quinta-feira, 6 de novembro de 2025
Buscas e apreensões nas dependências do Congresso Nacional ou em imóveis funcionais de parlamentares devem ser autorizadas exclusivamente pelo STF
O caso concreto, com adaptações,
foi o seguinte:
Determinados Policiais do Senado
Federal estavam sendo investigados pela Polícia Federal pela suposta prática de
crimes.
Um Juiz Federal de 1ª instância,
atendendo a representação da Polícia Federal, autorizou a realização de busca e
apreensão de equipamentos e documentos da Polícia do Senado Federal, dentro das
dependências do Congresso Nacional, sem autorização prévia do Supremo Tribunal
Federal.
Depois desse fato, a Mesa do
Senado Federal ajuizou Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
(ADPF) sustentando que a medida violou preceitos fundamentais como o princípio
da separação dos poderes, a soberania popular, o devido processo legal, o juiz
natural e as imunidades parlamentares previstas na Constituição Federal.
Argumentou que medidas dessa
natureza, por afetarem direta ou indiretamente o exercício da função
parlamentar, só poderiam ser autorizadas pelo STF.
A parte autora pediu que fosse dada interpretação conforme à
Constituição ao art. 13, II e III, do CPP, para que ficasse estabelecido que
diligências como busca e apreensão nas dependências do Congresso Nacional
(inclusive em imóveis funcionais) dependem de autorização de Ministro do STF:
Art. 13. Incumbirá ainda à autoridade policial:
(...)
II -
realizar as diligências requisitadas pelo juiz ou pelo Ministério
Público;
III - cumprir os mandados de prisão
expedidos pelas autoridades judiciárias;
O STF concordou com os
argumentos invocados pela Mesa do Senado Federal?
SIM.
Natureza da prerrogativa de
função
A prerrogativa de função não
constitui privilégio pessoal, mas sim um mecanismo destinado a proteger a
própria função pública exercida, assegurando independência e autonomia no
desempenho das atribuições.
A competência por prerrogativa de
função abrange também a fase investigatória e a supervisão das investigações
criminais de autoridades com foro especial.
Repercussão indireta sobre
o mandato parlamentar
Ainda que a investigação não
tenha como alvo direto o parlamentar, a apreensão nas dependências do Congresso
Nacional ou em imóveis funcionais de objetos como documentos e dispositivos
informáticos repercute, ainda que indiretamente, sobre o desempenho da
atividade parlamentar e o próprio exercício do mandato.
Essa repercussão indireta atrai a competência do Supremo
Tribunal Federal, nos termos do art. 53, § 1º, c/c art. 102, I, “b”, da CF/88:
Art. 53. (...)
§ 1º Os Deputados e Senadores, desde a
expedição do diploma, serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal
Federal.
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal
Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar,
originariamente:
(...)
b) nas infrações penais comuns, o
Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional,
seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República;
Interpretação conforme do
art. 13, II, do CPP
O art. 13, II, do CPP, que impõe
à autoridade policial o dever de cumprir diligências determinadas por juiz ou
Ministério Público, foi recepcionado pela Constituição de 1988. Contudo, sua
legalidade depende da observância das regras constitucionais de competência.
Por isso, impõe-se interpretação
conforme à Constituição, para reconhecer que, nas hipóteses em que a diligência
deva ocorrer em locais sob administração do Congresso Nacional ou imóveis
funcionais ocupados por parlamentares, a autorização judicial competente é de
exclusiva atribuição do Supremo Tribunal Federal.
Ilicitude das provas
obtidas por juízo incompetente
Nos termos do art. 5º, LVI, da
Constituição Federal, são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por
meios ilícitos.
O art. 157 do CPP ordena o
desentranhamento dos autos e a inutilização das provas ilícitas, assim
entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais, a fim de
não interferir, subjetivamente, no convencimento do juiz.
O reconhecimento da
imprestabilidade do resultado da busca realizada no apartamento funcional de
parlamentar para fins probatórios, como também de eventuais elementos
probatórios diretamente derivados (fruits of the poisonous tree), é medida que
se impõe quando a ordem é expedida por juízo incompetente.
Inaplicabilidade do
raciocínio a medidas cautelares pessoais
Em se tratando especificamente de
mandado de prisão contra pessoa que não detém prerrogativa de função, não está
prima facie caracterizada a competência do STF pelo simples fato de a ordem se
dirigir a pessoa que trabalha no Congresso Nacional ou residir no mesmo imóvel
que o parlamentar. O raciocínio desenvolvido para medidas cautelares
probatórias não se aplica a medidas cautelares de natureza pessoal.
Ausência de exigência de
comunicação prévia à polícia legislativa
A Constituição ou a lei não fazem
a exigência de comunicação obrigatória à Polícia do Senado Federal, com
transferência do sigilo, quando da realização de medidas cautelares probatórias
nas dependências do Congresso Nacional ou em imóveis funcionais. Não cabe ao
Supremo Tribunal Federal a estipulação de critérios que não foram previstos
pelo legislador.
Desnecessidade de
autorização do Presidente da Casa Legislativa
Não há determinação
constitucional que exija prévia autorização do Presidente da Casa Legislativa
para que eventual decisão judicial ou diligência policial seja executada pelo
órgão da polícia legislativa competente ou pela Polícia Federal. Além de não haver
determinação constitucional nesse sentido, a prévia autorização poderia, em
determinados casos, comprometer a eficácia da medida cautelar, especialmente
quando o próprio Presidente da Casa estiver sendo investigado.
Legitimidade de diligências
sem autorização da Mesa Diretora
Não ofende os princípios da
separação e da harmonia entre os Poderes do Estado a decisão do Supremo
Tribunal Federal que, em inquérito destinado a apurar ilícitos penais
envolvendo parlamentar, determina, sem prévia autorização da Mesa Diretora da
respectiva Casa Legislativa, a coleta de dados ou a realização de diligências
investigatórias nas dependências dessa Casa, desde que a ordem seja expedida
pelo próprio STF, no exercício de sua competência constitucional.
Em suma:
A competência para autorizar medidas cautelares
probatórias, como busca e apreensão, nas dependências do Congresso Nacional e
em imóveis funcionais de parlamentares é exclusiva do Supremo Tribunal Federal,
ainda que a investigação não tenha o parlamentar como alvo direto.
STF. Plenário.
ADPF 424/DF, Rel. Min. Cristiano Zanin, julgado em 27/09/2025 (Info 1192).

