terça-feira, 14 de julho de 2020

Não é possível estender, pela via judicial, a isenção prevista no art. 6º, XIV, da Lei 7.713/88 aos trabalhadores em atividade



Isenção de imposto de renda sobre os proventos da aposentadoria para doentes graves
O imposto de renda é regido pela Lei nº 7.713/88. Esta Lei prevê que as pessoas portadoras de neoplasia maligna ou outras doenças graves e que estejam na inatividade não pagarão imposto de renda sobre os rendimentos recebidos a título de aposentadoria, pensão ou reforma (art. 6º, XIV).
Em palavras mais simples: pessoas portadoras de doenças elencadas pela legislação não pagarão imposto de renda sobre os rendimentos que receberem a título de aposentadoria, pensão ou reforma.
Para ter direito à isenção do imposto de renda é necessária a cumulação de dois requisitos pelo contribuinte:
a) receber proventos de aposentadoria, pensão ou reforma; e
b) estar acometido de uma das doenças arroladas no dispositivo legal.
Veja a previsão legal:
Art. 6º Ficam isentos do imposto de renda os seguintes rendimentos percebidos por pessoas físicas:
XIV – os proventos de aposentadoria ou reforma motivada por acidente em serviço e os percebidos pelos portadores de moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave, estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome da imunodeficiência adquirida, com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma;

ADI
O Procurador-Geral da República ajuizou ADI contra essa previsão.
Na ação, o PGR alegou que o art. 6º, XIV, da Lei nº 7.713/88 seria inconstitucional porque concedeu a isenção do imposto de renda apenas para pessoas que recebem aposentadoria, pensão ou reforma. Segundo alegou o autor, a Lei deveria ter concedido o benefício também para os trabalhadores que estão em atividade e que forem acometidos pelas doenças arroladas no dispositivo legal.
Assim, o objetivo do PGR não era retirar o art. 6º, XIV, da Lei nº 7.713/98 do ordenamento jurídico, mas sim estender esse benefício também para os trabalhadores em atividade.
Na ação, o PGR pugnou pela prolação de decisão manipulativa de efeitos aditivos para, “reconhecendo a inconstitucionalidade parcial sem redução de texto do art. 6º, XIV da Lei nº 7.713/1988, declarar que, no seu âmbito de incidência, está incluída a concessão do benefício fiscal aos trabalhadores com doença grave que permanecem em atividade”.

O STF acolheu o pedido do PGR?
NÃO.

Isenção tributária é ato discricionário
O primeiro ponto ressaltado pelo STF foi o de que a concessão de isenção tributária configura ato discricionário do ente federativo competente para a instituição do tributo e deve estrito respeito ao princípio da reserva legal (art. 150, § 6º, da Constituição Federal).
Assim, o Poder Público, com base em um juízo de conveniência e oportunidade, decide efetivar a política fiscal e econômica com a concessão do benefício.

Critérios lógicos e racionais
Vale ressaltar, no entanto, que, mesmo sendo um ato discricionário, a concessão da isenção deve observar critérios lógicos e racionais, não podendo ter um conteúdo arbitrário nem conceder privilégios estatais desarrazoados. Desse modo, não sendo cumpridos esses critérios, é possível até mesmo que a isenção tenha sua inconstitucionalidade declarada pelo STF.

Poder Judiciário não pode conceder ou ampliar a isenção
Em respeito ao princípio da separação de poderes, não é possível que se reconhece ao Poder Judiciário legitimidade para, interferindo no mérito do benefício, conceda ou amplie benefícios fiscais em favor de contribuintes que não foram direta e expressamente contemplados pela lei que instituiu a isenção fiscal, até mesmo em atenção à legalidade estrita, estatuída no art. 150, § 6º, da Constituição Federal:
Art. 150 (...)
§ 6º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g.

A ampliação de isenção tributária por via jurisdicional contraria a exigência constitucional de lei formal para a veiculação de benefícios fiscais, encontrando limites qualificados, também, no dogma da separação de poderes.

Judiciário atuaria como legislador positivo
Os juízes e Tribunais não podem, mesmo a pretexto de estabelecer tratamento isonômico, conceder isenção tributária em favor daqueles não contemplados pelo favor legal, porque isso equivaleria, em última análise, a converter o Poder Judiciário em inadmissível legislador positivo.
Assim, se o Judiciário reconhecesse que o art. 6º, XIV, da Lei nº 7.713/88 violou a isonomia, somente poderia declarar a norma inconstitucional (e não a estender para outras categorias).

