quarta-feira, 9 de maio de 2012

Qual é o regime inicial de cumprimento de pena para os condenados por tráfico de drogas?



Meus amigos,

Um dos temas mais em voga no direito penal, atualmente, diz respeito ao regime inicial de cumprimento de pena para os condenados por tráfico de drogas.

No Informativo 663 do STF, aqueles que leram puderam constatar – perplexos – duas decisões antagônicas sobre o tema, uma da 1ª Turma e outra da 2ª Turma.

A 5ª e a 6ª Turmas do STJ (que julgam penal) também possuem divergência sobre o tema.

Enfim, é um terreno inseguro para aqueles que militam com Direito Penal e, principalmente, para os que se preparam para os concursos públicos.

Esta realidade somente reforça a necessidade, a nosso ver, de conferir ainda mais força aos mecanismos de uniformização da jurisprudência. Nesse sentido, seria muito salutar que o Plenário do STF pacificasse a questão e editasse uma súmula vinculante.

Enquanto não temos uma definição precisa, vamos revelar o cenário atual sobre o tema:

O que são crimes hediondos?
São crimes que o legislador considerou especialmente repulsivos e que, por essa razão, recebem tratamento penal e processual penal mais gravoso que os demais delitos.
A CF/88 menciona que os crimes hediondos são inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia, não definindo, contudo, quais são os delitos hediondos.
Art. 5º (...)
XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;

Quais são os crimes hediondos no Brasil?
O Brasil adotou o sistema legal de definição dos crimes hediondos. Isso significa que é a lei quem define, de forma exaustiva (taxativa, numerus clausus), quais são os crimes hediondos.
Esta lei é a n.° 8.072/90, conhecida como Lei dos crimes hediondos.

A Lei n.° 8.072/90 prevê, em seu art. 1º, o rol dos crimes hediondos:
São considerados hediondos os seguintes crimes (consumados ou tentados):
I - homicídio (art. 121 do CP), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2º, I, II, III, IV e V);
II - latrocínio (roubo seguido de morte) (art. 157, § 3º, in fine);
III - extorsão qualificada pela morte (art. 158, § 2º);
IV - extorsão mediante sequestro e na forma qualificada (art. 159, caput, e §§ 1º, 2º e 3º);
V - estupro (art. 213, caput e §§ 1º e 2º);
VI - estupro de vulnerável (art. 217-A, caput e §§ 1º, 2º, 3º e 4º);
VII - epidemia com resultado morte (art. 267, § 1º).
VIII - falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273, caput e § 1º, § 1º-A e § 1º-B).
IX - Genocídio (arts. 1º, 2º e 3º da Lei n.° 2.889/56).

O tráfico de drogas é crime hediondo?
NÃO. O tráfico de drogas, a tortura e o terrorismo não são crimes hediondos. Estes três delitos (TTT) são equiparados (assemelhados) pela CF/88 a crimes hediondos. Em outras palavras, não são crimes hediondos, mas devem receber o mesmo tratamento penal e processual penal mais rigoroso que é reservado aos delitos hediondos.

A Lei n.° 8.072/90, em sua redação original, determinava que os condenados por crimes hediondos ou equiparados (TTT) deveriam cumprir a pena em regime integralmente fechado:
Art. 2º Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de: (...)
§ 1º A pena por crime previsto neste artigo será cumprida integralmente em regime fechado.

Em 23/02/2006, o STF declarou inconstitucional este § 1º do art. 2º por duas razões principais, além de outros argumentos:
a) A norma violava o princípio constitucional da individualização da pena (art. 5º, XLVI, CF) já que obrigava o juiz a sempre condenar o réu ao regime integralmente fechado independentemente do caso concreto e das circunstâncias pessoais do réu;
b) A norma proibia a progressão de regime de cumprimento de pena, o que inviabiliza a ressocialização do preso.

PENA - REGIME DE CUMPRIMENTO - PROGRESSÃO - RAZÃO DE SER.
A progressão no regime de cumprimento da pena, nas espécies fechado, semi-aberto e aberto, tem como razão maior a ressocialização do preso que, mais dia ou menos dia, voltará ao convívio social.
PENA - CRIMES HEDIONDOS - REGIME DE CUMPRIMENTO - PROGRESSÃO - ÓBICE - ARTIGO 2º, § 1º, DA LEI Nº 8.072/90 - INCONSTITUCIONALIDADE - EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL.
Conflita com a garantia da individualização da pena - artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal - a imposição, mediante norma, do cumprimento da pena em regime integralmente fechado. Nova inteligência do princípio da individualização da pena, em evolução jurisprudencial, assentada a inconstitucionalidade do artigo 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90.
(HC 82959, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 23/02/2006)

Diante dessa decisão, o Congresso Nacional editou a Lei n.° 11.464/2007 modificando o § 1º do art. 2º da Lei n.° 8.072/90:
Redação original
Redação dada pela Lei 11.464/2007
§ 1º A pena por crime previsto neste artigo será cumprida integralmente em regime fechado.
§ 1º A pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado.

