segunda-feira, 6 de maio de 2019

Lei 13.822/2019: os agentes públicos que prestam serviços para os consórcios públicos são regidos pela CLT



Olá, amigos do Dizer o Direito,

Foi publicada hoje a Lei nº 13.822/2019, que altera o § 2º do art. 6º da Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005, para estabelecer que, no consórcio público com personalidade jurídica de direito público, o pessoal será regido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Vamos entender o que mudou, mas antes é necessário fazer uma breve revisão a respeito dos consórcios públicos

NOÇÕES GERAIS SOBRE OS CONSÓRCIOS PÚBLICOS
O que é um “consórcio público”?
O consórcio público é como se fosse uma “parceria” firmada por dois ou mais entes da federação para que estes, juntos, tenham mais força para realizar objetivos de interesse comum.
Segundo a definição dada pelo Decreto nº 6.017/2007, consórcio público é a “pessoa jurídica formada exclusivamente por entes da Federação, na forma da Lei nº 11.107, de 2005, para estabelecer relações de cooperação federativa, inclusive a realização de objetivos de interesse comum, constituída como associação pública, com personalidade jurídica de direito público e natureza autárquica, ou como pessoa jurídica de direito privado sem fins econômicos” (art. 2º, I).
Ex: três municípios decidem fazer um consórcio público entre si para construção de um hospital que atenda à população das três localidades.

Previsão constitucional
A própria CF/88 estimulou que a União, os Estados, o DF e os Municípios formassem consórcios públicos para a realização de objetivos comuns.
Para tanto, a CF/88 determinou que fosse editada uma lei regulamentando como esses consórcios deverão funcionar.
Veja a previsão constitucional:
Art. 241. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19/98)

Lei nº 11.107/2005
Para atender à determinação constitucional, foi editada a Lei nº 11.107/2005, que dispõe sobre normas gerais de contratação de consórcios públicos.
O art. 1º da Lei permite que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios contratem entre si consórcios públicos para a realização de objetivos de interesse comum.
Os objetivos dos consórcios públicos serão determinados pelos entes da Federação que se consorciarem, observados os limites constitucionais (ex: não é possível que dois Estados-membros façam um consórcio entre si para explorar um porto marítimo considerando que se trata de competência da União, nos termos do art. 21, XII, “f”, da CF/88).
A organização e funcionamento dos consórcios públicos serão disciplinados pela Lei nº 11.107/2005 e pela legislação que rege as associações civis (no que não contrariar a Lei nº 11.107/2005).

Personalidade jurídica própria
O consórcio público, depois de constituído, adquire personalidade jurídica, que pode ser:
• de direito público (chamada, neste caso, de associação pública, que é, na verdade, uma espécie de autarquia);
• de direito privado sem fins econômicos.

Art. 6º O consórcio público adquirirá personalidade jurídica:
I – de direito público, no caso de constituir associação pública, mediante a vigência das leis de ratificação do protocolo de intenções;
II – de direito privado, mediante o atendimento dos requisitos da legislação civil.

Desse modo, a Lei confere duas opções aos entes consorciados que irão formar o consórcio:
a) Consórcio público com personalidade jurídica de direito público.
É uma entidade da Administração Pública:
Art. 6º (...)
§ 1º O consórcio público com personalidade jurídica de direito público integra a administração indireta de todos os entes da Federação consorciados.

b) Consórcio público com personalidade jurídica de direito privado.

Os consórcios públicos estão obrigados a cumprir as exigências da administração pública relacionadas com licitação, contratos e prestação de contas?
SIM.
• O consórcio público com personalidade jurídica de direito público integra a administração pública e, portanto, está submetida a todas as regras aplicáveis às demais entidades.
• O consórcio público com personalidade jurídica de direito privado, apesar de não integrar a administração pública, também está submetida às regras de licitação segundo previsão expressa do § 2º do art. 6º da Lei nº 11.107/2005.
Desse modo, a formação de um consórcio público com personalidade jurídica de direito privado não serve para flexibilizar as regras administrativas. Os consórcios públicos, ainda que revestidos de personalidade jurídica de direito privado, observarão as normas de direito público no que concerne à realização de licitação, celebração de contratos, admissão de pessoal e à prestação de contas.

Regime de pessoal dos consórcios
Os consórcios precisam de funcionários para realizarem suas atividades.
No caso do consórcio público com personalidade jurídica de direito privado, sempre se entendeu que os funcionários contratados seriam regidos pela CLT.
No entanto, no caso do consórcio público com personalidade jurídica de direito público, havia dúvidas sobre qual o regime jurídico que deveria ser aplicado. Os agentes públicos que prestam serviços aos consórcios públicos com personalidade jurídica de direito público podem ser estatutários ou também deveriam ser celetistas?
A Lei nº 13.822/2019 pacificou o tema, alterando a redação do § 2º do art. 6º da Lei nº 11.107/2005 para deixar claro que os agentes públicos que prestam serviços aos consórcios públicos de direito público também serão empregados públicos regidos pela CLT. Confira:

Regime de pessoal dos consórcios (§ 2º do art. 6º da Lei 11.107/2005)
Antes da Lei 13.822/2019
Depois da Lei 13.822/2019 (atualmente)
Art. 6º (...)
§ 2º No caso de se revestir de personalidade jurídica de direito privado, o consórcio público observará as normas de direito público no que concerne à realização de licitação, celebração de contratos, prestação de contas e admissão de pessoal, que será regido pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT.
Art. 6º (...)
§ 2º O consórcio público, com personalidade jurídica de direito público ou privado, observará as normas de direito público no que concerne à realização de licitação, à celebração de contratos, à prestação de contas e à admissão de pessoal, que será regido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943.

Desse modo, não há mais dúvidas: os agentes públicos que prestam serviços aos consórcios públicos com personalidade jurídica de direito público são, obrigatoriamente, regidos pela CLT.

Uma última pergunta: antes desta alteração promovida pela Lei nº 13.822/2019, os consórcios públicos com personalidade jurídica de direito público já eram obrigados a observar as normas de direito público no que concerne à realização de licitação, à celebração de contratos e à prestação de contas?
SIM. Já eram. Isso porque, conforme já explicado acima, os consórcios públicos com personalidade jurídica de direito público integram a administração pública, nos termos do § 1º do art. 6º (são autarquias).
Por essa razão, o legislador entendeu que era dispensável mencioná-los no § 2º do art. 6º (em sua redação original). Desse modo, a necessidade da Lei nº 13.822/2019 de inserir os consórcios públicos com personalidade jurídica de direito público no § 2º do art. 6º foi apenas por conta do regime de pessoal, ou seja, apenas para esclarecer que seus funcionários também são celetistas (empregados públicos), não podendo ser estatutários.


Márcio André Lopes Cavalcante
Professor. Juiz Federal




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