sábado, 19 de dezembro de 2015

Análise jurídica da decisão do STF que definiu o rito do processo de impeachment da Presidente Dilma



Neste post irei analisar os principais aspectos jurídicos envolvendo a decisão do STF a respeito do rito aplicável ao pedido de impeachment da Presidente Dilma Roussef.

O que são crimes de responsabilidade?
Crimes de responsabilidade são infrações político-administrativas praticadas por pessoas que ocupam determinados cargos públicos.
Caso o agente seja condenado por crime de responsabilidade, ele não receberá sanções penais (prisão ou multa), mas sim sanções político-administrativas (perda do cargo e inabilitação para o exercício de função pública).

Os crimes de responsabilidade estão previstos:
• Quanto ao Presidente da República: no art. 85 da CF/88 e Lei nº 1.079/50.
• Quanto aos Governadores de Estado: na Lei nº 1.079/50.
• Quanto aos Prefeitos: no DL 201/67.

O que significa impeachment?
Impeachment é uma palavra de origem inglesa que significa "impedimento" ou "impugnação".
Juridicamente falando, o vocábulo impeachment tem dois significados:
1º) Consiste no nome dado ao processo instaurado para apurar se o Presidente da República, o Governador, o Prefeito e outras autoridades praticaram crime de responsabilidade. Ex: foi aberto o processo de impeachment da Presidente Dilma Roussef.

2º) É como se chama uma das sanções (punições) aplicadas ao governante que foi condenado por crime de responsabilidade. O Presidente da República que é condenado por crime de responsabilidade recebe duas sanções:
a) A perda do cargo (denominada de impeachment). Ex: os Senadores aprovaram o impeachment do ex-Presidente Fernando Collor.
b) A inabilitação para o exercício de funções públicas por 8 anos.

Quais autoridades podem sofrer um processo de impeachment?
• Presidente da República;
• Vice-Presidente da República;
• Ministros de Estado (nos crimes conexos com aqueles praticados pelo Presidente da República);
• Ministros do STF;
• membros do CNJ e do CNMP;
• Procurador-Geral da República;
• Advogado-Geral da União;
• Governadores;
• Prefeitos.

Somente irei analisar abaixo o processo de impeachment aplicável ao Presidente da República.

Previsão do procedimento
O procedimento de impeachment do Presidente da República é previsto em alguns artigos da CF/88 e também na Lei nº 1.079/50.

Quem pode pedir o impeachment do Presidente da República?
Qualquer cidadão no pleno gozo de seus direitos políticos. Veja o que diz a Lei nº 1.079/50:
Art. 14. É permitido a qualquer cidadão denunciar o Presidente da República (...) por crime de responsabilidade, perante a Câmara dos Deputados.

Onde esse pedido é formulado?
O cidadão deverá apresentar o pedido de impeachment (chamado pela Lei de "denúncia"), por escrito, na Câmara dos Deputados.
Essa denúncia deverá ser assinada pelo denunciante, contendo a sua firma (assinatura) reconhecida. Deverá também ser acompanhada de documentos que a comprovem, ou da declaração de impossibilidade de apresentá-los, com a indicação do local onde possam ser encontrados. Nos crimes de que haja prova testemunhal, a denúncia deverá conter o rol das testemunhas, em número de cinco, no mínimo (art. 16 da Lei).

O pedido de impeachment será formulado com base em que alegações? O que é considerado motivo para a abertura de um processo de impeachment?
O "denunciante" deverá demonstrar, em seu pedido, que o Presidente da República praticou crime de responsabilidade.
O rol de crimes de responsabilidade do Presidente está previsto no art. 85 da CF/88:
Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:
I - a existência da União;
II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;
III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;
IV - a segurança interna do País;
V - a probidade na administração;
VI - a lei orçamentária;
VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais.
Parágrafo único. Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento.

Vale ressaltar que o elenco acima é exemplificativo. A Lei nº 1.079/50 traz a previsão detalhada dos crimes de responsabilidade do Presidente da República nos arts. 5º a 12.

Pedido de impeachment formulado por Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaina Paschoal
Os juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Junior e Janaina Paschoal formularam e protocolizaram, na Câmara dos Deputados, "denúncia" (pedido de impeachment) contra a Presidente Dilma Roussef.
No dia 02/12/2015, o Presidente da Câmara, Deputado Eduardo Cunha, recebeu a denúncia apresentada.

