sábado, 29 de julho de 2023

É constitucional lei estadual que veda a pulverização aérea de agrotóxicos na agricultura no Estado

O caso concreto foi o seguinte:

No Ceará, foi editada a Lei nº 16.820/2019 proibindo a pulverização aérea de agrotóxicos na agricultura:

Lei nº 16.820/2019

Art. 1º Fica criado o art. 28-B na Lei Estadual nº 12.228, de 9 de dezembro de 1993, com a seguinte redação:

Art. 28-B. É vedada a pulverização aérea de agrotóxicos na agricultura no Estado do Ceará.

§ 1º A infração ao art. 1º sujeita o infrator ao pagamento de multa de 15 mil (quinze mil) UFIRCEs.

§ 2º Fica proibida a incorporação de mecanismos de controle vetorial por meio de dispersão por aeronave em todo o Estado do Ceará, inclusive para os casos de controle de doenças causadas por vírus.

 

O que o STF decidiu? Essa lei é constitucional?

SIM.

A jurisprudência do STF é firme no sentido de que a proteção do meio ambiente e a defesa da saúde são matérias de competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal, nos termos do art. 23, II e VI e art. 24, VI e XII, CF/88:

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

(...)

II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência; 

(...)

VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;

 

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

(...)

VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição;

(...)

XII - previdência social, proteção e defesa da saúde;

 

Nesse contexto, o legislador cearense, atuando dentro da competência concorrente, proibiu a utilização da técnica de pulverização aérea em seu território sem contrariar a legislação federal.

A única lei federal que trata sobre o tema é a Lei nº 7.802/89, a qual se limita, contudo, a traçar os parâmetros gerais sobre a matéria e estabelecer atividades de coordenação e ações integradas. Veja:

Art. 9º No exercício de sua competência, a União adotará as seguintes providências:

I - legislar sobre a produção, registro, comércio interestadual, exportação, importação, transporte, classificação e controle tecnológico e toxicológico;

II - controlar e fiscalizar os estabelecimentos de produção, importação e exportação;

III - analisar os produtos agrotóxicos, seus componentes e afins, nacionais e importados;

IV - controlar e fiscalizar a produção, a exportação e a importação.

 

Além disso, a lei federal é expressa ao preservar a competência legislativa dos Estados. Confira:

Art. 10. Compete aos Estados e ao Distrito Federal, nos termos dos arts. 23 e 24 da Constituição Federal, legislar sobre o uso, a produção, o consumo, o comércio e o armazenamento dos agrotóxicos, seus componentes e afins, bem como fiscalizar o uso, o consumo, o comércio, o armazenamento e o transporte interno.

 

Logo, a lei estadual não afrontou nenhum dispositivo da lei federal.

A lei estadual foi baseada em estudos técnicos que constataram os riscos envolvidos pela prática de pulverização aérea de agrotóxicos. Além disso, as peculiaridades locais tornam proporcional a vedação estabelecida em favor do direito à saúde e dos princípios constitucionais da prevenção e da precaução.

Vale ressaltar que a livre iniciativa não impede a regulamentação das atividades econômicas pelo Estado, notadamente quando ela se mostrar indispensável ao resguardo de outros valores constitucionais.

O STF tem privilegiado a proibição do retrocesso socioambiental, ao ponderar o direito à livre iniciativa com a defesa do meio ambiente e a proteção da saúde humana.

Importante destacar, por fim, algo que é muito relevante tanto para a prática forense como para os concursos públicos: “Não há óbice constitucional a que os Estados editem normas mais protetivas à saúde e ao meio ambiente quanto à utilização de agrotóxicos.”

 

Em suma:

É constitucional norma estadual que veda a pulverização aérea de agrotóxicos na agricultura local e sujeita o infrator ao pagamento de multa.

Essa norma representa maior proteção à saúde e ao meio ambiente se comparada com as diretrizes gerais fixadas na legislação federal. Além disso, essa norma estabelece restrição razoável e proporcional às técnicas de aplicação de pesticidas.

STF. Plenário. ADI 6137/CE, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 29/05/2023 (Info 1096).

 

Com base nesses entendimentos, o Plenário, por unanimidade, conheceu parcialmente da ação e, nesta extensão, a julgou improcedente para reconhecer a constitucionalidade do § 1º e do caput do art. 28-B da Lei nº 12.228/93 do Estado do Ceará, incluídos pela Lei estadual nº 16.820/2019.


Print Friendly and PDF