domingo, 11 de fevereiro de 2018

A nomeação tardia de candidato aprovado em concurso não gera direito à indenização, ainda que a demora tenha origem em erro reconhecido pela própria Administração


Imagine a seguinte situação hipotética:
João foi aprovado em todas as fases do concurso.
Ocorre que a Administração Pública errou no cálculo da média final da nota de João. Por força desse erro, ele, que deveria ter figurado na 5ª posição, acabou caindo para o 10º lugar.
O edital previa 5 vagas e a Administração Pública nomeou e empossou os 5 primeiros colocados.
João teve que ingressar com mandado de segurança questionando os critérios utilizados para o cálculo da média final.
Durante a tramitação do mandado de segurança, o Poder Público, administrativamente, reconheceu o erro e, diante disso, João foi nomeado, fazendo com que a ação perdesse o objeto (perda superveniente do interesse de agir).
O problema é que, em razão desse erro da Administração, a nomeação de João demorou 6 meses a mais do que deveria.
Inconformado com a situação, João propôs ação de indenização contra o Poder Público alegando que teria direito de receber, a título de reparação, o valor da remuneração do cargo referente a esses 6 meses.

O candidato que teve postergada a assunção em cargo por conta de ato ilegal da Administração tem direito a receber a remuneração retroativa?
• Regra: NÃO. Não cabe indenização a servidor empossado por decisão judicial sob o argumento de que houve demora na nomeação. Dito de outro modo, a nomeação tardia a cargo público em decorrência de decisão judicial não gera direito à indenização.
• Exceção: será devida indenização se ficar demonstrado, no caso concreto, que o servidor não foi nomeado logo por conta de uma situação de arbitrariedade flagrante.

O tema foi decidido pelo STF em sede de recurso extraordinário sob a sistemática da repercussão geral.
Na hipótese de posse em cargo público determinada por decisão judicial, o servidor não faz jus à indenização, sob fundamento de que deveria ter sido investido em momento anterior, salvo situação de arbitrariedade flagrante.
STF. Plenário. RE 724347/DF, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Roberto Barroso, julgado em 26/2/2015 (repercussão geral) (Info 775).

No caso de João há uma peculiaridade: o reconhecimento de que a posse do autor deveria ter se dado em momento anterior se deu pela própria Administração Pública (e não por força de decisão judicial). Isso muda alguma coisa? O candidato que teve postergada a assunção em cargo por conta de ato ilegal reconhecido pela própria Administração tem direito de ser indenizado?
NÃO.
A nomeação tardia de candidatos aprovados em concurso público não gera direito à indenização, ainda que a demora tenha origem em erro reconhecido pela própria Administração Pública.
STJ. 1ª Turma. REsp 1.238.344-MG, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 30/11/2017 (Info 617).

O fato de a Administração Pública ter reconhecido o erro administrativamente não muda a situação. Assim, deve-se aplicar o entendimento do STF firmado no RE 724347/DF. Isso porque a ratio decidendi constante do precedente do STF consagra a compreensão de que o pagamento de remuneração e a percepção de demais vantagens por servidor público pressupõe o efetivo exercício no cargo, sob pena de enriquecimento sem causa.

Ora, se mesmo quando a ilegalidade da nomeação tardia é declarada por provimento jurisdicional o direito à indenização é afastado pela jurisprudência (salvo situação de arbitrariedade flagrante), não há razão para, reconhecido o erro pela própria Administração, determinar-se o pagamento de valores retroativos.

Se fosse admitida essa “exceção” (pagar indenização em caso de erro reconhecido administrativamente), isso acabaria desestimulando que a Administração Pública exercesse o seu poder-dever de autotutela, ou seja, desencorajaria que a Administração corrigisse seus próprios equívocos. Haveria, então, um estimula à judicialização, o que não atende ao interesse público.

Por fim, cumpre ressaltar que no caso de João havia uma dúvida razoável sobre os critérios de cálculo da nota final, razão pela qual não se pode dizer que ocorreu uma situação de arbitrariedade flagrante, a ponto de se permitir a indenização.



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