segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Ausência de responsabilidade civil por gastos decorrentes de eleição suplementar



Imagine a seguinte situação hipotética:
Em 2008, João foi candidato ao cargo de Prefeito.
Vale ressaltar que a candidatura de João foi impugnada pelo Ministério Público sob o argumento de que ele estaria inelegível com base no art. 1º, I, "g", da LC 64/90, considerando que tinha uma condenação imposta pelo TCU em virtude de suas contas como ex-administrador terem sido desaprovadas.
João conseguiu uma liminar autorizando que ele concorresse enquanto se discutia a punição imposta pelo TCU.
O Ministério Público não se conformou e recorreu contra o deferimento do registro da candidatura.
Antes que o recurso do MP fosse definitivamente julgado, João foi eleito Prefeito.
No entanto, alguns meses depois, o TSE indeferiu o registro da candidatura de João, dando razão aos argumentos do MP.
Diante disso, foi convocada a realização de nova eleição para o cargo de Prefeito sem a participação de João.

Ação de indenização
As eleições, no Brasil, são custeadas pelo orçamento da Justiça Eleitoral, que é um órgão da União.
Depois de ter sido realizada esta eleição suplementar acima explicada, a União, por meio da AGU, propôs ação de indenização contra João, alegando que ele concorreu à eleição para Prefeito mesmo estando inelegível por força de lei. Desse modo, ele praticou um ato ilícito que gerou dano aos cofres públicos, considerando que foi necessária a realização de novo pleito após o julgamento em definitivo de sua inelegibilidade.
Assim, a União pediu que João fosse condenado a pagar os custos desta nova eleição que foi realizada.

Onde esta ação foi proposta?
Na Justiça Federal comum (art. 109, I, da CF/88). Isso porque a ação proposta tem como causa de pedir o tema "responsabilidade civil", não se tratando de matéria eleitoral propriamente dita. Logo, a competência não é da Justiça Eleitoral.
A competência será da Justiça Federal, por sua vez, porque tem a União como autora.

O pedido da União foi acolhido pelo STJ?
NÃO.

O candidato ao cargo de prefeito que obtém o deferimento do registro de sua candidatura no juízo eleitoral de primeiro grau, mas, depois de eleito, tem o registro indeferido pelo TSE, não deve indenização à União por gastos decorrentes de eleição suplementar.
STJ. 1ª Turma. REsp 1.596.589-AL, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 16/6/2016 (Info 586).

A União sustenta que o réu teria violado dever jurídico ao registrar sua candidatura mesmo sabendo possuir prestação de contas rejeitada pelo TCU. Contudo, o art. 188 do Código Civil afirma que não se constitui ato ilícito quando o ato do agente foi praticado "no exercício regular de um direito reconhecido" (inciso I).

O candidato conseguiu concorrer por força de decisão liminar. Somente após as eleições é que esta decisão foi revertida. Desse modo, ele conseguiu disputar e vencer a eleição em virtude, principalmente, do atraso do TSE na apreciação do recurso que, por força de Resolução do próprio Tribunal, deveria ter sido julgado até antes das eleições, o que acabou não acontecendo (art. 62 da Resolução TSE 22.717/2008).

Dessa forma, percebe-se que a realização da eleição suplementar foi ocasionada pela morosidade na prestação jurisdicional. As novas eleições poderiam ter sido evitadas caso tivesse sido cumprido pelo TSE o prazo que o próprio tribunal estabeleceu na Resolução nº 22.717⁄2008, que editou para regulamentar a escolha e registro dos candidatos municipais na eleição de 2008.




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