O Presidente da Câmara era obrigado a receber a denúncia?
NÃO. Importante esclarecer que o Presidente da Câmara faz um juízo prévio de admissibilidade da denúncia e poderia já tê-la rejeitado liminarmente se entendesse que o pedido apresentado era inepto ou que não tinha justa causa. Assim, seu papel no recebimento dessa denúncia não é meramente burocrático, havendo um juízo decisório. Nesse sentido, confira precedente do STF:
(...) a competência do Presidente da Câmara dos Deputados e da Mesa do Senado Federal para recebimento, ou não, de denúncia no processo de impeachment não se restringe a uma admissão meramente burocrática, cabendo-lhes, inclusive, a faculdade de rejeitá-la, de plano, acaso entendam ser patentemente inepta ou despida de justa causa. (...)
STF. Plenário. MS 30672 AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 15/09/2011.

A denúncia contra a Presidente da República foi recebida com base em qual fundamento? Qual o crime de responsabilidade que teria sido por ela praticado?
O Presidente da Câmara recebeu a denúncia pelo fato de que a Presidente da República assinou, em 2015, seis decretos presidenciais abrindo créditos suplementares em desacordo com a lei orçamentária, o que configura, em tese, os crimes de responsabilidade previstos nos itens 4 e 6 do art. 10 da Lei nº 1.079/50:
CAPÍTULO VI
DOS CRIMES CONTRA A LEI ORÇAMENTÁRIA
Art. 10. São crimes de responsabilidade contra a lei orçamentária:
(...)
4) Infringir, patentemente, e de qualquer modo, dispositivo da lei orçamentária.
(...)
6) ordenar ou autorizar a abertura de crédito em desacordo com os limites estabelecidos pelo Senado Federal, sem fundamento na lei orçamentária ou na de crédito adicional ou com inobservância de prescrição legal;

Outro fato que fundamentou o recebimento da denúncia foi a prática das chamadas "pedaladas fiscais", que teriam sido reiteradas em 2015, situação que se amolda, em abstrato, no crime de responsabilidade contra lei orçamentária (art. 85, VI, da CF/88).

Formação de comissão especial
O Presidente da Câmara, após receber a denúncia, determinou que ela fosse lida na sessão seguinte da Casa e que fosse eleita uma comissão especial para analisar o pedido formulado, conforme prevê o art. 19 da Lei nº 1.079/50:
Art. 19. Recebida a denúncia, será lida no expediente da sessão seguinte e despachada a uma comissão especial eleita, da qual participem, observada a respectiva proporção, representantes de todos os partidos para opinar sobre a mesma.

Essa comissão é formada por 65 Deputados Federais (titulares) e mais 65 suplentes. Sua função é a de analisar a denúncia e emitir um parecer sobre a procedência ou não das alegações formuladas.

O que acontece depois de ser formada essa comissão?
Após a instalação da comissão, a Presidente da República terá o prazo de 10 sessões para apresentar sua defesa.
Depois de apresentada a defesa, a comissão tem um prazo de 5 sessões para apresentar o parecer.
O Plenário da Câmara irá, então, votar se deverá ser aberto ou não o processo de impeachment.

Escolha da comissão
No dia 08/12/2015, os Deputados Federais, por meio de eleição, escolheram os Deputados que iriam compor a comissão especial para analisar o pedido de impeachment.
Aqui houve duas grandes polêmicas:
1ª) Em uma reunião com os líderes dos partidos políticos, ficou acertado que cada líder iria designar os representantes da agremiação para compor a comissão. Assim, haveria uma única "chapa". Ocorre que depois que essa "chapa" foi formada, a oposição entendeu que ela só estava contemplando Deputados ligados ao governo e, por isso, lançou uma "chapa" avulsa, com outros nomes. Houve grande tumulto quanto a isso, mas, ao final, a votação foi mantida e a chamada "chapa" avulsa sagrou-se vencedora.
2ª) A votação para a escolha dos representantes da comissão foi com voto secreto, com base no Regimento Interno da Câmara. A CF/88 não trata sobre essa votação, de modo que não diz expressamente se ela deve ser secreta ou aberta. Os Deputados governistas defenderam a tese de que, como a Constituição não afirma que essa votação é secreta, ela deverá ser aberta, considerando que esta é a regra geral. Os Deputados da oposição, por sua vez, afirmaram que, diante do silêncio da Constituição, vale o que diz o Regimento Interno da Casa.

