sexta-feira, 9 de setembro de 2022

É possível a penhora integral de valores depositados em conta bancária conjunta, na hipótese de apenas um dos titulares ser sujeito passivo da execução?

 

Imagine a seguinte situação hipotética:

João ingressou com execução contra Luciana.

No bojo da ação, foram penhorados R$ 100 mil que estavam na conta-corrente de Luciana.

Pedro, marido de Luciana, apresentou, então, embargos de terceiro afirmando que o dinheiro foi penhorado em uma conta bancária conjunta solidária que ele mantém com a esposa. Alegou, ainda, que, apesar de a mencionada conta ser conjunta, os valores penhorados pertenciam exclusivamente a ele.

Diante disso, pediu a liberação de toda a quantia.

Vale ressaltar que Pedro não apresentou nenhum documento comprovando que o dinheiro pertencia realmente a ele.

 

O que o juiz deverá decidir nesse caso? O pedido de Pedro poderá ser atendido?

Em parte.

 

Espécies de conta-bancária

Há duas espécies de conta-corrente bancária:

1) individual (ou unipessoal): possui um único titular.

2) coletiva (ou conjunta): possui dois ou mais titulares.

 

A conta-corrente bancária coletiva ou conjunta, por sua vez, pode ser:

2.a) não solidária (também chamada de fracionária ou conta “E”): é aquela que é movimentada por intermédio de todos os titulares, isto é, sempre com a assinatura de todos. Ex: conta aberta em nome de todos os herdeiros, para administrar os bens do falecido antes da partilha.

2.b) solidária (também chamada de conta “E/OU”): cada um dos titulares pode movimentar a integralidade dos fundos disponíveis, em decorrência da solidariedade ativa em relação ao banco.

 

O que significa essa palavra “solidária”?

Quando se fala em conta-corrente conjunta solidária, isso quer dizer que existe uma relação obrigacional solidária dos correntistas com o banco. Assim, os correntistas são credores solidários do banco quando há saldo, ou seja, cada um dos dois pode exigir o dinheiro todo da instituição financeira. Ao mesmo tempo, os correntistas também são devedores solidários do banco caso exista alguma tarifa ou outra despesa relacionada com a conta.

Nas exatas palavras do Min. Luis Felipe Salomão:

“Em se tratando de ‘conta conjunta solidária’ — hipótese dos autos —, sobressai a solidariedade ativa e passiva na relação jurídica estabelecida entre os cotitulares e a instituição financeira mantenedora, o que decorre diretamente das obrigações encartadas no contrato de conta-corrente, em consonância com a regra estabelecida no artigo 265 do Código Civil, in verbis:

Art. 265. A solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes.”

 

Vale ressaltar, no entanto, que essa solidariedade não existe em relação a terceiros. Assim, por exemplo, se um dos correntistas emite um cheque sem fundos, o outro correntista da conta não tem qualquer responsabilidade perante o beneficiário do cheque. Ele não é devedor solidário juntamente com o emitente do cheque.

 

Voltando ao nosso exemplo: é possível a penhora de valores que estejam em uma conta bancária conjunta mesmo que a dívida seja apenas de um dos correntistas?

SIM. A penhora de valores contidos em conta bancária conjunta é admitida pelo ordenamento jurídico. No entanto, a constrição não pode se dar em proporção maior que o numerário pertencente ao devedor da obrigação, devendo ser preservado o saldo dos demais cotitulares. Em outras palavras, deve ser penhorado apenas o dinheiro que pertence ao executado.

Em nosso exemplo, eram dois titulares da conta. Logo, presume-se que 50% do dinheiro pertencia a Luciana e os outros 50% pertenciam a Pedro.