Para os crimes anteriores à Lei n.° 11.464/2007, como o antigo § 1º era inconstitucional, as regras são as seguintes:
  • É possível a progressão de regime cumprido 1/6 da pena (art. 112 da LEP) (Súm. 471-STJ);
  • Não existe regime inicial obrigatório. O regime inicial é fixado segundo as normas do art. 33, § 2º do CP.
Para os crimes posteriores à Lei n.° 11.464/2007 as regras legais são as seguintes:
  • A nova redação do § 1º passou a permitir a progressão de regime para crimes hediondos, conforme os requisitos previstos no § 2º do art. 2º (2/5 se primário e 3/5 se reincidente);
  • A nova redação do § 1º continuou a impor ao juiz que sempre fixe o regime inicial fechado aos condenados por crimes hediondos e equiparados.
Segundo entendeu o STF, essa nova redação dada pela Lei n.° 11.464/2007 somente é válida para os crimes praticados após a sua vigência (29.03.2007).
Assim, a Lei n.° 11.464/2007 é irretroativa considerando que, segundo o STF, trata-se de lei posterior mais grave. Isso porque depois da decisão do STF reconhecendo a inconstitucionalidade da vedação de progressão para crimes hediondos (prevista na redação original do § 1º), os condenados por crime hediondos e equiparados passaram a poder progredir com o requisito de 1/6, mais favorável que o critério da Lei n.º 11.464/07 (RHC 91300/DF, rel. Min. Ellen Gracie, 5.3.2009).

Recapitulando:
  • § 1º (em sua redação original): proibia a progressão para crimes hediondos.
  • STF (em 23/02/2006): decidiu que essa redação original do § 1º era inconstitucional (não se podia proibir a progressão).
  • Como o STF afirmou que o § 1º era inconstitucional: as pessoas condenadas por crimes hediondos ou equiparados passaram a progredir com os mesmos requisitos dos demais crimes não hediondos (1/6, de acordo com o art. 112 da LEP).
  • Lei n.° 11.464/2006: modificou o § 1º prevendo que a progressão para crimes hediondos e equiparados passaria a ser mais difícil que em relação aos demais crimes (2/5 para primários e 3/5 para reincidentes).
  • Logo, a Lei n.° 11.464/2006 foi mais gravosa para aqueles que cometeram crimes antes da sua vigência (e que podiam progredir com 1/6). Por tal razão, ela é irretroativa.

O novo § 1º do art. 2º da Lei n.° 8.072/90, com a redação dada pela Lei n.° 11.464/2007, é constitucional? Os vícios de inconstitucionalidade que existiam na redação original foram corrigidos ou permanecem? Esse dispositivo, em sua nova redação, não continua a violar o princípio constitucional da individualização da pena?
Tais questões ainda serão decididas pelo Plenário do STF no julgamento do HC 101284/MG, mas deve-se ressaltar que a 2ª Turma do STF entende que o § 1º do art. 2º, em sua nova redação, continua violando o princípio da individualização da pena.

No entanto, de forma esquematizada, o que temos, por enquanto, é o seguinte:
Qual é o regime inicial de cumprimento de pena do réu que for condenado pelo crime de tráfico de drogas praticado na vigência da Lei n.° 11.464/2007?
Lei n.° 8.072/90: prevê que o regime inicial deve ser, obrigatoriamente, o fechado.
Art. 2º (...)
§ 1º A pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado.

1ª Turma do STF: afirma que, enquanto não houver pronunciamento definitivo por parte do Pleno do STF sobre a constitucionalidade, ou não, deste art. 2º, § 1º, deve-se aplicar, obrigatoriamente, o regime inicial fechado, tal qual previsto na Lei.
A ausência de pronunciamento definitivo por parte do Pleno do Supremo Tribunal Federal sobre a constitucionalidade, ou não, do início de cumprimento da pena em regime fechado no crime de tráfico de drogas praticado na vigência da Lei 11.464/2007 não permite fixação de regime inicial diverso. (...)
HC 111510/SP, rel. Min. Dias Toffoli, 24.4.2012.