ADPF 378
O Partido Comunista do Brasil (PCdoB) ingressou, no STF, com Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) pedindo o reconhecimento da ilegitimidade constitucional de dispositivos e interpretações da Lei nº 1.079/50.

Foram formulados, dentre outros, os seguintes pedidos principais:

1) Defesa prévia da Presidente da República
O partido alegou que, mesmo sem previsão na Lei nº 1.079/50, antes do Presidente da Câmara ter recebido a denúncia, ele deveria ter concedido a oportunidade de a Presidente da República apresentar uma defesa prévia.
Para o partido, é necessário que a Lei nº 1.079/50 seja reinterpretada de acordo com a CF/88.

2) Anulação da escolha da comissão especial ocorrida no dia 08/12/2015
O partido pediu a anulação da eleição da comissão especial em virtude de ter sido realizada mediante voto secreto e pelo fato de ter sido apresentada chapa avulsa, contrariando aquilo que havia sido deliberado pelos líderes partidários.

3) Ilegitimidade dos dispositivos dos Regimentos Internos da Câmara e do Senado que tratam sobre o impeachment
A Lei nº 1.079/50 prevê, em seu art. 38, que, em caso de lacuna da Lei, deverão ser aplicadas ao processo de impeachment as regras presentes nos Regimentos Internos da Câmara dos Deputados e do Senado federal.
O partido alegou que esse art. 38 não foi recepcionado pela CF/88, considerando que ela exige, no art. 85, parágrafo único, que as normas de processo e julgamento dos crimes de responsabilidade sejam previstas em lei (não valendo, portanto, Regimento Interno).

4) Mesmo a Câmara autorizando a abertura do processo, o Senado poderá rejeitá-lo
Depois de o processo de impeachment ser autorizado na Câmara (por 2/3 dos Deputados), ele segue para o Senado.
A tese defendida pelo partido foi a de que, chegando no Senado, este poderá rejeitar liminarmente o pedido, sem ser necessário afastar a Presidente e sem dar prosseguimento ao processo.

5) Suspeição do Presidente Eduardo Cunha
O partido requereu que fosse reconhecida a suspeição do Presidente Eduardo Cunha para receber a denúncia e conduzir o processo na Câmara.
Segundo a petição inicial da ADPF, o Deputado Eduardo Cunha não teria parcialidade para o processo em virtude de ser alvo de representação pelo cometimento de falta ética no âmbito da Comissão de Ética da Câmara dos Deputados, o que pode conduzir à perda do seu mandato. E o recebimento da representação foi resultado de uma decisão colegiada da qual participaram Deputados integrantes do partido da Presidente.

6) Interpretação conforme a Constituição dos dispositivos da Lei nº 1.079/50
O partido pediu, ainda, que seja realizada interpretação conforme dos dispositivos da Lei nº 1.079/50 que tratam sobre o rito do processo de impeachment a fim de que se adequem à Constituição Federal de 1988.

Cabia ADPF neste caso?
SIM. O STF entendeu que os três pressupostos para a admissibilidade da ação estão presentes:
1º) Violação a preceito fundamental. O autor da ação alega violação a preceito fundamental considerando que diversos dispositivos da Lei nº 1.079/50 seriam incompatíveis com a CF/88, dentre eles os princípios da separação de poderes, democrático, do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa etc, todos incluídos naquilo que podemos chamar de “preceitos fundamentais”.
2º) Resultante de ato do Poder Público. Os preceitos questionados da Lei nº 1.079/50 são atos estatais que podem ser objeto de ADPF, uma vez que esta pode ser manejada inclusive em relação a atos anteriores à Constituição.
3º) Subsidiariedade. Está presente também o requisito da subsidiariedade. Isso porque a ADPF questiona lei anterior à CF/88, de forma que não seria possível, neste caso, propor ADI.

