sábado, 21 de fevereiro de 2015

Destruição de título de eleitor sem finalidade eleitoral não é crime eleitoral



Imagine a seguinte situação adaptada:
Carla, enteada de João, ameaçou sair de casa após discutir com a mãe.
O padrasto da jovem, imaginando erroneamente que ela não poderia viajar sem título de eleitor, queimou o documento.
O Promotor de Justiça denunciou João pela prática do crime previsto no art. 339 do Código Eleitoral:
Art. 339. Destruir, suprimir ou ocultar urna contendo votos, ou documentos relativos à eleição:
Pena - reclusão de dois a seis anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa.

A tipificação feita pelo Promotor foi correta?
NÃO.

Para que haja crime eleitoral, além de a conduta estar prevista no Código Eleitoral, é necessário que a conduta do agente tenha por objetivo violar o bem jurídico que a norma tutela, ou seja, é preciso que o crime tenha sido praticado com objetivo de atingir valores como a liberdade do exercício do voto, a regularidade do processo eleitoral e a preservação do modelo democrático.

A destruição de título eleitoral da vítima, despida de qualquer vinculação com pleitos eleitorais e com o intuito, tão somente, de impedir a identificação pessoal, não atrai a competência da Justiça Eleitoral.

O objetivo do padrasto foi o de dificultar ou impedir a identificação das vítimas, sem nenhuma vinculação com o processo eleitoral. Logo, NÃO HOUVE CRIME ELEITORAL.

STJ. 3ª Seção. CC 127101/RS, julgado em 11/02/2015 (não divulgado em Informativo).

Qual foi, então, o crime praticado pelo padrasto?
Supressão de documento, previsto no Código Penal:
Art. 305. Destruir, suprimir ou ocultar, em benefício próprio ou de outrem, ou em prejuízo alheio, documento público ou particular verdadeiro, de que não podia dispor:

De quem é a competência para julgar o delito?
JUSTIÇA FEDERAL COMUM (art. 109, IV, da CF/88). Isso porque o título de eleitor é um “documento federal”, isto é, um documento expedido pela Justiça Eleitoral, que é um órgão federal. Dessa feita, o crime foi praticado em detrimento de um serviço da União.

Resumindo:
A simples existência, no Código Eleitoral, de descrição formal de conduta típica não se traduz, incontinenti, em crime eleitoral, sendo necessário, também, que se configure o conteúdo material de tal crime.
Sob o aspecto material, deve a conduta atentar contra a liberdade de exercício dos direitos políticos, vulnerando a regularidade do processo eleitoral e a legitimidade da vontade popular. Ou seja, a par da existência do tipo penal eleitoral específico, faz-se necessária, para sua configuração, a existência de violação do bem jurídico que a norma visa tutelar, intrinsecamente ligado aos valores referentes à liberdade do exercício do voto, a regularidade do processo eleitoral e à preservação do modelo democrático.
A destruição de título eleitoral da vítima, despida de qualquer vinculação com pleitos eleitorais e com o intuito, tão somente, de impedir a identificação pessoal, não atrai a competência da Justiça Eleitoral.
(STJ. 3ª Seção. CC 127.101/RS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 11/02/2015)


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