segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

A relação jurídica entre o participante de plano de benefício e a entidade de previdência complementar fechada é regida pelo CDC?



SITUAÇÃO 1: ENTIDADE DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR ABERTA
Imagine a seguinte situação hipotética:
João é dentista autônomo e decidiu que não queria ficar dependendo apenas da aposentadoria do INSS.
Diante disso, ele procurou a empresa "Porto Seguro Vida e Previdência S/A." (entidade aberta de previdência complementar) e com ela celebrou contrato de previdência privada.
Anos mais tarde, no momento de obter o benefício da aposentadoria, João discordou da interpretação feita pela entidade a determinada cláusula contratual. No entendimento de João, a redação do contrato não estava muito clara e, por isso, a cláusula deveria ser interpretada de forma mais favorável a ele (consumidor), nos termos do art. 47 do CDC.

A relação jurídica entre João (participante do plano de benefício) e a entidade de previdência complementar é uma relação de consumo?
SIM. Súmula 321-STJ: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável à relação jurídica entre a entidade de previdência privada e seus participantes.


SITUAÇÃO 2: ENTIDADE DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR FECHADA
Imagine agora outra situação ligeiramente diferente:
A Fundação Vale do Rio Doce de Seguridade Social (Valia) é uma entidade fechada de previdência complementar privada (EFPC) criada com o objetivo de administrar o plano de previdência complementar dos empregados da mineradora Vale.
Pedro, funcionário aposentado da Vale, ajuizou ação contra a Valia afirmando que a entidade não cumpriu uma das cláusulas do regulamento do plano de previdência.
Segundo argumentou Pedro, a entidade descumpriu o regulamento e, por não haver nenhuma regra específica sobre o tema na LC 109/2001 (lei especial que trata sobre o Regime de Previdência Complementar), a questão deveria ser resolvida mediante a aplicação do Código de Defesa do Consumidor.

A relação jurídica entre Pedro (participante do plano de benefício) e a Valia (entidade de previdência complementar fechada) é uma relação de consumo? Pode ser aplicado o CDC no caso?
NÃO. O Código de Defesa do Consumidor não é aplicável à relação jurídica entre participantes ou assistidos de plano de benefício e entidade de previdência complementar fechada, mesmo em situações que não sejam regulamentadas pela legislação especial.
STJ. 2ª Seção. REsp 1.536.786-MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 26/8/2015 (Info 571).

As entidades fechadas de previdência privada não comercializam os seus benefícios ao público em geral ou os distribuem no mercado de consumo, não podendo, por isso mesmo, ser enquadradas no conceito legal de fornecedor.
Além disso, não há remuneração pela contraprestação dos serviços prestados e, consequentemente, a finalidade não é lucrativa, já que o patrimônio da entidade e respectivos rendimentos, auferidos pela capitalização de investimentos, revertem-se integralmente na concessão e manutenção do pagamento de benefícios aos seus participantes e assistidos.
Assim, o que predomina nas relações entre a EFPC e seus participantes é o associativismo ou o mutualismo com fins previdenciários, ou seja, uma gestão participativa com objetivos sociais comuns de um grupo específico, que se traduzem na rentabilidade dos recursos vertidos pelos patrocinadores (empregadores) e participantes (empregados) ao fundo, visando à garantia do pagamento futuro de benefício de prestação programada e continuada.
Logo, a relação jurídica existente entre os fundos de pensão e seus participantes é de caráter estatutário, sendo regida por leis específicas (LC 108 e 109/2001), bem como pelos planos de custeio e de benefícios, de modo que, apenas em caráter subsidiário, aplicam-se a legislação  previdenciária e a civil, não podendo incidir normas peculiares de outros microssistemas legais, tais como o CDC e a CLT.
STJ. 3ª Turma. REsp 1421951/SE, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 25/11/2014.

Mas e a Súmula 321?
A súmula 321 do STJ só vale para entidades ABERTAS de previdência privada.
Para entidades fechadas não se aplica o CDC.

Entidades abertas X entidades fechadas
Para o STJ, existem distinções marcantes entre as entidades de previdência privada abertas e fechadas. Tais diferenças fazem com que o CDC seja aplicado nas relações jurídicas envolvendo entidades abertas, mas não nas fechadas. Vejamos:

ABERTAS (EAPC)
FECHADAS (EFPC)
As entidades abertas são empresas privadas constituídas sob a forma de sociedade anônima, que oferecem planos de previdência privada que podem ser contratados por qualquer pessoa física ou jurídica. Normalmente, fazem parte do mesmo grupo econômico de um banco ou seguradora.
Exs: Bradesco Vida e Previdência S.A., Itaú Vida e Previdência S.A., Mapfre Previdência S.A., Porto Seguro Vida e Previdência S/A., Sul América Seguros de Pessoas e Previdência S.A.
As entidades fechadas são pessoas jurídicas, organizadas sob a forma de fundação ou sociedade civil, mantidas por grandes empresas ou grupos de empresa, para oferecer planos de previdência privada aos seus funcionários.
Essas entidades são conhecidas como “fundos de pensão”.
O planos não podem ser comercializados para quem não é funcionário daquela empresa.
Ex: Previbosch (dos funcionários da empresa Bosch).
Possuem finalidade de lucro.
Não possuem fins lucrativos.
São geridas (administradas) pelos diretores e administradores da sociedade anônima.
A gestão é compartilhada entre os representantes dos participantes e assistidos e os representantes dos patrocinadores.
Nas relações entre o usuário e a entidade aplica-se o Código de Defesa do Consumidor, desde que o tema não seja regido por legislação específica (ex: se for um tema tratado pela LC 109/2001, esta lei é que deverá ser aplicada).
Aqui vale a Súmula 321-STJ: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável à relação jurídica entre a entidade de previdência privada e seus participantes.
O Código de Defesa do Consumidor não é aplicável à relação jurídica entre participantes ou assistidos de plano de benefício e entidade de previdência complementar fechada, mesmo em situações que não sejam regulamentadas pela legislação especial.
Não se aplica a Súmula 321 do STJ, que fica restrita aos casos que envolvam entidades abertas de previdência.




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