sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

Lei nº 13.793/2019: advogados podem visualizar e imprimir processos eletrônicos mesmo sem estarem funcionando nos autos



Olá amigos do Dizer o Direito,

Foi publicada hoje a Lei nº 13.793/2019, que permite que os advogados possam visualizar e imprimir processos eletrônicos mesmo sem estarem funcionando nos autos.

Vamos entender.

Direito de acesso aos autos dos PROCESSOS sem procuração
O Estatuto da OAB (Lei nº 8.906/94) prevê, em seu art. 7º, XIII, que:
Em regra, é direito do advogado examinar...
- em qualquer órgão do Poder Judiciário
- em qualquer órgão do Poder Legislativo
- ou em qualquer órgão ou entidade da Administração Pública
- os autos de processos judiciais (cíveis/criminais) e
- os autos de processos administrativos
- que ainda estejam em andamento
- ou que já tenham sido encerrados
- mesmo sem procuração.

Exceção: se o processo estiver sujeito a sigilo ou segredo de justiça, o advogado somente poderá ter acesso aos autos se possuir procuração.

Autos de flagrante e investigações
Esse direito do advogado de acesso aos autos vale também para o flagrante, o inquérito e outras investigações de qualquer natureza?
SIM, conforme assegura o art. 7º, XIV, da Lei nº 8.906/94:
Art. 7º São direitos do advogado:
(...)
XIV - examinar, em qualquer instituição responsável por conduzir investigação, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de investigações de qualquer natureza, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos, em meio físico ou digital; (Redação dada pela Lei nº 13.245/2016)

No caso deste inciso XIV, a situação da procuração é a mesma:
• Em regra: o advogado pode ter acesso aos autos dos processos e procedimentos mesmo que não tenha procuração das partes envolvidas.
• Exceção: será necessário que o advogado apresente procuração caso os autos estejam sujeitos a sigilo (art. 7º, § 10, do Estatuto da OAB).

Documentos relacionados a diligências de investigação em andamento
Algumas vezes, pode acontecer de estarem sendo realizados determinados tipos de diligências que, se forem reveladas ao investigado, se tornarão completamente inúteis.
Ex: o telefone do investigado, com autorização judicial, está interceptado.
Ex2: o Delegado está organizando uma busca e apreensão na casa do indiciado.

Se tais informações forem transmitidas ao advogado, a eficácia das diligências estará frustrada, considerando que o investigado, em tese, não irá falar nada ao telefone que possa incriminá-lo e retirará de sua casa qualquer documento que lhe seja prejudicial. Pensando nisso, o legislador autoriza que, nestas hipóteses, a autoridade responsável pela investigação não junte aos autos os documentos relacionados com as diligências ainda em andamento. É o que dispõe o § 11 do art. 7º do Estatuto da OAB, acrescentado pela Lei nº 13.245/2016:
§ 11. No caso previsto no inciso XIV, a autoridade competente poderá delimitar o acesso do advogado aos elementos de prova relacionados a diligências em andamento e ainda não documentados nos autos, quando houver risco de comprometimento da eficiência, da eficácia ou da finalidade das diligências.

Esse direito do advogado de ter acesso aos autos existe também nos processos eletrônicos?
SIM. Mesmo antes da Lei nº 13.793/2019, eu penso que isso já era permitido, considerando que não havia motivo razoável para uma diferenciação, ou seja, para se permitir o acesso do advogado sem procuração aos autos de processo físico e vedar no caso de processo eletrônico. A forma dos autos é indiferente.
Esse aliás, já era o entendimento da maioria dos Tribunais de Justiça que, em seus sistemas informatizados, permitia que o usuário, na internet, após se cadastrar como advogado, tivesse acesso a quaisquer processos não sigilosos, mesmo sem procuração.
O legislador, contudo, optou por deixar isso expresso. Assim, a Lei nº 13.793/2019 incluiu o § 13 ao art. 7º do Estatuto da OAB prevendo o seguinte:
Art. 7º (...)
§ 13. O disposto nos incisos XIII e XIV do caput deste artigo aplica-se integralmente a processos e a procedimentos eletrônicos, ressalvado o disposto nos §§ 10 e 11 deste artigo.

O § 10 exige procuração caso os autos estejam sujeitos a sigilo e o § 11 prevê a possibilidade de se proibir o acesso do advogado às diligências em curso.

Além disso, a Lei nº 13.793/2019 alterou também o dispositivo mais “polêmico” e que era utilizado por aqueles que sustentavam não ser possível ao advogado, sem procuração, ter acesso a processos eletrônicos. Refiro-me ao § 6º do art. 11 da Lei nº 11.419/2006 (Lei do Processo Eletrônico) que, de fato, era muito mal redigido. Compare a redação anterior com a atual:

Lei nº 11.419/2006 (Lei do Processo Eletrônico)
Redação anterior
Redação atual (dada pela Lei 13.793/2019)
Art. 11 (...)
§ 6º Os documentos digitalizados juntados em processo eletrônico somente estarão disponíveis para acesso por meio da rede externa para suas respectivas partes processuais e para o Ministério Público, respeitado o disposto em lei para as situações de sigilo e de segredo de justiça.
Art. 11 (...)
§ 6º Os documentos digitalizados juntados em processo eletrônico estarão disponíveis para acesso por meio da rede externa pelas respectivas partes processuais, pelos advogados, independentemente de procuração nos autos, pelos membros do Ministério Público e pelos magistrados, sem prejuízo da possibilidade de visualização nas secretarias dos órgãos julgadores, à exceção daqueles que tramitarem em segredo de justiça.

