terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Somente deverá ser nomeado curador especial se a ação de interdição for proposta pelo MP



Curatela
Em regra, se a pessoa for maior que 18 anos, ela é plenamente capaz e está habilitada à prática de todos os atos da vida civil (art. 5º do CC).
No entanto, existem determinadas pessoas que, mesmo sendo maiores, não possuem capacidade jurídica plena e não podem exercer alguns atos patrimoniais da vida civil sozinhos, necessitando da assistência ou representação de terceiros.
Para resguardar os direitos de tais pessoas, o Direito Civil previu uma proteção jurídica chamada de “curatela”.

Mas o que vem a ser a curatela?
A curatela é um encargo (múnus) imposto a um indivíduo (chamado de “curador”) por meio do qual ele assume o compromisso judicial de cuidar de uma pessoa (“curatelado”) que, apesar de ser maior de idade, possui uma incapacidade prevista no art. 1.767 do CC.
Por conta disso, o curatelado só poderá praticar certos atos patrimoniais se for assistido ou representado pelo curador.

Tutela x Curatela
TUTELA
CURATELA
Instrumento jurídico para proteger a criança ou adolescente que não goza da proteção do poder familiar em virtude da morte, ausência ou destituição de seus pais.
A tutela é uma espécie de colocação da criança ou adolescente em família substituta.
Instrumento jurídico votado para a proteção de uma pessoa maior de 18 anos que, apesar de adulto, possui uma incapacidade prevista no CC.

Obs.: Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald apontam situação excepcional em que seria possível a nomeação de curador a um menor de 18 anos. Tata-se da hipótese de um menor, relativamente incapaz (entre os dezesseis e os dezoito anos de idade), que sofre de alguma patologia psíquica. De ordinário, em sem tratando de relativamente incapaz, deveria estar assistido pelo tutor, praticando os atos conjuntamente com ele. Todavia, considerada o seu estado psíquico, não lhe será possível a prática de qualquer ato, mesmo assistido, impondo-se-lhe a interdição, para nomeação de um curador, que continuará lhe assistindo mesmo após os dezoito anos de idade. (Curso de Direito Civil. Famílias. Vol. 6., Salvador: Juspodivm, 2014, p. 902).
Apesar do registro dessa ponderação feita pela genial dupla de autores, vale ressaltar que o tema não é pacífico e há outros doutrinadores que defendem que, mesmo nesse caso, haveria tutela, por envolver menor de 18 anos, e não curatela.

Hipóteses em que ocorre a curatela
Segundo o art. 1.767 do CC, estão sujeitos a curatela as seguintes pessoas:
I - aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para os atos da vida civil;
II - aqueles que, por outra causa duradoura, não puderem exprimir a sua vontade;
III - os deficientes mentais, os ébrios habituais e os viciados em tóxicos;
IV - os excepcionais sem completo desenvolvimento mental;
V - os pródigos.

Como é instituída a curatela?
Para que a curatela seja instituída é necessária a instauração de um processo judicial, de jurisdição voluntária, regulado pelos arts. 1.177 a 1.186 do CPC.
Esse processo é iniciado por meio de uma ação de interdição.

Legitimados
A ação de interdição deve ser promovida:
I - pelos pais ou tutores;
II - pelo cônjuge, ou por qualquer parente;
III - pelo Ministério Público.

Situações em que o MP poderá ajuizar a ação de interdição
O Ministério Público só promoverá interdição:
I - em caso de doença mental grave (independentemente dos demais legitimados); ou
II - em qualquer outro caso de incapacidade, se não existirem outros legitimados (pais, tutores, cônjuge ou parente) ou, existindo, eles ficarem inertes ou se não puderem propor a ação (por serem incapazes).

Dessa forma, o MP só propõe a ação de interdição em caso de doença mental grave ou se nenhum dos outros legitimados propuser.

Petição inicial
Na petição inicial da ação de interdição, o interessado (requerente) provará a sua legitimidade, especificará os fatos que revelam a anomalia psíquica e assinalará a incapacidade do interditando para reger a sua pessoa e administrar os seus bens.

Citação
O interditando será citado para, em dia designado, comparecer perante o juiz, que o examinará, interrogando-o minuciosamente acerca de sua vida, negócios, bens e do mais que lhe parecer necessário para ajuizar do seu estado mental.

