previdenciária.

O art. 201, V, da CF é preceito autoaplicável, revestido de aplicabilidade direta, imediata e integral, qualificando-se como estrutura jurídica dotada de suficiente densidade normativa, a tornar prescindível qualquer mediação legislativa concretizadora.

 

Em suma:

É inconstitucional, por transgressão ao princípio da isonomia entre homens e mulheres (art. 5º, I, da CF/88), a exigência de requisitos legais diferenciados para efeito de outorga de pensão por morte de ex-servidores públicos em relação a seus respectivos cônjuges ou companheiros/companheiras (art. 201, V, da CF/88).

STF. Plenário. RE 659424/RS, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 9/10/2020 (Repercussão Geral – Tema 457) (Info 994).

 

Vale ressaltar que o presente caso foi juridicamente interessante pelo fato de que, em regra, o STF considera que são constitucionais medidas afirmativas promovidas em favor da mulher. Como exemplo, cite-se a Lei Maria da Penha julgada constitucional pela Corte (ADI 4424/DF). Nesse sentido:

ý (Analista TCE/PE 2017 CEBRASPE) Lei aprovada pelo Congresso Nacional para conferir proteção especial às mulheres, seja qual for o tratamento diferenciado entre os gêneros, contrariará a CF, que prevê a igualdade entre homens e mulheres em direitos e obrigações. (errado)

Na situação em tela, contudo, o STF entendeu que não havia razão para essa diferenciação.

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