Cadastro e demonstração de interesse
Antes de o advogado, procurador ou membro do MP ter acesso ao processo eletrônico, o sistema deverá exigir que ele faça um cadastro para que se prove a condição profissional e como uma forma de controle do acesso aos dados.
Vale ressaltar que esse cadastro não está sujeito à aprovação discricionária. Ao fazer o cadastro, o profissional comprova a sua condição de advogado, procurador ou membro do MP e, automaticamente, já terá acesso ao processo eletrônico, salvo se estiver em segredo de justiça.
É isso que se interpreta do § 7º do art. 11, inserido pela Lei nº 13.793/2019:
Art. 11 (...)
§ 7º Os sistemas de informações pertinentes a processos eletrônicos devem possibilitar que advogados, procuradores e membros do Ministério Público cadastrados, mas não vinculados a processo previamente identificado, acessem automaticamente todos os atos e documentos processuais armazenados em meio eletrônico, desde que demonstrado interesse para fins apenas de registro, salvo nos casos de processos em segredo de justiça.

O que significa a expressão “desde que demonstrado interesse para fins apenas de registro”?
A redação não foi muito feliz. Penso, no entanto, que o objetivo deste trecho foi dizer que os sistemas que gerenciam os processos eletrônicos (exs: PROJUDI, EPROC, SAJ etc.) devem permitir que advogados, procuradores e membros do MP cadastrados acessem automaticamente os autos eletrônicos, mesmo que não estejam vinculados àquele processo, desde que o profissional demonstre interesse em acessá-lo (clicando no número do processo, p. ex.), ocasião em que esse acesso ficará salvo no histórico do sistema para fins de registro, como uma forma de segurança e controle.

Mudança no CPC
O CPC/2015 possui um artigo no qual trata sobre alguns direitos dos advogados (art. 107).
No inciso I deste artigo, é previsto justamente o acesso aos autos de quaisquer processos, mesmo sem procuração, repetindo, com outras palavras, aquilo que já era assegurado pelo art. 7º, XIII, do Estatuto da OAB.
Veja o inciso I do art. 107 do CPC:
Art. 107.  O advogado tem direito a:
I - examinar, em cartório de fórum e secretaria de tribunal, mesmo sem procuração, autos de qualquer processo, independentemente da fase de tramitação, assegurados a obtenção de cópias e o registro de anotações, salvo na hipótese de segredo de justiça, nas quais apenas o advogado constituído terá acesso aos autos;

A Lei nº 13.793/2019, a fim de manter a coerência no sistema e sendo extremamente cautelosa, também inseriu o § 5º a esse artigo dizendo, expressamente, que “qualquer processo” inclui “processos eletrônicos”. Confira o parágrafo incluído:
Art. 107 (...)
§ 5º O disposto no inciso I do caput deste artigo aplica-se integralmente a processos eletrônicos. (Incluído pela Lei nº 13.793/2019)

Defensores Públicos
A Lei nº 13.793/2019 falhou ao não incluir expressamente os Defensores Públicos no § 6º do art. 11 da Lei nº 11.419/2006.
Contudo, os Defensores Públicos, apesar de não serem advogados, possuem as mesmas prerrogativas funcionais que os advogados, considerando que os membros da Defensoria Pública precisam dos instrumentos necessários para oferecer aos necessitados assistência jurídica integral e gratuita (inclusive quanto à orientação jurídica), nos termos do art. 134 da CF/88.
Assim, mostra-se inconstitucional qualquer ato normativo ou medida concreta que confira ao Defensor Público menos prerrogativas funcionais que aos advogados, considerando que isso viola o dever estatal imposto pela Constituição Federal de fornecer assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados. Ora, a assistência jurídica não será integral se o necessitado estiver sendo assistido por um Defensor Público que não goza das mesmas garantias que um advogado particular.
Vale ressaltar, como reforço, que o inciso XIV do art. 7º da LC 80/94 prevê expressamente o direito dos Defensores Públicos de examinar autos de flagrantes, inquéritos e processos não sendo necessário, em regra, procuração para isso:
Art. 44. São prerrogativas dos membros da Defensoria Pública da União:
(...)
VIII – examinar, em qualquer repartição pública, autos de flagrantes, inquéritos e processos, assegurada a obtenção de cópias e podendo tomar apontamentos;
(...)
XI - representar a parte, em feito administrativo ou judicial, independentemente de mandato, ressalvados os casos para os quais a lei exija poderes especiais;

Vigência
A Lei nº 13.793/2019 entrou em vigor na data de sua publicação (04/01/2019).

Márcio André Lopes Cavalcante
Juiz Federal. Foi Defensor Público, Promotor de Justiça e Procurador do Estado




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