Impugnação ao pedido (defesa do suposto incapaz)
O interditando tem o direito de provar que pode gerir a sua própria vida, administrar seus bens e exercer sua profissão.
Justamente por isso, o CPC prevê que o interditando poderá impugnar o pedido de interdição, apresentando uma espécie de defesa (art. 1.182).
Essa impugnação deverá ser protocolizada dentro do prazo de 5 dias contados da audiência de interrogatório.

Defensor do suposto incapaz
Como o interditando, em tese, sofre de uma enfermidade, a legislação prevê que, se a ação de interdição for proposta pelo MP, o juiz deverá nomear um defensor (curador especial) ao interditando, que irá fazer a sua defesa em juízo. Isso está previsto previsto no art. 1.770 do CC e no art. 1.179 do CPC:
Art. 1.770. Nos casos em que a interdição for promovida pelo Ministério Público, o juiz nomeará defensor ao suposto incapaz; nos demais casos o Ministério Público será o defensor.

Art. 1.179. Quando a interdição for requerida pelo órgão do Ministério Público, o juiz nomeará ao interditando curador à lide (art. 9º).

Quais são os poderes do curador especial? O que ele faz no processo?
O curador especial exerce um múnus público.
Sua função é a de defender o réu em juízo naquele processo.
Possui os mesmos poderes processuais que uma “parte”, podendo oferecer as diversas defesas (contestação, exceção, impugnação etc.), produzir provas e interpor recursos.
Obviamente, o curador especial não pode dispor do direito do réu (não pode, por exemplo, reconhecer a procedência do pedido), sendo nulo qualquer ato nesse sentido.

Função institucional da Defensoria Pública
Segundo o art. 4º, XVI, da LC 80/94, uma das funções institucionais da Defensoria Pública é a de exercer a curadoria especial nos casos previstos em lei.

Marinoni e Mitidiero defendem que, se existir Defensoria Pública na comarca ou subseção judiciária, o curador especial deverá ser obrigatoriamente o Defensor Público. Se não houver, o juízo terá liberdade para nomear o curador especial (Código de Processo Civil comentado artigo por artigo. São Paulo: RT, 2008, p. 105).

Importante: a atuação da Defensoria Pública como curadora especial não exige que o réu seja hipossuficiente economicamente. Nesses casos do art. 9º, entende-se que o réu ostenta hipossuficiência jurídica, sendo, portanto, necessária a atuação da Defensoria Pública.

Se a ação de interdição for proposta por outro legitimidade que não seja o MP, será necessária a nomeação de curador especial?
NÃO. Nas ações de interdição não ajuizadas pelo MP, a função de defensor do interditando deverá ser exercida pelo próprio órgão ministerial, não sendo necessária, portanto, nomeação de curador à lide.
A designação de curador especial tem por pressuposto a presença do conflito de interesses entre o incapaz e o responsável pela defesa de seus interesses no processo judicial.
Assim, na hipótese de encontrar-se o MP e o suposto incapaz em polos opostos da ação, há intrínseco conflito de interesses a exigir a nomeação ao interditando de curador à lide, nos termos do art. 1.179 do CPC, que se reporta ao art. 9º do mesmo Código. Todavia, proposta a ação pelos demais legitimados, caberá ao MP a defesa dos interesses do interditando, fiscalizando a regularidade do processo, requerendo provas e outras diligências que entender pertinentes ao esclarecimento da incapacidade e, ao final, impugnar ou não o pedido de interdição, motivo pelo qual não se faz cabível a nomeação de curador especial para defender, exatamente, os mesmos interesses pelos quais zela o MP.
A atuação do MP como defensor do interditando, nos casos em que não é o autor da ação, decorre da lei (art. 1.182, § 1º, do CPC e art. 1.770 do CC) e se dá em defesa de direitos individuais indisponíveis, função compatível com as suas funções institucionais (art. 127 da CF).
STJ. 4ª Turma. REsp 1.099.458-PR, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 2/12/2014 (Info 553).

Resumindo:
• Ação de interdição proposta pelo MP: o juiz deverá nomear curador à lide (curador especial);
• Ação de interdição proposta por outro legitimado: não é necessária a nomeação de curador à lide porque o próprio MP já irá fazer a defesa dos interesses do interditando.



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