quarta-feira, 21 de setembro de 2022

O réu confessou o crime. O juiz, na sentença, não menciona a confissão e fundamenta a condenação em outras provas. Mesmo assim, ele terá direito à atenuante?

A confissão espontânea é atenuante genérica prevista no art. 65, III, “d”, do CP:

Art. 65. São circunstâncias que sempre atenuam a pena:

III — ter o agente:

d) confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime;

 

Em 2015, o STJ editou a Súmula 545 dizendo o seguinte:

Súmula 545-STJ: Quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador, o réu fará jus à atenuante prevista no artigo 65, III, d, do Código Penal.

 

Vimos acima que a Súmula 545 fala que se o órgão julgador utilizar a confissão na decisão condenatória, o réu terá direito à atenuante. E se o órgão julgador não mencionar essa circunstância na decisão? E se o indivíduo confessa, mas o juiz não menciona expressamente essa confissão na sentença, mesmo assim ele terá direito à atenuante?

SIM. O réu também terá direito à atenuante mesmo que o órgão julgador não mencione expressamente a confissão na decisão.

 

Direito à atenuação da pena surge no momento da confissão

O art. 65, III, “d”, do CP não exige, para sua incidência, que a confissão do réu tenha sido empregada na sentença como uma das razões da condenação. O direito subjetivo do réu de ver a sua pena atenuada surge quando ele confessa. Esse é o momento constitutivo do direito. Ele confessou, surgiu o direito à atenuação. Quando o juiz cita a confissão do réu na fundamentação da sentença condenatória, isso é apenas um momento meramente declaratório.

 

Exigir que o juiz mencione na sentença para reconhecer a atenuante viola o princípio da legalidade

Viola o princípio da legalidade condicionar a atenuação da pena à citação expressa da confissão na sentença como razão decisória, especialmente porque o direito subjetivo e preexistente do réu não pode ficar disponível ao arbítrio do julgador.

Se a lei condicionasse a atenuação da pena à menção da confissão na sentença condenatória, haveria um pressuposto adicional que mudaria o momento constitutivo do direito subjetivo do réu.

Da mesma forma, caso o art. 65, III, “d”, do CP impusesse à confissão pressupostos adicionais, não previstos para as demais atenuantes, ou exigisse que a confissão produzisse certos efeitos práticos sobre a investigação criminal, não haveria que se falar em legítima expectativa à redução da pena por parte do acusado que não cumprisse todos os requisitos legais.

 

Exigir que o juiz mencione na sentença para reconhecer a atenuante viola o princípio da isonomia

Essa restrição ofende também os princípios da isonomia e da individualização da pena, por permitir que réus em situações processuais idênticas recebam respostas divergentes do Judiciário, caso a sentença condenatória de um deles elenque a confissão como um dos pilares da condenação e a outra não o faça.

 

Atenuante da confissão espontânea não está condicionada aos efeitos desse ato

Ao contrário da colaboração premiada, a atenuante da confissão não se fundamenta nos efeitos ou facilidades que a admissão dos fatos pelo réu eventualmente traga para a apuração do crime. Em outras palavras, não existe na confissão espontânea a necessidade de se demonstrar uma “dimensão prática” desse ato. O que se premia é o “senso de responsabilidade pessoal do acusado”, que é característica de sua personalidade, na forma do art. 67 do CP. A confissão está relacionada, portanto, a uma “dimensão psíquico-moral”.

Justamente por isso, o fato de o réu ter sido preso em flagrante ou o fato de haver outras provas contra ele não autorizam o julgador a recusar a atenuação da pena, em especial porque a confissão, enquanto espécie sui generis de prova, corrobora objetivamente as demais.

 

Sistema de proteger a boa-fé do acusado

O sistema jurídico precisa proteger a confiança depositada de boa-fé pelo acusado na legislação penal, tutelando sua expectativa legítima e induzida pela própria lei quanto à atenuação da pena.

A decisão pela confissão, afinal, é ponderada pelo réu considerando o trade-off entre a diminuição de suas chances de absolvição e a expectativa de redução da reprimenda.

É contraditória e viola a boa-fé objetiva a postura do Estado em garantir a atenuação da pena pela confissão, na via legislativa, a fim de estimular que acusados confessem; para depois desconsiderá-la no processo judicial, valendo-se de requisitos não previstos em lei.

 

Em suma:

 

Perceba, portanto, que essa decisão da 5ª Turma amplia o campo de incidência da Súmula 545 do STJ.

 


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