 

Cotitular que não era devedor pode comprovar que o dinheiro era exclusivamente dele

Quando se penhora o valor constante em conta bancária conjunta solidária, deve-se permitir que o cotitular prove que a quantia penhorada pertence a ele. Logo, em nosso exemplo, Pedro (o marido) poderia ter provado que o dinheiro penhorado pertencia inteiramente a ele. Nesse caso, a verba seria integralmente liberada.

Da mesma forma, Pedro poderia comprovar que o dinheiro não pertencia inteiramente a ele, mas sim 60% ou 70% etc. Neste caso, seria afastada a presunção de 50% e seria liberado o percentual que ele conseguiu provar.

 

Exequente pode comprovar que o dinheiro era exclusivamente da parte executada

De igual modo, o exequente também deve ter a oportunidade de comprovar que a quantia penhorada pertencia unicamente à parte executada. Neste caso, todo o dinheiro penhorado será utilizado para pagamento da dívida.

A parte exequente também poderá comprovar que a parte executada não era dona da integralidade do valor, mas que tinha a propriedade de 60%, 70%, 80% do valor depositado. Neste caso, seria afastada a presunção de 50% e seria permitida a expropriação do percentual que o exequente conseguiu provar.

 

Se nem o cotitular nem o exequente conseguirem fazer essa prova acima explicada, o que acontecerá?

Neste caso, deve-se presumir que a quantia existente na conta bancária era dividida igualmente entre os cotitulares.

Se Pedro não conseguiu provar que o dinheiro era todo dele, deve-se considerar que dos R$ 100 mil, R$ 50 mil eram seus e a outra metade era de Luciana.

Se João não conseguiu provar que o dinheiro era inteiramente de Luciana, o juiz deverá manter penhorados R$ 50 mil e desbloquear os R$ 50 mil que, presumidamente, são de Pedro.

 

A questão pode ser, portanto, assim resumida:

1) Para fins de execução, em regra, considera-se que os valores existentes na conta corrente conjunta solidária são divididos, em partes iguais, entre os cotitulares. Assim, se são dois titulares da conta, presume-se que 50% pertencem a um e 50% pertencem ao outro. Se são quatro titulares, presume-se que cada um deles é proprietário de 25% do dinheiro ali depositado.

2) Essa presunção é relativa. A parte exequente pode comprovar que o executado (que é um dos cotitulares) tem um percentual maior e assim conseguir uma penhora em percentual superior à presunção. De igual modo, o cotitular que não é executado pode provar que ele é proprietário de um percentual superior ao da mera divisão das cotas.

3) Esse presunção também pode ser afastada se houver algum dispositivo de lei ou contrato dizendo que, naquele caso, os cotitulares são devedores solidários.

4) Se o exequente for o banco no qual os valores estão depositados, será possível a penhora da integralidade dos valores. Isso porque todos os cotitulares da conta são considerados devedores solidários em relação ao banco por força do contrato de conta-corrente.

 

O STJ fixou as seguintes teses sobre o tema:

A) É presumido, em regra, o rateio em partes iguais do numerário mantido em conta corrente conjunta solidária quando inexistente previsão legal ou contratual de responsabilidade solidária dos correntistas pelo pagamento de dívida imputada a um deles.

B) Não será possível a penhora da integralidade do saldo existente em conta conjunta solidária no âmbito de execução movida por pessoa (física ou jurídica) distinta da instituição financeira mantenedora, sendo franqueada aos cotitulares e ao exequente a oportunidade de demonstrar os valores que integram o patrimônio de cada um, a fim de afastar a presunção relativa de rateio.

STJ. Corte Especial. REsp 1.610.844-BA, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 15/06/2022 (Tema IAC 12) (Info 741).

 

Esse entendimento acima explicado vale mesmo para o caso de execuções fiscais?

SIM. O STJ, anteriormente, fazia distinção quando se tratava de execuções fiscais. Esse entendimento, contudo, foi superado.

Atualmente, tanto em caso de execuções de créditos “comuns” quanto de execuções fiscais, devem ser aplicadas as teses acima fixadas.


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