2ª Turma do STF e 5ª Turma do STJ: o art. 2º, § 1º da Lei n.° 8.072/90 pode ser afastado se o condenado preencher os requisitos do Código Penal para ser condenado a regime diverso do fechado. Assim o regime inicial nas condenações por tráfico de drogas não tem que ser obrigatoriamente o fechado, podendo ser o regime semiaberto ou aberto, desde que presentes os requisitos do art. 33, § 2º, alíneas b e c, do Código Penal.
No crime de tráfico de entorpecente, a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, bem assim a fixação de regime aberto são cabíveis. Essa a orientação da 2ª Turma ao conceder dois habeas corpus para determinar que seja examinada a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.
No HC 111844/SP, após a superação do óbice contido no Enunciado 691 da Súmula do STF, concedeu-se, em parte, de ofício, a ordem, ao fundamento de que, caso o paciente não preenchesse os requisitos necessários para a referida substituição, dever-se-ia analisar o seu ingresso em regime de cumprimento menos gravoso.
No HC 112195/SP, reputou-se que o condenado demonstrara atender as exigências do art. 33, § 2º, c, do CP e, portanto, teria direito ao regime aberto.
HC 111844/SP, rel. Min. Celso de Mello, 24.4.2012.
HC 112195/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, 24.4.2012.

1. Esta Corte, seguindo orientação do Supremo Tribunal Federal, entende possível nas condenações por tráfico de drogas, em tese, a fixação de regime menos gravoso, sempre tendo em conta as particularidades do caso concreto.
2. É imperioso ter em linha de consideração os ditames norteadores do art. 42 da Lei n.º 11.343/2006, no sentido de que o juiz "na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente".
3. Condenado o paciente à pena de 6 (seis) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, por tráfico de 320 g de crack e por posse ilegal de munição de uso restrito, o regime mais adequado à espécie é o fechado.
 (HC 226.704/ES, Rel. Min. Maria Thereza De Assis Moura, Sexta Turma, j. em 10/04/2012)


6ª Turma do STJ: a regra é o regime inicial fechado, mas pode ser fixado regime inicial mais brando (aberto ou semiaberto) em uma única hipótese: no caso de tráfico privilegiado (§ 4º do art. 33 da Lei de Drogas) e desde que a pena privativa de liberdade seja substituída por restritivas de direitos, a fim de adequar a reprimenda ao benefício concedido justamente para evitar o encarceramento.
(...)
7. O regime inicial fechado é obrigatório aos condenados pelo crime de tráfico de drogas cometido após a publicação da Lei n.º 11.464, de 29 de março de 2007, que deu nova redação ao § 1.º do art. 2.º da Lei 8.072/90, ressalvada a possibilidade de fixação de regime prisional mais brando, quando, aplicada a causa especial de diminuição prevista no § 4.º do art. 33 da lei n.º 11.343/06, for substituída a pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, a fim de adequar a reprimenda ao benefício concedido justamente para evitar o encarceramento. Precedentes do STF e do STJ.
8. Entretanto, na hipótese, o Juiz sentenciante deixou de aplicar a minorante prevista no art. 33, § 4.º, da Lei n.º 11.343/06, ao concluir que o Paciente se dedicava à atividade criminosa, reputando, assim, não preenchidos os requisitos para concessão da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. Dessa forma, incabível a fixação de regime inicial mais brando.
(HC 231.365/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 17/04/2012)

Obs: a diferença entre a posição da 2ª Turma do STF (6ª Turma do STJ) e o entendimento da 5ª Turma do STJ está no fato de que, a 5ª Turma só admite a fixação de outro regime se a pena privativa de liberdade for substituída por restritiva de direitos. Já a 2ª Turma do STF (e a 6ª Turma do STJ) não fazem tal exigência.

Obs2: este é o retrato jurisprudencial no dia de hoje. Muito provavelmente ainda haverá mudanças de entendimento até que a questão seja dirimida pelo Plenário do STF. Em provas da DPE e da OAB, deve-se mencionar, sem medo de errar, que é possível o regime inicial aberto ou semiaberto com base na análise do art. 33, § 2º do CP. Deve-se citar que esta é a posição da 2ª Turma do STF e da 6ª Turma do STJ. Depois, é só arrumar a roupa para a posse.


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