Dizer o Direito

quinta-feira, 13 de novembro de 2025

A Súmula Vinculante 9 foi cancelada por ser incompatível com a atual redação do art. 127 da LEP, que limita a perda dos dias remidos a até um terço em caso de falta grave

Remição

O art. 126 da Lei de Execuções Penais (Lei nº 7.210/84) estabelece:

Art. 126. O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena.

 

O art. 126 da LEP trata, portanto, da remição (ato de remir).

Remição é...

- o direito que possui o condenado ou a pessoa presa cautelarmente

- de reduzir o tempo de cumprimento da pena,

- mediante o abatimento

- de 1 dia de pena a cada 12 horas de estudo ou

- de 1 dia de pena a cada 3 dias de trabalho.

 

É uma forma de estimular e premiar o condenado para que ocupe seu tempo com uma atividade produtiva (trabalho ou estudo), servindo ainda como forma de ressocialização e de preparação do apenado para que, quando termine de cumprir sua pena, possa ter menos dificuldades de ingressar no mercado de trabalho.

O tempo remido será considerado como pena cumprida para todos os efeitos (art. 128).

Obs.: a remição de que trata a LEP é com “ç” (remição). Remissão (com “ss”) significa outra coisa, qual seja, perdão, renúncia etc., sendo muito utilizada no direito civil (direito das obrigações) para indicar o perdão do débito.

 

O reeducando pode perder o direito de abater os dias trabalhados caso pratique falta grave

A Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84) prevê um rol taxativo de situações que configuram falta grave do condenado que esteja cumprindo pena privativa de liberdade.

Caso fique constatado que o reeducando praticou falta grave, ele irá sofrer uma série de sanções. Uma dessas sanções é a perda de 1/3 dos dias remidos (art. 127 da LEP).

Assim, a jurisprudência afirma que a remição é um benefício submetido à cláusula rebus sic stantibus, ou seja, é um benefício que só vale se as coisas permanecerem do jeito que estão. Isso porque, conforme já explicado, o condenado poderá perder o direito de remir parte dos dias trabalhados caso pratique falta grave, nos termos do art. 127 da LEP:

Art. 127. Em caso de falta grave, o juiz poderá revogar até 1/3 (um terço) do tempo remido, observado o disposto no art. 57, recomeçando a contagem a partir da data da infração disciplinar. (Redação dada pela Lei nº 12.433, de 2011)

 

O reeducando possui, portanto, apenas a expectativa do direito de abater os dias trabalhados do restante da pena a cumprir, desde que não venha a ser punido com falta grave.

 

Alegação de que essa perda dos dias remidos seria inconstitucional

O art. 127 da LEP, em sua redação original, previa que o apenado iria perder a integralidade dos dias remidos, consequência que era bem mais grave do que atualmente. Compare:

LEI 7.210/84 (LEI DE EXECUÇÃO PENAL)

Redação original (de 1984)

Redação dada pela Lei 12.433/2011

Art. 127. O condenado que for punido por falta grave perderá o direito ao tempo remido, começando o novo período a partir da data da infração disciplinar.

Art. 127. Em caso de falta grave, o juiz poderá revogar até 1/3 (um terço) do tempo remido, observado o disposto no art. 57, recomeçando a contagem a partir da data da infração disciplinar.

 

Diante disso, muitos autores, advogados e defensores públicos sustentavam a tese de que o art. 127 da LEP, em sua redação original, não teria sido recepcionado pela Constituição Federal de 1988.

Como tese subsidiária, defendiam que, mesmo em caso de se considerar válida a perda, deveria ser fixada uma limitação temporal de 30 dias, com base na aplicação analógica do art. 58 da LEP, que dizia:

LEI 7.210/84 (LEI DE EXECUÇÃO PENAL)

Redação original (de 1984)

Redação dada pela Lei 10.792/2003

Art. 58. O isolamento, a suspensão e a restrição de direitos não poderão exceder a 30 (trinta) dias.

