quarta-feira, 1 de agosto de 2018

É possível que o agente seja condenado pelas qualificadoras do motivo torpe e também pelo feminicídio?



O que é feminicídio?
Feminicídio é o homicídio doloso praticado contra a mulher por “razões da condição de sexo feminino”, ou seja, desprezando, menosprezando, desconsiderando a dignidade da vítima enquanto mulher, como se as pessoas do sexo feminino tivessem menos direitos do que as do sexo masculino.
O Código Penal prevê o feminicídio como uma qualificadora do crime de homicídio. Confira:
Homicídio simples
Art. 121. Matar alguem:
Pena - reclusão, de seis a vinte anos.
(...)
§ 2º Se o homicídio é cometido:
Feminicídio
VI - contra a mulher por razões da condição de sexo feminino.
(...)
Pena - reclusão, de doze a trinta anos.

O feminicídio foi incluído no Código Penal pela Lei nº 13.104/2015.

Feminicídio X femicídio
Existe diferença entre feminicídio e femicídio?
• Femicídio significa praticar homicídio contra mulher (matar mulher);
• Feminicídio significa praticar homicídio contra mulher por “razões da condição de sexo feminino” (por razões de gênero).

O art. 121, § 2º, VI, do CP, trata sobre FEMINICÍDIO, ou seja, pune mais gravemente aquele que mata mulher por “razões da condição de sexo feminino” (por razões de gênero). Não basta a vítima ser mulher.

Como era a punição do feminicídio antes da Lei nº 13.104/2015?
Antes da Lei nº 13.104/2015, não havia nenhuma punição especial pelo fato de o homicídio ser praticado contra a mulher por razões da condição de sexo feminino. Em outras palavras, o feminicídio era punido, de forma genérica, como sendo homicídio (art. 121 do CP).
A depender do caso concreto, o feminicídio (mesmo sem ter ainda este nome) poderia ser enquadrado como sendo homicídio qualificado por motivo torpe (inciso I do § 2º do art. 121) ou fútil (inciso II) ou, ainda, em virtude de dificuldade da vítima de se defender (inciso IV). No entanto, o certo é que não existia a previsão de uma pena maior para o fato de o crime ser cometido contra a mulher por razões de gênero.
A Lei nº 13.104/2015 veio alterar esse panorama e previu, expressamente, que o feminicídio, deve agora ser punido como homicídio qualificado.

Sujeito ativo
O feminicídio pode ser praticado por qualquer pessoa (trata-se de crime comum).
O sujeito ativo do feminicídio normalmente é um homem, mas também pode ser mulher.

Sujeito passivo
Obrigatoriamente deve ser uma pessoa do sexo feminino (criança, adulta, idosa, desde que do sexo feminino).
• Mulher que mata sua companheira homoafetiva: pode haver feminicídio se o crime foi por razões da condição de sexo feminino.
• Homem que mata seu companheiro homoafetivo: não haverá feminicídio porque a vítima deve ser do sexo feminino. Esse fato continua sendo, obviamente, homicídio.

Razões de condição de sexo feminino
O que são “razões de condição de sexo feminino”?
O legislador previu, no § 2º-A do art. 121, uma norma penal interpretativa, ou seja, um dispositivo para esclarecer o significado dessa expressão.
§ 2º-A Considera-se que há “razões de condição de sexo feminino” quando o crime envolve:
I - violência doméstica e familiar;
II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

Tentado ou consumado
O feminicídio pode ser tentado ou consumado.

Tipo subjetivo
O feminicídio pode ser praticado com dolo direto ou eventual.

Natureza da qualificadora
Para o STJ, a qualificadora do feminicídio é de natureza OBJETIVA.
A justificativa apresentada para isso está no fato de que tal qualificadora “incide nos crimes praticados contra a mulher por razão do seu gênero feminino e/ou sempre que o crime estiver atrelado à violência doméstica e familiar propriamente dita, assim o animus do agente não é objeto de análise.” (Min. Felix Fischer, no REsp 1.707.113/MG, julgado em 29/11/2017).

É possível que o agente seja condenado pelas qualificadoras do motivo torpe e também pelo feminicídio? É possível a incidência das duas qualificadoras, em um caso concreto?
SIM.
Não caracteriza bis in idem o reconhecimento das qualificadoras de motivo torpe e de feminicídio no crime de homicídio praticado contra mulher em situação de violência doméstica e familiar.
STJ. 6ª Turma. HC 433.898-RS, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 24/04/2018 (Info 625).

Isso se dá porque o feminicídio é uma qualificadora de ordem objetiva - vai incidir sempre que o crime estiver atrelado à violência doméstica e familiar propriamente dita enquanto que a torpeza é de cunho subjetivo, ou seja, continuará adstrita aos motivos (razões) que levaram um indivíduo a praticar o delito.

Exemplo concreto:
“No dia 12 de março de 2017, por volta de 01h40min, no endereço XXX, o denunciado FULANO DE TAL, com intenção de matar (animus necandi), tentou disparar uma arma de fogo contra sua companheira XXX, após agredi-la com socos que lhe causaram as lesões descritas no laudo de fls. 22/23.
Assim agindo, o acusado deu início à execução de um crime de homicídio que não se consumou por circunstâncias alheias à sua vontade, eis que a munição não foi deflagrada, tendo a vítima corrido do local e encontrado abrigo antes que o réu pudesse alvejá-la.
O acusado agiu por motivo torpe, eis que tentou matar a vítima em razão de infundado ciúme, após a vítima ter atendido a uma ligação telefônica de um amigo.

O delito foi praticado contra mulher, em contexto de violência doméstica e familiar (feminicídio), pois o denunciado e a vítima mantinham um relacionamento de muitos anos.”

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