terça-feira, 27 de agosto de 2019

Lei 13.867/2019: prevê que o valor da indenização nas desapropriações por utilidade pública poderá ser definido por meio de mediação ou arbitragem



Olá, amigos do Dizer o Direito,

Foi publicada hoje mais uma novidade legislativa.

Trata-se da Lei nº 13.867/2019, que prevê que o valor da indenização nas desapropriações por utilidade pública poderá ser definido por meio de mediação ou arbitragem.

Vamos entender sobre o que ela versa, mas antes é necessário fazer uma breve contextualização do tema.

Em que consiste a desapropriação
Desapropriação é:
- o procedimento administrativo
- pelo qual o Poder Público transfere para si,
- compulsoriamente,
- a propriedade de bem pertencente a terceiro,
- por razões de utilidade pública,
- de necessidade pública, ou
- de interesse social,
- pagando, por isso, indenização prévia, justa e, como regra, em dinheiro.

Trata-se de forma originária de aquisição de propriedade, porque não provém de nenhum título anterior.

Espécies
Alguns doutrinadores apontam a existência de cinco modalidades de desapropriação:
MODALIDADES DE DESAPROPRIAÇÃO
Espécie
Sentido
Indenização
1) COMUM (ORDINÁRIA)

• art. 5º, XXIV, da CF
• DL 3.365/41
Realizada em caso de utilidade pública, necessidade pública ou interesse social.
Justa, prévia e em dinheiro.
2) URBANÍSTICA (ESPECIAL URBANA)

• art. 182, § 4º, III, CF
• Lei nº 10.257/01
(Estatuto da Cidade)
Realizada caso o imóvel urbano não esteja cumprindo a sua função social (imóvel não edificado, subutilizado ou não utilizado).
Em títulos da dívida pública, com prazo de resgate de até 10 anos, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.
3) RURAL
(PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA)

• art. 184 da CF
• Lei 8.629/93
• LC 76/93
Realizada caso o imóvel rural não esteja cumprindo a sua função social.
O imóvel desapropriado será utilizado para o programa de reforma agrária.
Justa e prévia, mas paga em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até 20 anos, a partir do segundo ano de sua emissão.
4) CONFISCATÓRIA

• art. 243 da CF
Realizada caso sejam localizadas, no interior da propriedade (urbana ou rural):
• culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou
• a exploração de trabalho escravo.
Não há indenização.
O imóvel é expropriado (confiscado) e será destinado à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário.
5) INDIRETA
(APOSSAMENTO ADMINISTRATIVO)

• art. 35 do DL 3.365/41
A desapropriação indireta ocorre quando o Poder Público se apropria do bem de um particular sem observar as formalidades previstas em lei para a desapropriação, dentre as quais a declaração indicativa de seu interesse e a indenização prévia.
A indenização é posterior e somente ocorre caso não seja possível a retomada do bem (se o bem expropriado já está afetado a uma finalidade pública).

Decreto-lei nº 3.365/41
O DL 3.365/41 dispõe sobre desapropriações por utilidade pública.
A Lei nº 13.867/2019 acrescentou dois artigos a esse DL.
Vamos verificar o que diz o DL 3.365/41, passo a passo, até chegar aos dispositivos inseridos.

Procedimento administrativo de desapropriação
O procedimento administrativo de desapropriação divide-se em duas fases:
a) fase declaratória;
b) fase executória.

Fase declaratória
Tem início com a publicação de um ato de declaração expropriatória. Esse ato pode ser um decreto (mais comum) ou uma lei expropriatória.
Por meio deste ato, o Poder Público declara formalmente sua intenção de transferir a propriedade do bem para o seu patrimônio ou para o de pessoa delegada, declarando, ainda, a existência da utilidade ou necessidade pública, ou do interesse social relacionado com aquele bem.
Veja o que dizem os arts. 6º e 8º do DL 3.365/41:
Art. 6º A declaração de utilidade pública far-se-á por decreto do Presidente da República, Governador, Interventor ou Prefeito.
(...)
Art. 8º O Poder Legislativo poderá tomar a iniciativa da desapropriação, cumprindo, neste caso, ao Executivo, praticar os atos necessários à sua efetivação.

Fase executória
Começa logo após a fase declaratória.
Após declarar interesse no bem, o Poder Público faz uma avaliação administrativa do preço do imóvel e toma as medidas necessárias para transferi-lo ao seu patrimônio.

Notificação do proprietário
A Lei nº 13.867/2019 incluiu o art. 10-A ao DL 3.365/41 prevendo que, após a avaliação do imóvel a ser desapropriado, o poder público deverá notificar o proprietário a fim de que este diga se concorda ou não com o valor oferecido:
Art. 10-A. O poder público deverá notificar o proprietário e apresentar-lhe oferta de indenização.

O que deve conter nesta notificação
A notificação conterá:
I - cópia do ato de declaração de utilidade pública;
II - planta ou descrição dos bens e suas confrontações;
III - valor da oferta;
IV - informação de que o prazo para aceitar ou rejeitar a oferta é de 15 dias e de que o silêncio será considerado rejeição.

Prazo para a aceitação da oferta
Chamo a atenção novamente para um ponto muito importante: a Lei nº 13.867/2019 introduz um prazo para o proprietário aceitar a proposta.
Assim, o proprietário tem 15 dias para aceitar a oferta do poder público.
Caso não responda neste prazo, seu silêncio será interpretado como sendo uma recusa (rejeição).