Art. 58. O isolamento, a suspensão e a restrição de direitos não poderão exceder a trinta dias, ressalvada a hipótese do regime disciplinar diferenciado.

 

O STF, contudo, não acolheu a tese e, para que não houvesse dúvidas, editou um enunciado vinculante espelhando a conclusão:

Súmula vinculante 9-STF: O disposto no artigo 127 da Lei 7.210/84 foi recebido pela ordem constitucional vigente e não se lhe aplica o limite temporal previsto no caput do artigo 58.

 

Importante registrar que esse enunciado foi aprovado em 12/06/2008 (DJe 20/06/2008).

 

Alteração do art. 127 da LEP depois da SV 9: Lei 12.433/2011

O Congresso Nacional entendeu que a perda da integralidade dos dias remidos por conta de uma falta grave era realmente uma consequência muito severa e desproporcional. Diante disso, foi editada a Lei nº 12.433/2011, que alterou o art. 127 da LEP para limitar a perda em até 1/3 do tempo remido. Compare novamente:

LEI 7.210/84 (LEI DE EXECUÇÃO PENAL)

Redação original (de 1984)

Redação dada pela Lei 12.433/2011

Art. 127. O condenado que for punido por falta grave perderá o direito ao tempo remido, começando o novo período a partir da data da infração disciplinar.

Art. 127. Em caso de falta grave, o juiz poderá revogar até 1/3 (um terço) do tempo remido, observado o disposto no art. 57, recomeçando a contagem a partir da data da infração disciplinar.

 

A atual redação do art. 127 da LEP, ao estabelecer o limite de 1/3 para a revogação do tempo remido, impôs ao Estado-juiz um ônus maior ao decretar a perda desses dias, que deve ocorrer de forma proporcional, à luz das circunstâncias individuais de cada apenado.

Com a alteração legislativa, o magistrado passou a ter o dever de considerar as particularidades do caso concreto e as condições pessoais do condenado para fixar o quantum de dias a serem perdidos, observando-se, sempre, o limite máximo de 1/3.

 

Cancelamento da SV 9

Conforme vimos acima, a Súmula Vinculante nº 9 foi editada pelo STF com base na redação original do art. 127 da Lei nº 7.210/1984 (Lei de Execução Penal), que previa a perda integral dos dias remidos pelo condenado que cometesse falta grave durante o cumprimento da pena.

O enunciado vinculante estabelecia que esse dispositivo foi recepcionado pela Constituição de 1988 e que não se aplicava a ele o limite temporal de 30 dias previsto no art. 58 da LEP.

Ocorre que a Lei nº 12.433/2011 alterou substancialmente a redação do art. 127 da LEP. A nova redação passou a prever que, em caso de falta grave, o juiz poderá revogar até um 1/3 do tempo remido, atribuindo ao magistrado a decisão sobre a perda parcial do benefício com base nas circunstâncias do caso concreto.

Diante dessa mudança legislativa, foram apresentadas duas Propostas de Súmula Vinculante (PSV):

• PSV 60: apresentada pelo Defensor Público-Geral Federal, pedindo o cancelamento da Súmula Vinculante nº 9. O argumento central era que a nova redação do art. 127 passou a prever expressamente o limite máximo de um terço para a perda dos dias remidos, tornando a súmula – que admitia a perda integral – incompatível com o novo texto legal.

• PSV 64: apresentada pelo então Presidente do STF, Ministro Cezar Peluso, propondo apenas a revisão da redação enunciado. De acordo com o Ministro, embora tenha havido alteração legislativa, o fundamento constitucional da perda dos dias remidos continua válido, e a súmula deveria ser mantida com nova redação, reafirmando que a perda dos dias remidos é compatível com a Constituição.

 

O STF decidiu:

• acolher a proposta formulada pela DPU na PSV 60/DF; e

• rejeitar a proposição da PSV 64/DF (Min. Peluso).

 

Logo, a SV 9 foi cancelada.