Art. 6º, XIV, da Lei nº 7.713/88 não é inconstitucional
Vale ressaltar, no entanto, que o STF entendeu que o art. 6º, XIV, da Lei nº 7.713/88 é plenamente constitucional, não violando nenhum princípio ou regra da Constituição Federal.
Os critérios adotados pelo legislador para a concessão da isenção (inatividade + enfermidade grave) não representam qualquer ofensa à dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da Constituição Federal), aos valores sociais do trabalho (art. 1º, IV, da CF) ou ao princípio da igualdade (art. 5º, caput, da CF).

Excluir os trabalhadores em atividade não violou o princípio da isonomia
A escolha do legislador foi razoável tendo em vista que, conforme argumentou a PFN nos autos:
“Via de regra, o trabalhador aposentado tem reduzido o seu rendimento, em relação àquele em atividade. Por essa razão, encontra maiores dificuldades financeiras para arcar com as despesas médicas decorrentes das graves doenças mencionadas no texto legal. Sua capacidade contributiva não é equivalente à do trabalhador ativo, mas de maior fragilidade, o que justifica e ampara a concessão do benefício. […] Se o doente ainda não está aposentado ou reformado e ainda exerce atividade laboral, ou seja, ainda tem capacidade de trabalhar, é legitimamente presumível que as condições físicas, psicológicas e mentais da pessoa portadora de uma das doenças listadas na atacada norma legal não estejam acentuadamente debilitadas. Encontra-se, portanto, esse doente em situação diferente daqueles que já estão aposentados ou reformados por força da idade ou da incapacidade laborativa.”

Em suma:
O art. 6º, XIV, da Lei nº 7.713/88 prevê que as pessoas portadoras de neoplasia maligna ou outras doenças graves e que estejam na inatividade não pagarão imposto de renda sobre os rendimentos recebidos a título de aposentadoria, pensão ou reforma.
Essa isenção é devida apenas às pessoas que recebem aposentadoria, pensão ou reforma e não é possível que o Poder Judiciário estenda o benefício aos trabalhadores que estão em atividade.
Não é possível que o Poder Judiciário, atuando como legislador positivo, amplie a incidência da concessão de benefício tributário, de modo a incluir contribuintes não expressamente abrangidos pela legislação pertinente.
A legislação optou por critérios cumulativos absolutamente razoáveis à concessão do benefício tributário, quais sejam, inatividade e enfermidade grave, ainda que contraída após a aposentadoria ou reforma.
STF. Plenário. ADI 6025, Rel. Alexandre de Moraes, julgado em 20/04/2020 (Info 983 – clipping).

Voto vencido
Ficou vencido o Min. Edson Fachin.

DOD Plus – Informações complementares
Súmula 627-STJ: O contribuinte faz jus à concessão ou à manutenção da isenção do imposto de renda, não se lhe exigindo a demonstração da contemporaneidade dos sintomas da doença nem da recidiva da enfermidade.

Súmula 598-STJ: É desnecessária a apresentação de laudo médico oficial para o reconhecimento judicial da isenção do Imposto de Renda, desde que o magistrado entenda suficientemente demonstrada a doença grave por outros meios de prova.

São isentos do imposto de renda os proventos percebidos de fundo de previdência privada a título de complementação da aposentadoria por pessoa física acometida de uma das doenças arroladas no art. 6º, XIV, da Lei 7.713/1988.
STJ. 2ª Turma. REsp 1507320-RS, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 10/2/2015 (Info 556).


O art. 6º, XIV, da Lei 7.713/88 (Lei do IR) prevê que as pessoas portadoras de determinadas doenças ali elencadas não pagarão imposto de renda sobre os rendimentos que receberem a título de aposentadoria, pensão ou reforma.
Para que haja a isenção é indispensável que o portador da doença grave esteja na inatividade, recebendo rendimentos de aposentadoria, pensão ou reforma.
Assim, não haverá isenção se o contribuinte é portador de uma das moléstias elencadas, mas ainda não se aposentou, optando por continuar trabalhando.
STJ. 2ª Turma. RMS 31637-CE, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 5/2/2013 (Info 516).


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