Mas na ADPF proposta pelo PC do B são impugnados também dispositivos dos Regimentos Internos da Câmara e do Senado e estes são posteriores à CF/88. Logo, caberia ADI. Além disso, na ADPF 378, o partido pede que o STF supra omissão inconstitucional da legislação (pedido ligado à ADI por omissão). O fato de haver esses outros pedidos (relacionados com ADI e com ADI por omissão) não torna a ADPF inadmissível?
NÃO. As ações diretas de inconstitucionalidade (ADI genérica, ADC, ADI por omissão, ADPF) são fungíveis entre si. Em razão dessa fungibilidade, é possível propor uma única ação direta, no caso, a ADPF, cumulando pedidos para: a) não recepção de norma anterior à Constituição (Lei nº 1.079/50); b) declaração da inconstitucionalidade de normas posteriores (regimentos internos); c) superação da omissão parcial inconstitucional.
Não seria razoável exigir que fossem propostas três ações diferentes para atingir os três objetivos acima, sendo que todos eles estão interligados e devem ser apreciados e decididos conjuntamente.
Neste caso, diante da proibição de ADI contra normas anteriores à CF/88, a ADPF é a ação que melhor engloba essas três pretensões.

Passemos agora ao mérito da ação. Nos dias 16 e 17/12/2015, o STF julgou a ADPF, chegando às seguintes conclusões:

1) Não há direito à defesa prévia antes do recebimento da denúncia pelo Presidente da Câmara:
A apresentação de defesa prévia não é uma exigência do princípio constitucional da ampla defesa: ela é exceção, e não a regra no processo penal. Não há, portanto, impedimento para que a primeira oportunidade de apresentação de defesa no processo penal comum se dê após o recebimento da denúncia.
No caso dos autos, muito embora não se assegure defesa previamente ao ato do Presidente da Câmara dos Deputados que inicia o rito naquela Casa, colocam-se à disposição do acusado inúmeras oportunidades de manifestação em ampla instrução processual. Não há, assim, violação à garantia da ampla defesa.

2) Eleição da comissão especial do impeachment deve ser feita por indicação dos líderes e voto aberto do Plenário
O STF decidiu que os representantes dos partidos políticos ou blocos parlamentares que irão compor a chapa da comissão especial da Câmara dos Deputados deverão ser indicados pelos líderes, na forma do Regimento Interno da Câmara dos Deputados. Assim, não é possível a apresentação de candidaturas ou chapas avulsas para a formação da comissão especial.
O art. 58, caput, da CF/88 determina que as comissões da Câmara dos Deputados serão constituídas na forma prevista no regimento interno:
Art. 58. O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação.

O Regimento Interno da Câmara dos Deputados afirma que a indicação dos representantes partidários ou dos blocos parlamentares compete aos líderes. Não há votação do Plenário da Casa para escolha dos membros das comissões. Logo, a escolha da comissão especial do impeachment deve ser feita por meio da indicação dos líderes partidários, na forma do Regimento Interno.
Desse modo, não é legítima a formação de chapa "avulsa" ou "alternativa" para a composição dessa comissão considerando que tais membros não foram indicados pelos líderes, havendo afronta, portanto, ao Regimento Interno da Câmara e ao art. 58 da CF/88.
Depois de ter sido formada a comissão pela indicação dos líderes, esta chapa única poderá ser submetida à votação do Plenário da Casa para aprovação. Esta votação do Plenário, contudo, deverá se dar por voto aberto.
Segundo decidiu o STF, no processo de impeachment, as votações devem ser abertas, de modo a permitir maior transparência, accountability e legitimação. No silêncio da Constituição, da Lei 1.079/50 e do Regimento Interno sobre a forma de votação, deve-se adotar a votação aberta. O sigilo do escrutínio é incompatível com a natureza e a gravidade do processo por crime de responsabilidade. Em processo de tamanha magnitude, que pode levar o Presidente a ser afastado e perder o mandato, é preciso garantir o maior grau de transparência e publicidade possível.
Resumindo, com a decisão do STF, a Câmara terá de constituir uma nova comissão, que será escolhida pelo voto aberto dos Deputados, havendo, no entanto, uma chapa única com nomes indicados pelos líderes partidários. A votação será apenas se a chapa única é aprovada ou não.