Aceita a oferta
Aceita a oferta e realizado o pagamento, será lavrado acordo, o qual será título hábil para a transcrição no registro de imóveis.
Aqui, diz-se que houve a “desapropriação amigável”.

Rejeitada a oferta
Rejeitada a oferta, ou transcorrido o prazo sem manifestação, o poder público ajuizará, contra o proprietário, a ação de desapropriação.

Veja a redação, na íntegra, do art. 10-A do DL 3.365/41, inserido pela Lei nº 13.867/2019:
Art. 10-A. O poder público deverá notificar o proprietário e apresentar-lhe oferta de indenização.
§ 1º A notificação de que trata o caput deste artigo conterá:
I - cópia do ato de declaração de utilidade pública;
II - planta ou descrição dos bens e suas confrontações;
III - valor da oferta;
IV - informação de que o prazo para aceitar ou rejeitar a oferta é de 15 (quinze) dias e de que o silêncio será considerado rejeição;
V - (VETADO).
§ 2º Aceita a oferta e realizado o pagamento, será lavrado acordo, o qual será título hábil para a transcrição no registro de imóveis.
§ 3º Rejeitada a oferta, ou transcorrido o prazo sem manifestação, o poder público procederá na forma dos arts. 11 e seguintes deste Decreto-Lei.

Pedido de mediação ou arbitragem
O proprietário, ao receber a notificação, poderá também pedir ao poder público que o valor da indenização seja definido por meio de mediação ou arbitragem.
Essa é a principal novidade da Lei nº 13.867/2019: a possibilidade de que o valor da indenização nas desapropriações por utilidade pública seja definido por meio de mediação ou arbitragem.
Vamos entender melhor.

Conciliação, mediação e arbitragem
Um erro comum é tratar as expressões conciliação, mediação e arbitragem como sinônimos.
Veja abaixo as principais diferenças entre cada uma das técnicas:
Conciliação
Mediação
Arbitragem
Forma de autocomposição do conflito.
Forma de autocomposição do conflito.
Forma de heterocomposição do conflito.
O terceiro não decide o conflito. Ele facilita que as partes cheguem ao acordo.
O terceiro não decide o conflito. Ele facilita que as partes cheguem ao acordo.
O terceiro é quem decide o conflito.
Atua preferencialmente nos casos em que não houver vínculo anterior entre as partes.
Atua preferencialmente nos casos em que houver vínculo anterior entre as partes
Atua tanto em um caso como no outro.
O conciliador tem uma participação ativa no processo de negociação.
Propõe soluções para os litigantes.
O mediador auxilia as partes a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos.
Não propõe soluções para os litigantes.
Decide o conflito.
Regulada pelos arts. 165 a 175 do CPC/2015.
Regulamentada pela Lei nº 13.140/2015 e pelo CPC/2015.
Regulamentada pela Lei nº 9.307/96.

Mediação e arbitragem são facultativas
A mediação ou a arbitragem são facultativas. Em outras palavras, nem a mediação nem a arbitragem podem ser impostas pelo poder público ao particular. Ele quem vai dizer se concorda ou não em participar de uma dessas técnicas.

Banco de dados de mediadores e árbitros
O poder público manterá um banco de órgãos ou instituições especializados em mediação ou arbitragem previamente cadastrados.

Indicação do órgão ou instituição especializada em mediação ou arbitragem
Se o particular fizer a opção pela mediação ou pela via arbitral, ele indicará um dos órgãos ou instituições especializados em mediação ou arbitragem previamente cadastrados pelo órgão responsável pela desapropriação (art. 10-B do DL 3.365/41).
Poderá ser eleita câmara de mediação criada pelo poder público, nos termos do art. 32 da Lei nº 13.140/2015:
Art. 32. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão criar câmaras de prevenção e resolução administrativa de conflitos, no âmbito dos respectivos órgãos da Advocacia Pública, onde houver, com competência para:
I - dirimir conflitos entre órgãos e entidades da administração pública;
II - avaliar a admissibilidade dos pedidos de resolução de conflitos, por meio de composição, no caso de controvérsia entre particular e pessoa jurídica de direito público;
III - promover, quando couber, a celebração de termo de ajustamento de conduta.

Regulamentação
Sendo escolhida a mediação para se definir o valor da indenização, deverão ser seguidas as regras da Lei nº 13.140/2015, e, subsidiariamente, os regulamentos do órgão ou instituição responsável.

Regulamentação
Sendo escolhida a arbitragem, deverão ser seguidas as normas da Lei nº 9.307/96, e, subsidiariamente, os regulamentos do órgão ou instituição responsável.

Ação de desapropriação
Trata-se de ação proposta pelo poder público contra o expropriado que não concordou com o valor oferecido como indenização pela desapropriação de seu bem.
Na petição inicial deve constar o valor da indenização oferecida ao expropriado.

Vigência
A Lei nº 13.867/2019 entrou em vigor na data da sua publicação (27/08/2019) e aplica-se às desapropriações cujo decreto seja publicado após essa data, ou seja, para as desapropriações que sejam publicadas a partir do dia 28/08/2019.


Márcio André Lopes Cavalcante

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