Dizer o Direito

sexta-feira, 31 de julho de 2020

Não cabe reclamação para o controle da aplicação de entendimento firmado pelo STJ em recurso especial repetitivo



O que é a reclamação?
Reclamação é uma...
- ação
- proposta pela parte interessada ou pelo MP
- com o objetivo de cassar uma decisão judicial ou um ato administrativo que tenha violado:
a) a competência de um tribunal (Tribunal de 2º grau ou Tribunal Superior);
b) a autoridade de uma decisão do tribunal (Tribunal de 2º grau ou Tribunal Superior);
d) súmula vinculante;
e) decisão do STF em controle concentrado de constitucionalidade;
f) acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas ou de incidente de assunção de competência.

Natureza jurídica
Prevalece que a reclamação possui natureza jurídica de ação:
“A reclamação constitucional é ação vocacionada para a tutela específica da competência e autoridade das decisões proferidas por este Supremo Tribunal Federal...” (STF. 1ª Turma. Rcl 38889 AgR, Rel. Rosa Weber, julgado em 15/04/2020).

Hipóteses de cabimento
As hipóteses de cabimento da reclamação (mesmo que se refiram a processos criminais) estão previstas no art. 988 do CPC/2015:
Art. 988. Caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para:
I - preservar a competência do tribunal;
II - garantir a autoridade das decisões do tribunal;
III - garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;
IV - garantir a observância de acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas ou de incidente de assunção de competência;
(...)
§ 4º As hipóteses dos incisos III e IV compreendem a aplicação indevida da tese jurídica e sua não aplicação aos casos que a ela correspondam.

O inciso II do § 5º do art. 988 do CPC é uma quinta hipótese de cabimento de reclamação?
Veja a redação do dispositivo:
Art. 988 (...)
§  5º É inadmissível a reclamação:
(...)
II – proposta para garantir a observância de acórdão de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida ou de acórdão proferido em julgamento de recursos extraordinário ou especial repetitivos, quando não esgotadas as instâncias ordinárias.


Para o STF: SIM.
O inciso II do § 5º do art. 988 prevê uma outra hipótese de cabimento de reclamação. Desse modo:
Cabe reclamação contra decisão que tenha descumprido tese fixada pelo STF em recurso extraordinário julgado sob o regime de repercussão geral, sendo imprescindível, no entanto, que a parte tenha previamente esgotado todos os recursos cabíveis nas instâncias ordinárias.
STF. 1ª Turma. Rcl 40548 ED, Rel. Alexandre de Moraes, julgado em 08/06/2020.
STF. 2ª Turma. Rcl 37853 AgR, Rel. Ricardo Lewandowski, julgado em 13/03/2020.

Importante fazer um esclarecimento quanto à expressão “instâncias ordinárias”. O STF, com receio da imensa quantidade de reclamações que poderia ser obrigado a julgar, conferiu interpretação bem restritiva à expressão “instâncias ordinárias”.
A hipótese de cabimento prevista no art. 988, § 5º, II, do CPC deve ser interpretada restritivamente, sob pena de o STF assumir, pela via da reclamação, a competência de pelo menos três tribunais superiores (Superior Tribunal de Justiça, Tribunal Superior do Trabalho, Tribunal Superior Eleitoral) para o julgamento de recursos contra decisões de tribunais de 2º grau de jurisdição.
Assim, segundo entendeu o STF, quando o CPC exige que se esgotem as instâncias ordinárias, significa que a parte só poderá apresentar reclamação ao STF depois de ter apresentado todos os recursos cabíveis não apenas nos Tribunais de 2º grau, mas também nos Tribunais Superiores (STJ, TST e TSE). Se ainda tiver algum recurso pendente no STJ, por exemplo, não caberá reclamação ao STF.
Nesse sentido:
O cabimento da reclamação constitucional está sujeito ao esgotamento das instâncias ordinárias e especial (art. 988, § 5º, II, do CPC).
STF. 2ª Turma. Rcl 28789 AgR, Rel. Dias Toffoli, julgado em 29/05/2020.

O esgotamento da instância ordinária, previsto no art. 988, § 5º, II, do CPC, exige a impossibilidade de reforma da decisão reclamada por nenhum tribunal, inclusive por tribunal superior.
STF. 2ª Turma. Rcl 37492 AgR, Rel. Edson Fachin, julgado em 22/05/2020.

++ (Juiz TJ/CE CEBRASPE 2018) Cabe para garantir a observância de acórdão de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida, quando não esgotadas as instâncias ordinárias. (errado)

Para o STJ: NÃO.
O STJ afirmou que:
Não cabe reclamação para o controle da aplicação de entendimento firmado pelo STJ em recurso especial repetitivo.
STJ. Corte Especial. Rcl 36.476-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 05/02/2020 (Info 669).

Segundo decidiu o STJ, não há coerência e lógica em se afirmar que o inciso II do § 5º do art. 988 do CPC veicule nova hipótese de cabimento da reclamação. Foram apontadas três razões para essa conclusão.

1) Aspecto topológico:

2) Aspecto político-jurídico:
O § 5º do art. 988 foi introduzido no CPC pela Lei nº 13.256/2016 com o objetivo justamente de proibir reclamações dirigidas ao STJ e STF para o controle da aplicação dos acórdãos sobre questões repetitivas.
Essa parte final do § 5º é fruto de má técnica legislativa.

3) Aspecto lógico-sistemático:
Se for admitida reclamação nesses casos, o STJ, além de definir a tese jurídica, terá também que fazer o controle da sua aplicação individualizada em cada caso concreto. Isso gerará sério risco de comprometimento da celeridade e qualidade da prestação jurisdicional.
Assim, uma vez uniformizado o direito (uma vez fixada a tese pelo STJ), é dos juízes e Tribunais locais a incumbência de aplicação individualizada da tese jurídica em cada caso concreto.


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