3) É possível a aplicação subsidiária dos Regimentos Internos da Câmara e do Senado que tratam sobre o impeachment
A aplicação subsidiária do Regimento Interno da Câmara dos Deputados e do Senado ao processamento e julgamento do impeachment não viola a reserva de lei especial imposta pelo art. 85, parágrafo único, da CF/88, desde que as normas regimentais sejam compatíveis com os preceitos legais e constitucionais pertinentes, limitando-se a disciplinar questões interna corporis.
Assim, se as normas dos Regimentos Internos não violarem a lei ou a Constituição, poderão ser aplicadas para tratar sobre o rito do impeachment.

4) Qual é o papel da Câmara e do Senado no processo de impeachment? A decisão da Câmara autorizando o impeachment vincula o Senado? Se o processo de impeachment for autorizado pela Câmara, o Senado é obrigado a processar e julgar a Presidente?
·       O que diz a lei e a doutrina majoritária: SIM.
·       O que decidiu o STF: NÃO

O que diz a lei e a doutrina majoritária: SIM
­ Havendo autorização da Câmara dos Deputados, o Senado deverá instaurar o processo. Não cabe ao Senado decidir se abre ou não o processo. Não cabe mais a esta Casa rejeitar a denúncia. Sua função agora será apenas a de processar e julgar, podendo absolver o Presidente, mas desde que ao final do processo.
­ A Câmara é o tribunal de pronúncia e o Senado é o tribunal de julgamento.
­ Isso está previsto no art. 23, §§ 1º e 5º e arts. 80 e 81, da Lei nº 1.079/50.
­ Na doutrina: José Afonso da Silva, Pedro Lenza, Bernardo Gonçalves Fernandes, Juliano Taveira Bernardes.

O que decidiu o STF: NÃO
­ A CF/88 afirma que compete ao Senado, privativamente, “processar e julgar” o Presidente (art. 52, I, da CF/88). Segundo entendeu o STF, esta locução abrange não apenas o julgamento final, mas também a realização de um juízo inicial de instauração ou não do processo, isto é, de recebimento ou não da denúncia autorizada pela Câmara.
­ No regime atual, a Câmara não funciona como um “tribunal de pronúncia”, mas apenas implementa ou não uma condição de procedibilidade para que a acusação prossiga no Senado.
­ A atuação da Câmara dos Deputados deve ser entendida como parte de um momento pré-processual, isto é, anterior à instauração do processo pelo Senado. Nas palavras do Min. Roberto Barroso: "a Câmara apenas autoriza a instauração do processo: não o instaura por si própria, muito menos determina que o Senado o faça".
­ Os arts. 23, §§ 1º e 5º; 80 e 81, da Lei nº 1.079/50 não foram recepcionados por serem incompatíveis com os arts. 51, I; 52, I; e 86, § 1º, II, da CF/1988.
­ Votaram neste sentido: Roberto Barroso, Teori Zavascki, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio e Celso de Mello.

Assim, apresentada denúncia contra o Presidente da República por crime de responsabilidade, compete à Câmara dos Deputados decidir se autoriza ou não a instauração de processo:
Art. 51. Compete privativamente à Câmara dos Deputados:
I - autorizar, por dois terços de seus membros, a instauração de processo contra o Presidente e o Vice-Presidente da República e os Ministros de Estado;

Caso a Câmara autorize a instauração do processo de impeachment, esta será ainda uma autorização "provisória" (mera condição de procedibilidade), considerando que o Senado ainda irá examinar o pedido nos termos do art. 52, I, da CF/88:
Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:
I - processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles;

Confira o que disse o Min. Roberto Barroso (redator para o acórdão):
"(...) a Câmara dos Deputados somente atua no âmbito pré-processual, não valendo a sua autorização como um recebimento da denúncia, em sentido técnico. Assim, a admissão da acusação a que se seguirá o julgamento pressupõe um juízo de viabilidade da denúncia pelo único órgão competente para processá-la e julgá-la: o Senado."

