quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

Lei Complementar 179/2021: confere autonomia ao Banco Central do Brasil

Olá, amigos do Dizer o Direito,

Foi publicada hoje a Lei Complementar nº 179/2021, que confere autonomia ao Banco Central do Brasil.

 

O que é o Banco Central?

O Banco Central do Brasil uma autarquia federal criada pela Lei nº 4.595/64.

Os arts. 9º, 10 e 11 da Lei nº 4.595/64 preveem uma série de competências do Banco Central.

Podemos apontar como principais competências do Banco Central:

Ÿ cumprir e fazer cumprir as normas expedidas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN);

Ÿ emitir moeda-papel e moeda metálica, nas condições e limites autorizados pelo CMN;

Ÿ exercer o controle do crédito;

Ÿ efetuar o controle dos capitais estrangeiros

Ÿ exercer a fiscalização das instituições financeiras e aplicar as penalidades previstas;

Ÿ conceder autorização para o funcionamento das instituições financeiras;

Ÿ efetuar, como instrumento de política cambial, operações de compra e venda de moeda estrangeira e operações com instrumentos derivativos no mercado interno, consoante remuneração, limites, prazos, formas de negociação e outras condições estabelecidos em regulamentação por ele editada (essa última competência já foi incluída pela LC 179/2021).

 

Também é importante relembramos o que é o Conselho Monetário Nacional

O Conselho Monetário Nacional (CMN) é um órgão federal, classificado como “órgão superior do Sistema Financeiro Nacional”.

Suas competências estão elencadas no art. 4º da Lei nº 4.595/64, sendo ele responsável por formular a política da moeda e do crédito, objetivando o progresso econômico e social do País (art. 3º da Lei).

O CMN é composto por três autoridades:

• Ministro da Fazenda (que é o Presidente do Conselho);

• Secretário Especial da Fazenda;

• Presidente do Banco Central.

 

As reuniões do CMN acontecem, em regra, uma vez por mês. As matérias são aprovadas por meio de “Resoluções”.

Feita essa breve revisão, vejamos agora as principais alterações promovidas pela LC 179/2021 no regime jurídico do Banco Central.

 

Objetivo fundamental do Bacen (art. 1º, caput)

O objetivo fundamental do Banco Central é assegurar a estabilidade de preços.

Não há propriamente uma inovação jurídica. Em regra, essa é a finalidade principal dos bancos centrais em todo o mundo. A novidade é que agora a lei prevê expressamente que o objetivo fundamental do Banco Central é manter a inflação sob controle, ou seja, dentro da meta que foi planejada.

A me​ta para a inflação no Brasil​ é estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional.

Para que você compreenda de maneira simples: o CMN elabora a meta e o Banco Central atua concretamente para que se atinja esse alvo.

 

Outros objetivos (art. 1º, parágrafo único)

Também são objetivos do Banco Central:

a) zelar pela estabilidade e pela eficiência do sistema financeiro;

b) suavizar as flutuações do nível de atividade econômica; e

c) fomentar o pleno emprego.

 

Metas de política monetária (art. 2º)

A política monetária consiste na forma como as autoridades de um país irão atuar para controlar a quantidade de moeda em circulação no mercado, a oferta de crédito e as taxas de juros.

Em palavras mais simples e trazendo para a realidade brasileira, a política monetária seriam as ações que o Banco Central irá adotar para influenciar na taxa de juros (que é considerado o “custo do dinheiro”) e nas condições de liquidez (ou seja, na quantidade de dinheiro disponível). Um dos instrumentos que o Banco Central utiliza nessa política monetária é a fixação da taxa Selic, decidida pelo Copom​.

O Copom (Comitê de Política Monetária) é um comitê composto pela Diretoria Colegiada do Banco Central. Esse Comitê, com base nas metas que o órgão tiver para a economia brasileira, define a taxa Selic. Ex: o Bacen tem procurado incentivar o crédito no país, por isso, a taxa SELIC vem sofrendo um processo de redução. Quando o governo deseja conter a inflação, normalmente se vale do aumento da taxa Selic para frear o consumo.

A LC 179/2021 afirma que as metas de política monetária serão estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional (art. 2º).

Por outro lado, compete privativamente ao Banco Central conduzir a política monetária necessária para o cumprimento dessas metas que foram estabelecidas pelo CMN.

 

Diretoria Colegiada do Bacen (art. 3º)

A Diretoria Colegiada é o órgão de deliberação superior, responsável pela formulação de políticas e diretrizes necessárias ao exercício das competências do Banco Central.

A Diretoria Colegiada do Banco Central do Brasil possui 9 (nove) membros, sendo um deles o seu Presidente.

