terça-feira, 25 de novembro de 2025
É cabível mandado de segurança, a ser impetrado no TJ ou TRF, com a finalidade de promover o controle da competência dos Juizados Especiais; no entanto, não será cabível o MS se já tiver havido o trânsito em julgado
Imagine a seguinte situação
hipotética:
João é ex-aluno de uma
universidade pública estadual.
Ele ajuizou uma ação contra a
Universidade.
A ação foi proposta no Juizado
Especial da Fazenda Pública da Capital do Estado.
O juiz, contudo, declinou da
competência para a comarca do interior onde fica a sede da universidade (São
José do Rio Preto/SP).
O Juiz do Juizado Especial da
Fazenda Pública de São José do Rio Preto/SP se considerou competente e, quanto
ao mérito, julgou o pedido de João improcedente.
O autor interpôs recurso
inominado, mas a Turma Recursal manteve a sentença.
O processo transitou em julgado.
Inconformado, João impetrou
mandado de segurança perante o Tribunal de Justiça pedindo que todas as
decisões do processo, inclusive a sentença, fossem anuladas, sob o argumento de
que houve violação à regra de competência. Requereu que o processo fosse
enviado ao juizado prevento (3ª Vara do Juizado).
O Tribunal de Justiça indeferiu a petição inicial, afirmando
que não cabe mandado de segurança contra decisão judicial que já transitou em
julgado, conforme vedação expressa contida no art. 5º, III, da Lei 12.016/2009
e na Súmula 268 do STF:
Art. 5º Não se concederá mandado
de segurança quando se tratar:
(...)
III - de decisão judicial
transitada em julgado.
Súmula 268-STF: Não cabe mandado de segurança contra decisão
judicial com trânsito em julgado.
João interpôs recurso especial
contra o acórdão do TJ sustentando que existe jurisprudência do STJ que admite
mandado de segurança para controle da competência dos Juizados Especiais, mesmo
após o trânsito em julgado. Ele invocou o seguinte julgado:
É cabível a impetração de mandado de segurança perante Tribunal
de Justiça para controle da competência dos Juizados Especiais, desde que não
se busque reexame do mérito das decisões desses juizados.
A autonomia dos Juizados Especiais não lhes confere poder para
decidir, em caráter definitivo, causas para as quais são absolutamente
incompetentes.
STJ. Corte Especial. RMS 17.524/BA, Rel. Min. Nancy Andrighi,
julgado em 2/8/2006.
O STJ deu provimento ao
recurso de João? Cabia mandado de segurança neste caso?
NÃO.
De fato, o STJ, ao julgar o RMS
17.524/BA, fixou o entendimento de ser cabível a impetração de mandado de
segurança para as hipóteses de controle sobre a competência dos juizados
especiais.
A partir desse precedente, as
Turmas do STJ passaram a admitir a utilização do mandado de segurança com o
objetivo de exercer o controle da competência dos Juizados Especiais Cíveis e
Criminais, desde que vedada a análise do mérito do processo subjacente.
Assim, a impetração do mandado de
segurança com esse objetivo de controlar a competência dos Juizados Especiais
foi considerada uma exceção à Súmula 376 do STJ, que diz:
Súmula 376-STJ: Compete a turma recursal processar e julgar o
mandado de segurança contra ato de juizado especial.
Podemos sintetizar o entendimento
geral da seguinte forma:
Em regra, compete à turma recursal processar e julgar o mandado
de segurança contra ato de juizado especial (Súmula 376 do STJ).
Contudo, excepcionalmente, admite-se o conhecimento da
impetração de mandado de segurança nos Tribunais de Justiça para fins de
exercício do controle de competência dos juizados especiais.
STJ. 2ª Turma. AgInt no RMS 70.750-MS, Rel. Min. Francisco
Falcão, julgado em 8/5/2023 (Info 777).
Vale ressaltar, contudo, que, no
RMS 17.524/BA, não foi discutida a possibilidade de impetração do mandado de
segurança após o trânsito em julgado de decisão judicial que verse sobre
a competência de Juizado Especial.
O RMS 17.524/BA é do ano de 2006
e, portanto, foi decidido antes da vigência da Lei nº 12.016/2009. Naquela
época, embora a Súmula 268 do STF já vedasse o mandado de segurança contra
decisão transitada em julgado, essa proibição não estava expressamente positivada
em lei.
A Lei nº 12.016/2009, ao entrar
em vigor em 2009, positivou a proibição de MS contra decisão transitada em
julgado (art. 5º, III). A partir daí, qualquer interpretação que pretenda
afastar essa regra enfrenta um obstáculo normativo muito mais robusto.
O STJ reconheceu que algumas
Turmas do STJ já admitiram o mandado de segurança para controle de competência
dos Juizados mesmo após o trânsito em julgado, como nos casos RMS 30.170/SC e
RMS 37.775/ES. Porém, esses julgados não constituem precedentes vinculantes,
pois não foram decididos pela Corte Especial ou pelo Plenário. São decisões de
órgãos fracionários que não vinculam os demais órgãos do Tribunal.
Permitir mandado de segurança
depois do trânsito em julgado seria o mesmo que abrir uma brecha para “anular”
decisões definitivas, o que se aproxima da ação rescisória. Ocorre que a ação
rescisória não é permitida no sistema dos Juizados Especiais, por previsão
expressa do art. 59 da Lei nº 9.099/1995. Assim, permitir esse mandado de
segurança seria criar, na prática, uma ação rescisória “disfarçada”, o que
desrespeitaria a intenção do legislador de manter os juizados mais simples,
rápidos e com decisões definitivas.
Mesmo que a discussão seja apenas
sobre a competência do juízo (e não sobre o conteúdo da decisão), isso deve ser
questionado antes do fim do processo, quando ainda é possível recorrer ou
impetrar o mandado de segurança. Fazer isso depois do trânsito em julgado,
viola o princípio da coisa julgada, que garante segurança jurídica ao impedir
que decisões já definitivas sejam revistas indefinidamente.
Para afastar a regra do art. 5º,
III, da Lei 12.016/2009, seria necessário que um tribunal declarasse essa regra
inconstitucional, respeitando-se a cláusula de reserva de plenário (art. 97 da
Constituição Federal e na Súmula Vinculante 10).
Em suma:
STJ. 1ª Turma. RMS 69.603-SP, Rel. Min. Paulo Sérgio Domingues,
julgado em 14/10/2025 (Info 868).

