quarta-feira, 31 de outubro de 2018

É possível o reconhecimento da usucapião de bem imóvel com a implementação do requisito temporal no curso da demanda



Usucapião
Usucapião é...
- um instituto jurídico por meio do qual a pessoa que fica na posse de um bem (móvel ou imóvel)
- por determinados anos
- agindo como se fosse dono
- adquire a propriedade deste bem ou outros direitos reais a ele relacionados (exs: usufruto, servidão)
- desde que cumpridos os requisitos legais.

Ação de usucapião
O CPC/1973 trazia, em seus arts. 941 a 945, um procedimento especial para a ação de usucapião.
O CPC/2015 não previu procedimento especial para a ação de usucapião, de forma que a usucapião judicial deverá seguir o procedimento comum.

Imagine agora seguinte situação hipotética:
Em março de 2017, João ajuizou ação pedindo o reconhecimento de usucapião especial urbana, nos termos do art. 1.240 do Código Civil:
Art. 1.240. Aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

Afirmou que não tem o título de propriedade dessa área, mas lá mora há 5 anos sem oposição de ninguém. Vale ressaltar também que ele não tem outro imóvel, seja urbano, seja rural.
Em abril de 2017, o proprietário apresentou contestação pedindo a improcedência da demanda.
Foram ouvidas testemunhas.
As testemunhas e as provas documentais atestaram que João reside no imóvel desde setembro de 2012, ou seja, quando o autor deu entrada na ação (março de 2017), ainda não havia mais de 5 anos de posse.
Em novembro de 2017, os autos foram conclusos ao juiz para sentença.

O magistrado deverá julgar o pedido procedente?
SIM.

Mas quando o autor ajuizou a ação ele ainda não havia preenchido o prazo de 5 anos de posse...
É verdade. No entanto, como o autor continuou na posse do bem durante a tramitação do processo, esse requisito temporal foi atingido no curso da demanda.

E isso é permitido?
SIM.
É possível o reconhecimento da usucapião de bem imóvel com a implementação do requisito temporal no curso da demanda.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.361.226-MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 05/06/2018 (Info 630).

É possível complementar o prazo de usucapião no curso do processo, tendo em vista que o CPC autoriza que o magistrado examine e leve em consideração na sentença fatos ocorridos após a instauração da demanda. Veja:
Art. 493.  Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento do mérito, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a decisão.
Parágrafo único. Se constatar de ofício o fato novo, o juiz ouvirá as partes sobre ele antes de decidir.

A decisão deve refletir o estado de fato e de direito existente no momento de julgar a demanda, desde que guarde pertinência com a causa de pedir e com o pedido (STJ. 5ª Turma. REsp 1.147.200/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 13/11/2012).

Assim, cabe ao magistrado examinar o requisito temporal da usucapião ao proferir a sentença, permitindo que o prazo seja completado no curso do processo judicial.

Evita-se, com isso, que o autor proponha nova ação para obter o direito que já poderia ter sido reconhecido se o Poder Judiciário apreciasse eventual fato constitutivo superveniente, cuja medida se encontra em harmonia com os princípios da economia processual e da razoável duração do processo.
Cristiano Chaves de Farias e Nelson Roselvand têm a mesma opinião:
“(...) Porém, se o prazo for complementado no curso da lide, entendemos que o juiz deverá sentenciar no estado em que o processo se encontra, recepcionando o fato constitutivo do direito superveniente, prestigiando a efetividade processual, a teor do art. 462 do Código de Processo Civil [de 1973]. É de se compreender que a pretensão jurisdicional deverá ser concedida de acordo com a situação dos fatos no momento da sentença". (FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Direitos reais - 6ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, pág. 287 - grifou-se)

Essa linha de raciocínio também é confirmada pelo Enunciado nº 497 da V Jornada de Direito Civil (STJ/CJF), segundo o qual “o prazo, na ação de usucapião, pode ser completado no curso do processo, ressalvadas as hipóteses de má-fé processual do autor”.

Mas o proprietário apresentou contestação antes de o autor completar o prazo necessário para a usucapião. Isso não pode ser considerado como uma “oposição” (art. 1.240 do CC) para fins de impedir a constituição do prazo de usucapião?
NÃO. O STJ entende que a contestação apresentada pelo réu não impede o transcurso do lapso temporal. Essa peça defensiva não tem a capacidade de exprimir a resistência do demandado à posse exercida pelo autor, mas apenas a sua discordância com a aquisição do imóvel pela usucapião:
(...) A contestação apresentada na ação de usucapião não é apta a interromper o prazo da prescrição aquisitiva e nem consubstancia resistência ao afastamento da mansidão da posse. (...)
STJ. 4ª Turma. AgRg no AREsp 180.559/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 17/12/2013.

A contagem do tempo para usucapião somente seria interrompida se o proprietário conseguisse reaver a posse.
Desse modo, repetindo: é possível o reconhecimento da usucapião quando o prazo exigido por lei se complete no curso do processo judicial, conforme a previsão do art. 493, do CPC/2015, ainda que o réu tenha apresentado contestação.



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