Assim, ao Senado compete decidir se deve receber ou não a denúncia cujo prosseguimento foi autorizado pela Câmara:
• Se rejeitar a denúncia, haverá o arquivamento do pedido;
• Se receber, aí sim será iniciado o processo de impeachment propriamente dito (fase processual), com a produção de provas e, ao final, o Senado votará pela absolvição ou condenação do Presidente.

Resumindo:
O que diz a CF/88
O que diz o STF
Art. 51. Compete privativamente à Câmara dos Deputados:
I - autorizar, por dois terços de seus membros, a instauração de processo contra o Presidente (...)
Essa autorização não deve ser entendida como recebimento da denúncia, em sentido técnico.
Caberia à Câmara apenas verificar se há condição de procedibilidade, ou seja, se a acusação deve ser admitida. Essa decisão da Câmara não vincula o Senado.
Quem decide se instaura ou não o processo é o Senado.
Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:
I - processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade (...)
Quando a CF/88 fala em “processar” o Presidente, isso significa que cabe ao Senado decidir se deve ou não processar (se deve ou não instaurar o processo).
O recebimento da denúncia no processo de impeachment ocorre apenas após a decisão do Plenário do Senado.
A decisão da Câmara não obriga o Senado a instaurar o processo.

Por que este ponto é tão importante e polêmico?
Porque a CF/88, em seu art. 86, § 1º, II, prevê o seguinte:
§ 1º - O Presidente ficará suspenso de suas funções:
(...)
II - nos crimes de responsabilidade, após a instauração do processo pelo Senado Federal.

Assim, quando o processo de impeachment é instaurado, o Presidente da República deve ser afastado provisoriamente de suas funções (pelo prazo máximo de 180 dias).
Se a decisão da Câmara admitindo a acusação fosse considerada vinculante, isso significaria que, quando chegasse ao Senado, esta Casa seria obrigada a instaurar o processo e, a partir deste momento, o Presidente teria que ser afastado de suas funções. Na prática, a decisão de afastar o Presidente seria da Câmara, porque o Senado não poderia discordar.
Com a decisão do STF, quando o exame chegar ao Senado, este terá liberdade para decidir se instaura ou não o processo. Se instaurar, o Presidente é afastado. Se não instaurar, a denúncia é rejeitada. Desse modo, o poder de afastar provisoriamente o Presidente fica sendo do Senado.

5) Alegação de suspeição do Presidente Eduardo Cunha
Segundo decidiu o STF, NÃO é possível, ao julgar uma ADPF, analisar a suposta parcialidade do Presidente da Câmara nem determinar o seu afastamento do comando do processo.
Embora o art. 38 da Lei nº 1.079/50 preveja a aplicação subsidiária do Código de Processo Penal no processo e julgamento do Presidente da República por crime de responsabilidade, o art. 36 da Lei já trata da matéria, conferindo tratamento especial, ainda que de maneira distinta do CPP. Veja o que diz:
Art. 36. Não pode interferir, em nenhuma fase do processo de responsabilidade do Presidente da República ou dos Ministros de Estado, o deputado ou senador;
a) que tiver parentesco consangüíneo ou afim, com o acusado, em linha reta; em linha colateral, os irmãos cunhados, enquanto durar o cunhado, e os primos co-irmãos;
b) que, como testemunha do processo tiver deposto de ciência própria.

Desse modo, a Lei nº 1.079/50 já prevê as hipóteses em que os Deputados estarão impedidos de participar do processo de impeachment. Assim, não há lacuna na lei que justifique a incidência subsidiária do CPP.
Embora o processo de impeachment seja de natureza político-criminal, os parlamentares que dele participam não se submetem às rígidas regras de impedimento e suspeição a que estão sujeitos os órgãos do Poder Judiciário. Estão eles submetidos a regras jurídicas próprias, fixadas em lei especial, qual seja, a Lei nº 1.079/50.

STF. Plenário. ADPF 378/DF, Redator para acórdão Min. Roberto Barroso, julgado em 16 e 17/12/2015.


RITO QUE SERÁ ADOTADO
A partir do que o STF decidiu acima, podemos identificar as seguintes etapas principais do rito do processo de impeachment.

