terça-feira, 23 de março de 2021

Lei 14.126/2021: classifica a visão monocular como deficiência sensorial, do tipo visual

Olá, amigos do Dizer o Direito,

Foi publicada hoje (23/03/2021) a Lei nº 14.126/2021, que classifica a visão monocular como deficiência sensorial, do tipo visual.

Vamos entender um pouco mais sobre o assunto.

 

Conceito jurídico de pessoa com deficiência

O conceito de pessoa com deficiência pode ser encontrado no art. 2º da Lei nº 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência):

Art. 2º Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

 

Convenção de Nova York

Em verdade, a Lei nº 13.146/2015 adotou o conceito de pessoa com deficiência previsto no art. 1º da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Convenção de Nova York), assinada em 30/03/2007, aprovada no Congresso Nacional pelo Decreto Legislativo 186/2008 e promulgada pelo Decreto n. 6.949/2009.

Vale ressaltar que a Convenção de Nova York possui status de emenda constitucional em nosso país, considerando que se trata de convenção internacional sobre direitos humanos que foi aprovada, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, conforme previsto no § 3º do art. 5º da CF/88.

Desse modo, a Lei nº 13.146/2015 utiliza um conceito de deficiência previsto em norma constitucional (bloco de constitucionalidade).

 

Visão monocular

Visão monocular é a cegueira de um dos olhos.

Segundo o critério técnico da Organização Mundial de Saúde (OMS), a visão monocular ocorre quando o indivíduo possui 20% ou menos de eficiência visual em um olho.

As dificuldades para uma pessoa com visão monocular vão além do fato de não enxergar com um dos olhos. A pessoa com visão monocular sofre uma “perda da noção de profundidade (visão em 3D) e uma piora na acuidade visual binocular, bem como diminuição significativa (em torno de 25%) do campo visual periférico. (...) A visão monocular provoca determinadas limitações nas atividades diárias da pessoa afetada. Isso ocorre, principalmente, pela dificuldade de localização espacial.” (https://www.hospitalholhos.com.br/noticia/visao-monocular-enxergar-bem-com-apenas-um-dos-olhos-e-considerado-deficiencia-visual/)

 

O indivíduo que possui visão monocular é considerado pessoa com deficiência?

Mesmo antes da Lei nº 14.126/2021, prevalecia, na doutrina e jurisprudência, que sim.

O exemplo típico é o caso dos concursos públicos.

O art. 37, VIII, da CF/88 determina que um percentual das vagas dos concursos públicos deve ser destinado aos candidatos com deficiência.

Segundo a jurisprudência do STJ e do STF, o indivíduo que apresenta visão monocular é considerado pessoa com deficiência para fins de concurso público. Nesse sentido:

Súmula 377-STJ: O portador de visão monocular tem direito de concorrer, em concurso público, às vagas reservadas aos deficientes.

 

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal assentou o entendimento de que o candidato com visão monocular é deficiente físico (sic).

STF. 1ª Turma. ARE 760015 AgR, Rel. Roberto Barroso, julgado em 24/06/2014.

 

Vale ressaltar que esse entendimento é diametralmente oposto no caso de pessoa com surdez unilateral:

Súmula 552-STJ: O portador de surdez unilateral não se qualifica como pessoa com deficiência para o fim de disputar as vagas reservadas em concursos públicos.

 

Essa distinção acima existe por causa do Decreto nº 3.298/99, que regulamentou a Lei nº 7.853/89, (lei da política nacional para a integração da pessoa com deficiência).

· Para que seja considerada deficiência auditiva, o Decreto nº 3.298/99 exige que a surdez seja bilateral (art. 4º, II).

· Por outro lado, ao definir deficiência visual (art. 4º, III), o Decreto não exige que a cegueira seja nos dois olhos.

 

Em outras palavras, o art. 4º do Decreto nº 3.298/99 proíbe que a pessoa com surdez unilateral seja considerada deficiente auditiva, mas permite que a pessoa com visão monocular seja enquadrada como deficiente visual. Dessa forma, a diferença de tratamento foi fixada pelo Decreto com base, supostamente, em critérios técnicos.

 

O que fez a Lei nº 14.126/2021?

Para que não houvesse mais qualquer questionamento, afirmou expressamente que a visão monocular é considerada deficiência:

Art. 1º Fica a visão monocular classificada como deficiência sensorial, do tipo visual, para todos os efeitos legais.

Parágrafo único. O previsto no § 2º do art. 2º da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), aplica-se à visão monocular, conforme o disposto no caput deste artigo.

 

Estatuto da Pessoa com Deficiência:

Art. 2º (...)

§ 2º O Poder Executivo criará instrumentos para avaliação da deficiência.

 

Duas principais implicações práticas da Lei nº 14.126/2021:

Vimos acima que, para fins de vaga em concurso público, o entendimento já era pacífico no sentido de que o indivíduo com visão monocular poderia ser enquadrado como pessoa com deficiência.

A Lei nº 14.126/2021 terá maior impacto sob dois aspectos jurídicos: aposentadoria e amparo assistencial.

Assim, a pessoa com visão monocular, desde que cumpridos os demais requisitos, terá direito:

1) à aposentadoria com base no art. 201, § 1º, I, da CF/88 e LC 142/2013;

2) ao amparo assistencial (BPC) de que trata o art. 20 da Lei nº 8.742/93.

 

Vigência

A Lei nº 14.126/2021 entrou em vigor na data de sua publicação (23/03/2021).

 

 Márcio André Lopes Cavalcante

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