A Lei nº 12.433/2011 promoveu mudança significativa no regime de perda de dias remidos. A nova redação do art. 127 estabeleceu situação mais benéfica ao apenado, deixando de prever a perda automática e integral dos dias remidos. O dispositivo passou a atribuir ao juízo da execução a possibilidade de decidir, com base nas circunstâncias do caso concreto, sobre a perda parcial do benefício, observados critérios de proporcionalidade.

Essa alteração legislativa promoveu adequação mais estrita ao princípio da individualização da pena, consagrado no art. 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal. Além disso, ao limitar expressamente a perda de dias remidos ao patamar máximo de um terço, a nova norma conferiu maior racionalidade e equilíbrio ao sistema de execução penal.

Para o STF não era necessário manter a SV 9 conferindo a ela outra redação apenas para dizer que a perda dos dias remidos (limitada a 1/3) é constitucional. E por que não era necessário isso? Porque já existe decisão proferida recentemente pelo Plenário do STF no julgamento do RE 1.116.485 (Tema 477 da repercussão geral) expressando essa conclusão:

1. A revogação ou modificação do ato normativo em que se fundou a edição de enunciado de súmula vinculante acarreta, em regra, a necessidade de sua revisão ou cancelamento pelo Supremo Tribunal Federal, conforme o caso.

2. É constitucional a previsão legislativa de perda dos dias remidos pelo condenado que comete falta grave no curso da execução penal.

STF. Plenário. RE 1116485/RS, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 01/03/2023 (Repercussão Geral – Tema 477) (Info 1084).

 

A Constituição prevê dois instrumentos de uniformização da jurisprudência do STF com força obrigatória:

• a súmula vinculante (art. 103-A) e

• a repercussão geral (art. 102, §3º).

 

Ambos buscam conferir racionalidade, estabilidade e coerência às decisões do Poder Judiciário.

No regime da repercussão geral, uma vez julgado o mérito do recurso paradigma, a tese firmada pelo Plenário passa a ter aplicação obrigatória a todos os processos que versem sobre a mesma matéria, devendo ser observada pelos juízes e tribunais (art. 102, §3º, da Constituição e arts. 927, inciso III, e 1.040 do CPC).

Quando há julgamento de mérito em repercussão geral, a utilidade de proposta de súmula vinculante sobre o mesmo tema tende a se esvaziar, pois o STF já exerceu a tarefa de uniformizar a jurisprudência, fixando orientação de observância obrigatória em âmbito nacional.

É verdade que as súmulas vinculantes acabam tendo um alcance maior, porque também obrigam a Administração Pública direta e indireta em todas as esferas federativas (o que não acontece com o tema de repercussão geral, que impõe uma aplicação obrigatória apenas para os juízes e tribunais). Isso, contudo, não é suficiente para justificar a duplicação de teses, sobretudo quando o objetivo de racionalizar o sistema judicial já foi alcançado.

Diante da existência de decisão de mérito em repercussão geral sobre o tema, o STF entendeu que não era necessário atribuir nova redação à Súmula Vinculante nº 9, já que a finalidade de uniformizar a jurisprudência foi devidamente atendida.

No entanto, o STF entendeu que havia interesse no cancelamento do verbete, para evitar a manutenção de súmula em desconformidade com precedente vinculante da Corte. A Súmula Vinculante nº 9, ao dar a entender que seria possível a perda integral dos dias remidos, estava incompatível com a atual redação do art. 127 da LEP e com a tese firmada no Tema 477 da repercussão geral.

 

Em suma:

A Súmula Vinculante 9 (SV 9) — que admite a perda integral dos dias remidos em caso de falta grave — é incompatível com a atual redação do artigo 127 da Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/1984) e deve ser cancelada diante da existência de precedente vinculante do STF sobre a matéria.

STF. Plenário. PSV 60/DF e PSV 64, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, julgado em 26/09/2025 (Info 1193).


Print Friendly and PDF