domingo, 30 de novembro de 2025
O juiz pode restringir o acesso da defesa aos e-mails da vítima, permitindo o acesso apenas aos e-mails que os peritos analisaram e consideraram relacionados com o caso
Imagine a seguinte situação
hipotética:
Ricardo foi morto a tiros na
saída de um restaurante.
O Ministério Público denunciou João,
ex-sócio da vítima. A acusação afirmava que o homicídio foi cometido por
vingança, em razão de desentendimentos comerciais entre eles.
Durante a instrução, os advogados
de João pediram ao juiz acesso completo a todas as contas de e-mail que
pudessem ter pertencido a Ricardo.
A defesa argumentou que precisava
conhecer toda a vida pessoal e profissional da vítima para entender o contexto
do crime e montar a melhor estratégia defensiva.
O juiz autorizou o acesso a
algumas contas de e-mail vinculadas diretamente à vítima, mas limitou o
conteúdo às mensagens que tivessem relação com o caso. Essa seleção foi feita
por peritos do Instituto de Criminalística.
O magistrado também negou acesso
a uma conta de e-mail que, aparentemente, não pertencia a Ricardo (já que o
username era diferente) e poderia conter informações de terceiros.
O advogado de João não se
conformou e impetrou habeas corpus afirmando que só ele poderia saber o que era
ou não importante para a defesa e que restringir o acesso às mensagens violava
o direito de João à ampla defesa. Segundo o advogado, seria impossível aos
peritos criminais anteverem todas as possíveis estratégias defensivas, razão
pela qual o acesso deveria ser integral.
O STJ concordou com os
argumentos da defesa?
NÃO.
O art. 400, §1º, do CPP permite que o juiz recuse, de forma
fundamentada, a produção de provas que considerar irrelevantes, impertinentes
ou meramente protelatórias:
§ 1º As
provas serão produzidas numa só audiência, podendo o juiz indeferir as
consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias.
Ao magistrado é dada a liberdade
na dinâmica de valoração das provas, desde que o faça de forma motivada, como
ocorreu no presente caso.
A ampla liberdade conferida ao
julgador lhe permite avaliar o conjunto probatório em sua magnitude e extrair
da prova a sua essência, transcendendo ao formalismo castrador do sistema da
certeza legal, de modo que não existe hierarquia entre as provas, cabendo ao
juiz imprimir na decisão o grau de importância das provas produzidas.
O juiz é o destinatário final das provas no processo.
Cabe a ele analisar se a produção de determinada prova é útil, necessária ou se
ultrapassa os limites legais e constitucionais, como o direito à intimidade e à
privacidade, especialmente de pessoas que não fazem parte do processo ou que
estão mortas, como no caso da vítima.
Outro ponto importante foi a preocupação com o equilíbrio
entre dois direitos fundamentais: de um lado, a ampla defesa; de outro, a
proteção da vida privada, da honra e da imagem da vítima. A decisão do juiz de
limitar o acesso àquilo que era relevante para o processo preservou esse
equilíbrio e não impediu a defesa de exercer seu papel. Como havia acesso ao
conteúdo relacionado ao crime, a defesa não ficou desamparada.
Por fim, o STJ traçou um paralelo com a jurisprudência
consolidada sobre interceptações telefônicas. Da mesma forma que os tribunais
superiores entendem ser desnecessária a transcrição integral de todas as
conversas interceptadas (bastando que sejam transcritos os diálogos pertinentes
ao objeto da investigação), o acesso aos e-mails da vítima também pode ser
limitado ao conteúdo que guarde relação direta com o caso concreto. Não se
trata de negar à defesa o acesso a elementos probatórios relevantes, mas sim de
estabelecer um filtro de pertinência temática, de modo que apenas o material
efetivamente relacionado aos fatos apurados seja disponibilizado.
Em suma:
STJ. 6ª
Turma. AgRg no RHC 143.762-PE, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em
7/10/2025 (Info 868).