 

Nomeação (art. 3º)

Todos os membros da diretoria colegiada são nomeados pelo Presidente da República entre brasileiros idôneos, de reputação ilibada e de notória capacidade em assuntos econômico-financeiros ou com comprovados conhecimentos que os qualifiquem para a função.

 

Como funciona essa nomeação?

O Presidente da República indica quem ele deseja para assumir os cargos de Presidente e de Diretores do Banco Central.

O Senado Federal avalia os nomes.

Caso sejam aprovados, eles são nomeados pelo Presidente.

 

Currículo (art. 12)

O currículo dos indicados para ocupar o cargo de Presidente ou de Diretor do Banco Central do Brasil deverá ser disponibilizado para consulta pública e anexado no ato administrativo da referida indicação.

 

Mandato

Aqui está um dos principais avanços.

A LC 179/2021 prevê que o Presidente e os Diretores do Banco Central terão mandato de 4 anos.

O mandato do Presidente do Banco Central e de 6 diretores não coincide com o mandato do Presidente da República. Veja como a Lei estipulou:

Art. 4º (...)

§ 1º O mandato do Presidente do Banco Central do Brasil terá duração de 4 (quatro) anos, com início no dia 1º de janeiro do terceiro ano de mandato do Presidente da República.

§ 2º Os mandatos dos Diretores do Banco Central do Brasil terão duração de 4 (quatro) anos, observando-se a seguinte escala:

I - 2 (dois) Diretores terão mandatos com início no dia 1º de março do primeiro ano de mandato do Presidente da República;

II - 2 (dois) Diretores terão mandatos com início no dia 1º de janeiro do segundo ano de mandato do Presidente da República;

III - 2 (dois) Diretores terão mandatos com início no dia 1º de janeiro do terceiro ano de mandato do Presidente da República; e

IV - 2 (dois) Diretores terão mandatos com início no dia 1º de janeiro do quarto ano de mandato do Presidente da República.

 

Art. 4º (...)

§ 4º O prazo de gestão do Presidente e de cada um dos Diretores do Banco Central do Brasil estender-se-á até a investidura do sucessor no cargo.

 

O Presidente e os Diretores podem ser reconduzidos

Art. 4º (...)

§ 3º O Presidente e os Diretores do Banco Central do Brasil poderão ser reconduzidos 1 (uma) vez, por decisão do Presidente da República, observando-se o disposto no caput deste artigo na hipótese de novas indicações para mandatos não consecutivos.

 

Relatório de inflação e relatório de estabilidade financeira (art. 11)

O Presidente do Banco Central do Brasil deverá apresentar, no Senado Federal, em arguição pública, no primeiro e no segundo semestres de cada ano, relatório de inflação e relatório de estabilidade financeira, explicando as decisões tomadas no semestre anterior.

 

Exoneração (art. 5º)

O Presidente e os Diretores do Banco Central serão exonerados pelo Presidente da República:

I - a pedido;

II - no caso de acometimento de enfermidade que incapacite o titular para o exercício do cargo;

III - quando sofrerem condenação, mediante decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado, pela prática de ato de improbidade administrativa ou de crime cuja pena acarrete, ainda que temporariamente, a proibição de acesso a cargos públicos;

IV - quando apresentarem comprovado e recorrente desempenho insuficiente para o alcance dos objetivos do Banco Central do Brasil.

 

A hipótese do inciso IV acima exposta é a mais controversa porque poderia gerar alguma forma de interferência na autonomia do Bacen. Para minimizar esse risco, o § 1º do art. 5º afirma que essa exoneração tem que ser uma iniciativa do CMN apresentada ao Presidente da República e que somente pode ser materializada se houver aprovação da maioria absoluta do Senado Federal. Com isso, penso que se preserva a contento a autonomia buscada do Bacen.

Veja a redação do dispositivo:

Art. 5º (...)

§ 1º Na hipótese de que trata o inciso IV do caput deste artigo, compete ao Conselho Monetário Nacional submeter ao Presidente da República a proposta de exoneração, cujo aperfeiçoamento ficará condicionado à prévia aprovação, por maioria absoluta, do Senado Federal.

 

Em caso de vacância, o substituto apenas completa o mandato de 4 anos (não exerce um mandato completo)

Ocorrendo vacância do cargo de Presidente ou de Diretor do Banco Central do Brasil, um substituto será indicado e nomeado para completar o mandato, devendo a posse ocorrer no prazo de 15 (quinze) dias, contado da aprovação do nome pelo Senado Federal.

Se a vacância for do cargo de Presidente do Bacen, enquanto não se conclui o procedimento de nomeação, o cargo será exercido interinamente pelo Diretor com mais tempo no exercício do cargo e, dentre os Diretores com o mesmo tempo de exercício, pelo mais idoso, até a nomeação de novo Presidente.

