terça-feira, 28 de julho de 2020

Alguns aspectos relevantes sobre a Súmula Vinculante 24



Crime material contra a ordem tributária e consumação
A Lei nº 8.137/90, em seus arts. 1º e 3º, define crimes contra a ordem tributária.
O art. 1º prevê o delito de sonegação fiscal, que é um crime tributário MATERIAL (com exceção do inciso V, que é formal). Confira a redação do tipo:
Art. 1º Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:
I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;
II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;
III - falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável;
IV - elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato;
V - negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.
Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Quando se consuma o crime tributário material?
O crime tributário material somente se consuma quando houver a constituição definitiva do crédito tributário, nos termos da SV 24-STF:
Súmula vinculante 24-STF: Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no artigo 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo.

No mesmo sentido é o entendimento do STJ, do MPF e do TRF4:
Jurisprudência em Teses do STJ (ed. 90):
Tese 5: A constituição regular e definitiva do crédito tributário é suficiente à tipificação das condutas previstas no art. 1º, I a IV, da Lei n. 8.137/90, conforme a súmula vinculante n. 24/STF.

Enunciado nº 79 da 2ªCCR/MPF
Considerando os efeitos da Súmula Vinculante nº 24 do STF, em regra, o oferecimento de denúncia por crimes contra a ordem tributária (Lei 8.137/1990, art. 1º, incisos I a IV), de apropriação indébita previdenciária (CP, art. 168-A) ou de sonegação de contribuição previdenciária (CP, art. 337-A) depende do término do procedimento administrativo e da consequente constituição definitiva do crédito tributário, indispensável condição de procedibilidade.

Súmula nº 78 do TRF4
A constituição definitiva do crédito tributário é pressuposto da persecução penal concernente a crime contra a ordem tributária previsto no art. 1ª da Lei nº 8.137/90.

(Promotor de Justiça Substituto MPE/PI 2019 CEBRASPE) A empresa DEF Ltda. recebeu auto de infração no valor de R$ 250 mil no qual, além de ser cobrado o principal do imposto devido e os juros, também foi aplicada multa agravada, em razão de ter a fiscalização apurado a ocorrência de omissão proposital de informação, além de prestação falsa de declaração às autoridades fazendá­rias, com a finalidade de reduzir o valor do tributo devido. Da lavratura do auto de infração foi dada imediata ciência ao Ministério Público, via representação, para eventual proposição de denúncia na esfera criminal. Caso a empresa venha a recorrer administrativamente do auto de infração, não estará tipificado o crime contra a ordem tributária, previsto no artigo 1º, I, da Lei nº 8.137/1990, antes do lançamento definitivo do tributo. (certo)

 (Promotor de Justiça Substituto MP/RR 2017 CESPE) João, prestador de serviços, trabalha como MEI na forma da Lei Complementar n.º 123/2006 (SIMPLES Nacional). Nessa qualidade, com o propósito de recolher menos tributo, ele informou à RFB ter recebido, no exercício de 2016, a receita bruta de R$ 50.000, mas a RFB constatou que sua receita bruta real nesse exercício havia sido de R$ 120.000. Ante a existência de provas suficientes desses fatos, a conduta de João foi tipificada como dolosa. A conduta de João poderá ser tipificada como crime contra a ordem tributária somente após o lançamento definitivo do tributo em exame. (certo)

 (Juiz Substituto TJ/SE 2015 FCC) Para que seja possível ação penal que tenha por objeto crime contra a ordem tributária é necessário que tenha havido completo exaurimento do procedimento administrativo que decida pela existência fiscal do crédito tributário. (certo)

 (Juiz TJ/SP 2014 VUNESP) Acerca de crime contra a ordem tributária, previsto no art. 1.º, incisos I a IV, da Lei n.º 8.137/90 (constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: …), , assinale a opção que contenha afirmação falsa: Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto nestas hipóteses, antes do lançamento definitivo do tributo. (certo)

Termo inicial da prescrição penal
Como antes da constituição definitiva do crédito tributário ainda não existe crime, somente com o lançamento definitivo é que se inicia a contagem do prazo de prescrição.
Assim, a fluência do prazo prescricional dos crimes contra a ordem tributária, previstos no art. 1º, incisos I a IV, da Lei n. 8.137/90, somente tem início após a constituição do crédito tributário, o que se dá com o encerramento do procedimento administrativo-fiscal e o lançamento definitivo (STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1217773/RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 20/05/2014).
No caso do inciso V, por se tratar de crime formal, não se exige a constituição definitiva do crédito tributário para início da prescrição.

Delitos para os quais não se exige constituição definitiva do crédito tributário
Importante deixar claro que a SV 24-STF não se aplica para os seguintes delitos:
• Art. 1º, inciso V, da Lei nº 8.137/90.
• Art. 2º, incisos I, III e IV. Em relação ao inciso II, que trata da apropriação indébita de tributos, há divergência.
• Descaminho (art. 334 do CP).

A SV 24 pode ser aplicada a fatos anteriores à sua edição?

De quando é a SV 24-STF?
A súmula foi publicada no DJe de 11/12/2009.

Feitos esses esclarecimentos, imagine a seguinte situação hipotética:
Em 1998, João suprimiu imposto de renda prestando declaração falsa às autoridades fazendárias.
O processo administrativo-fiscal ficou se arrastando durante anos e somente em 2010 houve a constituição definitiva do crédito tributário.
No mesmo ano, o MPF denunciou o réu pelo crime do art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90.
Em 2011, ele foi condenado a 2 anos de reclusão, tendo havido o trânsito em julgado.

