segunda-feira, 12 de agosto de 2019

A responsabilidade administrativa ambiental é de natureza subjetiva



Imagine a seguinte situação hipotética:
A Ipiranga Produtos de Petróleo S/A contratou uma empresa (Ferrovia Centro Atlântica) para transportar, por meio de vagões-tanque, sessenta mil litros de óleo diesel.
Ocorre que, durante o transporte, um dos vagões descarrilhou derramando óleo na Baía de Guanabara e na Área de Proteção Ambiental de Guapimirim.
O órgão de proteção ambiental lavrou um auto de infração impondo à Ipiranga (dona da carga) uma multa (penalidade administrativa) em virtude da infração ambiental.
A Ipiranga ingressou com ação judicial questionando a multa aplicada sob o argumento de que não foi ela a causadora direta do acidente, tendo este sido ocasionado pela transportadora do produto.
Alegou que o proprietário da carga transportada é considerado “terceiro”, por não ser o efetivo causador do dano ambiental, e que a sua responsabilidade pela infração administrativa é de natureza subjetiva, ou seja, depende da demonstração de que agiu com dolo ou culpa, o que não foi demonstrado pelo órgão ambiental.

Os argumentos da empresa autuada são acolhidos pela jurisprudência do STJ? A responsabilidade administrativa ambiental tem caráter objetivo ou subjetivo?
SIM. A responsabilidade administrativa ambiental é de natureza SUBJETIVA.

Tríplice responsabilização ambiental
O art. 225, § 3º, da CF/88 prevê a tríplice responsabilização ambiental, estando, portanto, o causador de danos ambientais, sujeito à responsabilização administrativa, cível e penal, de modo independente e simultâneo:
Art. 225 (...)
§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

A responsabilidade civil por dano ambiental é OBJETIVA.
Por outro lado, as responsabilidades penal e administrativa são de natureza SUBJETIVA.

Responsabilidade civil x responsabilidade administrativa
A responsabilidade por danos ambientais na esfera cível é objetiva. Isso significa, por exemplo, que, se o Ministério Público propuser uma ação contra determinado poluidor, ele não precisará provar a culpa ou dolo do réu.
Por outro lado, para a aplicação de penalidades administrativas não se obedece a essa mesma lógica.
A responsabilidade administrativa ambiental apresenta caráter subjetivo, exigindo dolo ou culpa para sua configuração.
Assim, adota-se a sistemática da teoria da culpabilidade, ou seja, deverá ser comprovado o elemento subjetivo do agressor, além da demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano.
A diferença entre os dois âmbitos de punição e suas consequências fica bem estampada da leitura do art. 14, caput e § 1º, da Lei nº 6.938/81.
No § 1º do art. 14 está prevista a responsabilidade na esfera cível. Lá ele fala que esta é independente da existência de culpa:
Art. 14 (...)
§ 1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.

Já o caput do art. 14, que trata sobre a responsabilidade administrativa, não dispensa a existência de culpa. Logo, interpreta-se que ele exige dolo ou culpa:
Art. 14. Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores:
I - à multa simples ou diária, nos valores correspondentes, no mínimo, a 10 (dez) e, no máximo, a 1.000 (mil) Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional - ORTNs, agravada em casos de reincidência específica, conforme dispuser o regulamento, vedada a sua cobrança pela União se já tiver sido aplicada pelo Estado, Distrito Federal, Territórios ou pelos Municípios;
II - à perda ou restrição de incentivos e benefícios fiscais concedidos pelo Poder Público;
III - à perda ou suspensão de participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito;
IV - à suspensão de sua atividade.

A aplicação e a execução das penas (responsabilidade administrativa) limitam-se aos transgressores (somente podem ser aplicadas a quem efetivamente praticou a infração).
Por outro lado, a reparação ambiental, de cunho civil, pode atingir todos os poluidores, a quem a própria legislação define como “a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental” (art. 3º, V, da Lei nº 6.938/81).
Assim, o uso do vocábulo “transgressores” no caput do art. 14, comparado à utilização da palavra “poluidor” no § 1º do mesmo dispositivo, deixa a entender aquilo que já se podia inferir da vigência do princípio da intranscendência das penas: a responsabilidade civil por dano ambiental é subjetivamente mais abrangente do que as responsabilidades administrativa e penal, não admitindo estas últimas que terceiros respondam a título objetivo por ofensas ambientais praticadas por outrem.

Em suma:
A responsabilidade administrativa ambiental é de natureza subjetiva
A aplicação de penalidades administrativas não obedece à lógica da responsabilidade objetiva da esfera cível (para reparação dos danos causados), mas deve obedecer à sistemática da teoria da culpabilidade, ou seja, a conduta deve ser cometida pelo alegado transgressor, com demonstração de seu elemento subjetivo, e com demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano.
Assim, a responsabilidade CIVIL ambiental é objetiva; porém, tratando-se de responsabilidade administrativa ambiental, a responsabilidade é SUBJETIVA.
STJ. 1ª Seção. EREsp 1318051/RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 08/05/2019 (Info 650).

RESPONSABILIDADE POR DANOS AMBIENTAIS
Responsabilidade CIVIL
Responsabilidade ADMINISTRATIVA
Responsabilidade PENAL
Objetiva
Subjetiva
Subjetiva
§ 1º do art. 14 da Lei 6.938/81.
Caput do art. 14 da Lei 6.938/81.
É vedada a responsabilidade penal objetiva.





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