CÂMARA DOS DEPUTADOS (FASE DE JUÍZO DE ADMISSIBILDADE)
• O Presidente da Câmara admite ou não o prosseguimento da denúncia.
• Não há direito à defesa prévia antes do recebimento da denúncia pelo Presidente da Câmara, ou seja, não é necessário ouvir antes o Presidente da República que estiver sendo denunciado.
• Do despacho do Presidente que indeferir o recebimento da denúncia, caberá recurso ao Plenário (art. 218, § 3º, do RICD).
• Caso seja admitido o prosseguimento da denúncia, deverá ser constituída comissão especial formada por Deputados Federais para análise do pedido e elaboração de parecer.
• A eleição dos membros da comissão deverá ser aberta e não pode haver candidatura alternativa (avulsa). A comissão é escolhida a partir de uma chapa única com nomes indicados pelos líderes partidários. A votação aberta será apenas para que o Plenário da Casa aprove ou não a chapa única que foi apresentada.
• O Presidente denunciado deverá ter direito à defesa no rito da Câmara dos Deputados. Assim, depois que houver o recebimento da denúncia, o Presidente da República será notificado para manifestar-se, querendo, no prazo de dez sessões.
• Vale ressaltar, no entanto, que não deve haver grande dilação probatória na Câmara dos Deputados (o rito é abreviado). A comissão até pode pedir a realização de diligências, mas estas devem ser unicamente para esclarecer alguns pontos da denúncia, não podendo ser feitas para provar a procedência ou improcedência da acusação. Isso porque o papel da Câmara não é reunir provas sobre o mérito da acusação, mas apenas o de autorizar ou não o prosseguimento. Quem irá realizar ampla dilação probatória é o Senado.
• O Plenário da Câmara deverá decidir se autoriza a abertura do processo de impeachment por 2/3 dos votos.
• O processo é, então, remetido ao Senado.

SENADO FEDERAL
• Chegando o processo no Senado, deverá ser instaurada uma comissão especial de Senadores para analisar o pedido de impeachment e preparar um parecer (arts. 44 a 46 da Lei nº 1.079/50, aplicados por analogia).
• Esse parecer será votado pelo Plenário do Senado, que irá decidir se deve receber ou não a denúncia que foi autorizada pela Câmara.
• Assim, o Senado, independentemente da decisão da Câmara, não é obrigado a instaurar o processo de impeachment, ou seja, pode rejeitar a denúncia.
• Se rejeitar a denúncia, haverá o arquivamento do processo.
• Se receber, iniciará a fase de processamento, com a produção de provas e, ao final, o Senado votará pela absolvição ou condenação do Presidente.
• A decisão do Senado que decide se instaura ou não o processo se dá pelo voto da maioria simples, presente a maioria absoluta de seus membros. Aplica-se aqui, por analogia, o art. 47 da Lei nº 1.079/50. Assim, devem estar presentes no mínimo 42 Senadores no dia da sessão (maioria absoluta de 81) e, destes, bastaria o voto de 22 Senadores.
• Se o Senado aceitar a denúncia, inicia-se a instrução probatória e o Presidente da República deverá ser afastado do cargo temporariamente (art. 86, § 1º, II, da CF/88). Se, após 180 dias do afastamento do Presidente, o julgamento ainda não tiver sido concluído, cessará o seu afastamento e ele reassumirá, sem prejuízo do regular prosseguimento do processo.
• A defesa tem direito de se manifestar após a acusação: no curso do procedimento de impeachment, o Presidente terá a prerrogativa de se manifestar, de um modo geral, após a acusação.
• O interrogatório deve ser o ato final da instrução probatória: o interrogatório do Presidente, instrumento de autodefesa que materializa as garantias do contraditório e da ampla defesa, deve ser o último ato de instrução do processo de impeachment.
• Ao final do processo, os Senadores deverão votar se o Presidente deve ser condenado ou absolvido. Para que seja condenado, é necessário o voto de 2/3 dos Senadores.
• Se for condenada, a Presidente receberá duas sanções: a) perda do cargo; b) inabilitação para o exercício de funções públicas por 8 anos. Além disso, poderá ser eventualmente denunciado criminalmente pelo Ministério Público.
• Caso seja condenado, quem assume é o Vice-Presidente, que irá completar o mandato (não é necessária a convocação de novas eleições).

Márcio André Lopes Cavalcante
Professor



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