A defesa alegou, então, uma interessante tese:
A SV 24-STF diz que o crime tributário material só se consuma com o lançamento definitivo do tributo. Em outras palavras, não existe crime antes da constituição definitiva do crédito tributário. Logo, indiretamente, a SV afirma que o prazo prescricional só começa a ser contado no dia da constituição definitiva do crédito tributário já que é nessa data que o delito se consuma (art. 111, I, do CP).
Perceba, portanto, que sob o ponto de vista da prescrição, a SV 24-STF é prejudicial para o réu porque mesmo ele tendo praticado a conduta anos antes, o prazo prescricional nem começou a correr se ainda não houve constituição definitiva do crédito tributário. Fica assim mais difícil de o agente escapar da prescrição. O Estado-acusação acaba “ganhando” mais tempo para oferecer a denúncia antes que o crime prescreva.
Desse modo, a defesa de João alegou que a SV 24-STF, por ser mais gravosa ao réu, não poderia retroagir para ser aplicada a fatos anteriores à sua edição, sob pena de isso ser considerado aplicação retroativa “in malam partem”. Ora, João praticou a sonegação em 1998 e a SV 24-STF somente foi publicada em 2009, de forma que não poderia ser aplicada para este caso. Como ainda não havia a SV, deveria ser considerado o início da prescrição em 1998.

A tese da defesa foi aceita? É proibido aplicar a SV 24-STF para fatos anteriores à sua edição?
NÃO. A tese não foi aceita.
A SV 24-STF pode sim ser aplicada a fatos anteriores à sua edição.
Não se pode concordar com o argumento de que a aplicação da SV 24-STF a fatos anteriores à sua edição configura retroatividade “in malam partem”. Isso porque o aludido enunciado apenas consolidou interpretação reiterada do STF sobre a matéria.
A súmula vinculante não é lei nem ato normativo, de forma que a SV 24-STF não inovou no ordenamento jurídico. O enunciado apenas espelhou (demonstrou) o que a jurisprudência já vinha decidindo.
Como exemplo disso, o Min. Dias Toffoli citou o HC 85.051/MG, julgado em 2005 (bem antes da SV 24), no qual o STF já afirmava que a prescrição dos crimes tributários materiais somente se inicia com o lançamento definitivo:
(...) a consumação do crime tipificado no art. 1º da Lei 8.137/90 somente se verifica com a constituição do crédito fiscal, começando a correr, a partir daí, a prescrição. (...)
STF. 2ª Turma. HC 85051, Rel. Min. Carlos Velloso, julgado em 07/06/2005.

Assim, a SV pode ser aplicada aos crimes cometidos antes da sua vigência, tendo em vista que não se está diante de norma mais gravosa, mas de consolidação de interpretação judicial.
Foi o que decidiu o STF:
Não prospera a tese de que a observância do enunciado da Súmula Vinculante nº 24 importaria interpretação judicial mais gravosa da lei de regência. A SV 24 é mera consolidação da jurisprudência do STF, que, mesmo antes da sua edição, já tinha julgados afirmando que a consumação do crime tipificado no art. 1º da Lei nº 8.137/90 somente se verifica com a constituição do crédito fiscal, começando a correr, a partir daí, a prescrição.
Assim, a SV 24 pode sim ser aplicada a fatos anteriores à sua edição.
STF. 1ª Turma. RHC 122774/RJ, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 19/5/2015 (Info 786).

O STJ também comunga do mesmo entendimento:
Jurisprudência em Teses do STJ (ed. 90):
Tese 6: É possível a aplicação da súmula vinculante n. 24/STF a fatos ocorridos antes da sua publicação por se tratar de consolidação da interpretação jurisprudencial e não de caso de retroatividade da lei penal mais gravosa.

 (Defensor Público Substituto DPE/RO 2017 VUNESP) A Súmula Vinculante 24, do Supremo Tribunal Federal, que dispõe que “não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1°, incisos I a IV, da Lei n° 8.137/1990, antes do lançamento definitivo do tributo”, não pode ser aplicada a fatos anteriores à sua edição. (errado)

Mitigação da SV 24
Excepcionalmente, a jurisprudência admite a mitigação da SV 24-STF em duas situações:
• nos casos de embaraço à fiscalização tributária; ou
• diante de indícios da prática de outros delitos, de natureza não fiscal:

Os crimes contra a ordem tributária pressupõem a prévia constituição definitiva do crédito na via administrativa para fins de tipificação da conduta. A jurisprudência desta Corte deu origem à Súmula Vinculante 24 (...)
Não obstante a jurisprudência pacífica quanto ao termo inicial dos crimes contra a ordem tributária, o Supremo Tribunal Federal tem decidido que a regra contida na Súmula Vinculante 24 pode ser mitigada de acordo com as peculiaridades do caso concreto, sendo possível dar início à persecução penal antes de encerrado o procedimento administrativo, nos casos de embaraço à fiscalização tributária ou diante de indícios da prática de outros delitos, de natureza não fiscal.
STF. 1ª Turma. ARE 936653 AgR, Rel. Min Roberto Barroso, julgado em 24/05/2016.

A jurisprudência desta Corte Superior é firme no sentido de que se admite a mitigação da Súmula Vinculante n. 24/STF nos casos em que houver embaraço à fiscalização tributária ou diante de indícios da prática de outras infrações de natureza não tributária.
STJ. 6ª Turma. AgRg no HC 551.422/PI, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 09/06/2020.

++ (Promotor de Justiça MPE/SE 2010 CESPE) Em recente decisão, o STF entendeu que é possível a instauração de inquérito policial para apuração de crime contra a ordem tributária, antes do encerramento do processo administrativo-fiscal, quando isso for imprescindível para viabilizar a fiscalização. (certo)



Print Friendly and PDF