 

Autonomia do Banco Central

Um dos maiores anseios entre os economistas era o de que o Banco Central tivesse autonomia a fim de conseguir implementar as medidas que fossem, a médio e longo prazo, melhores para o desenvolvimento econômico e social do país, não estando sujeito a interferências eleitoreiras do Presidente da República.

A LC 179/2021 garante isso ao fixar mandato para o Presidente e Diretores e também ao prever expressamente a autonomia do Banco Central. Confira:

Art. 6º O Banco Central do Brasil é autarquia de natureza especial caracterizada pela ausência de vinculação a Ministério, de tutela ou de subordinação hierárquica, pela autonomia técnica, operacional, administrativa e financeira, pela investidura a termo de seus dirigentes e pela estabilidade durante seus mandatos, bem como pelas demais disposições constantes desta Lei Complementar ou de leis específicas destinadas à sua implementação.

 

Art. 9º (...)

§ 1º  O Banco Central do Brasil corresponderá a órgão setorial nos sistemas da Administração Pública Federal, inclusive nos Sistemas de Planejamento e de Orçamento Federal, de Administração Financeira Federal, de Contabilidade Federal, de Pessoal Civil da Administração Pública Federal, de Controle Interno do Poder Executivo Federal, de Organização e Inovação Institucional do Governo Federal, de Administração dos Recursos de Tecnologia da Informação, de Gestão de Documentos de Arquivo e de Serviços Gerais.

§ 2º Quando necessário ao registro, ao acompanhamento e ao controle dos fatos ligados à sua gestão e à formalização, à execução e ao registro de seus atos e contratos de qualquer natureza, o Banco Central do Brasil poderá optar pela utilização de sistemas informatizados próprios, compatíveis com sua natureza especial, sem prejuízo da integração com os sistemas estruturantes da Administração Pública Federal.

§ 3º Os balanços do Banco Central do Brasil serão apurados anualmente e abrangerão o período de 1º de janeiro a 31 de dezembro, inclusive para fins de destinação ou cobertura de seus resultados e

constituição de reservas.

§ 4º Os resultados do Banco Central do Brasil, consideradas todas as suas receitas e despesas, de qualquer natureza, serão apurados pelo regime de competência, devendo sua destinação ou cobertura observar o disposto na Lei nº 13.820, de 2 de maio de 2019.

§ 5º As demonstrações financeiras do Banco Central do Brasil serão elaboradas em conformidade com o padrão contábil aprovado na forma do inciso XXVII do caput do art. 4º da Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964, aplicando-se, subsidiariamente, as normas previstas na Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964.

 

Como fica a situação dos atuais Diretores do Banco Central?

O art. 8º previu uma regra de transição:

Art. 8º Em até 90 (noventa) dias após a entrada em vigor desta Lei Complementar, deverão ser nomeados o Presidente e 8 (oito) Diretores do Banco Central do Brasil, cujos mandatos atenderão à seguinte escala, dispensando-se nova aprovação pelo Senado Federal para os indicados que, na ocasião, já estejam no exercício do cargo:

I - o Presidente e 2 (dois) Diretores terão mandatos até o dia 31 de dezembro de 2024;

II - 2 (dois) Diretores terão mandatos até o dia 31 de dezembro de 2023;

III - 2 (dois) Diretores terão mandatos até o dia 28 de fevereiro de 2023;

IV - 2 (dois) Diretores terão mandatos até o dia 31 de dezembro de 2021.

Parágrafo único. Será admitida 1 (uma) recondução para o Presidente e para os Diretores do Banco Central do Brasil que houverem sido nomeados na forma prevista neste artigo.

 

Art. 9º O cargo de Ministro de Estado Presidente do Banco Central do Brasil fica transformado no cargo de Natureza Especial de Presidente do Banco Central do Brasil.

 

Vedações impostas ao Presidente e Diretores do Bacen

Art. 10.  É vedado ao Presidente e aos Diretores do Banco Central do Brasil:

I - (VETADO);

II - (VETADO);

III - participar do controle societário ou exercer qualquer atividade profissional direta ou indiretamente, com ou sem vínculo empregatício, junto a instituições do Sistema Financeiro Nacional, após o exercício do mandato, exoneração a pedido ou demissão justificada, por um período de 6 (seis) meses.

Parágrafo único. No período referido no inciso III do caput deste artigo, fica assegurado à ex-autoridade o recebimento da remuneração compensatória a ser paga pelo Banco Central do Brasil.

 

Vigência

A LC 179/2021 entrou em vigor na data de sua publicação (25/02/2021).

 

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