sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

Se o juiz extinguir a execução por reconhecer a ocorrência de prescrição intercorrente, quem pagará as custas e honorários advocatícios: o executado ou o exequente?

 

O que é a prescrição intercorrente?

Prescrição intercorrente é aquela que ocorre durante o processo judicial em virtude da demora em se prolatar uma decisão pondo fim à causa:

“Revela-se a prescrição intercorrente em uma sanção civil pela inércia à continuidade do processo. Penaliza-se o autor da pretensão pela sua inércia, após o ajuizamento da ação, defendendo-se a tese de que o processo teria certo prazo para ser impulsionado.

Configura-se, portanto, quando o autor de um processo judicial em curso permanece inerte, de modo contínuo, durante o prazo estipulado em lei para a perda da pretensão. A prescrição intercorrente é aquela que ocorre dentro do processo. É uma prescrição de meio, no curso de um processo.” FIGUEIREDO, Luciano; FIGUEIREDO, Roberto. Manual de Direito Civil. Salvador: Juspodivm, 2020, p. 367)

 

Nas palavras do Min. Luis Felipe Salomão:

“A prescrição intercorrente ocorre no curso do processo e em razão da conduta do autor que, ao não prosseguir com o andamento regular ao feito, se queda inerte, deixando de atuar para que a demanda caminhe em direção ao fim colimado.”

 

O CPC/2015 disciplinou a prescrição intercorrente nos §§ 1º a 5º do art. 921.

A Lei nº 14.195/2021 promoveu alterações nessas regras, acrescentando ainda os §§ 4º-A, § 5º, § 6º e 7º.

 

Vamos entender a disciplina do CPC e o que mudou com o seguinte exemplo hipotético:

João ingressou com execução cobrando R$ 100 mil de Pedro.

O executado não pagou espontaneamente o débito e não foram localizados bens de Pedro que pudessem ser penhorados.

Ocorrendo isso, o juiz deverá proferir uma decisão suspendendo o processo, nos termos do art. 921, III, do CPC/2015:

Art. 921. Suspende-se a execução:

(...)

III - quando não for localizado o executado ou bens penhoráveis;

 

Vale ressaltar que a suspensão da execução com base no inciso III abrange quatro hipóteses:

1ª) quando o executado não é localizado (novidade da Lei nº 14.195/2021);

2ª) quando não é localizado nenhum bem do devedor (não tem nada em seu nome);

3ª) quando são localizados bens, mas estes se classificam como impenhoráveis (exs: o executado tem uma casa em seu nome, mas é bem de família; o executado possui uma poupança com menos de 40 salários mínimos depositados);

4ª) quando até foram localizados bens do devedor que podem ser penhorados, mas se alienados, não pagarão nem as custas da execução, nos termos do art. 836 do CPC/2015 (ex: o executado possui uma mobilete, ano 1990).

 

Por quanto tempo este processo ficará suspenso?

O juiz suspenderá a execução pelo prazo de 1 ano.

Neste período de 1 ano, ficará suspensa também a prescrição (§ 1º do art. 921).

 

Para que essa suspensão?

É um prazo concedido pela lei para que o credor possa tomar providências para localizar o executado ou bens penhoráveis do devedor. Ex: diligenciar nos cartórios, nas redes sociais etc.

 

O que acontece se, neste período, for localizado algum bem penhorável?

Neste caso, os autos serão desarquivados para prosseguimento da execução (§ 3º do art. 921).

 

O que acontece se, passar esse prazo de 1 ano e não for localizado o executado ou bens penhoráveis do devedor?

A execução continuará suspensa. No entanto, o prazo prescricional voltará a correr.

Essa é uma novidade da Lei nº 14.195/2021:

· Antes: o termo inicial da prescrição intercorrente era o fim do prazo de 1 ano.

· Agora: o termo inicial da prescrição intercorrente é o dia em que o exequente teve ciência da primeira tentativa infrutífera de localização do devedor ou de bens penhoráveis. Vale ressaltar, contudo, que, durante o prazo de 1 ano, esse prazo da prescrição intercorrente – que já começou – fica suspenso.

 

CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Antes da Lei 14.195/2021

Depois da Lei 14.195/2021

Art. 921 (...)

4º Decorrido o prazo de que trata o § 1º sem manifestação do exequente, começa a correr o prazo de prescrição intercorrente.

Art. 921 (...)

§ 4º O termo inicial da prescrição no curso do processo será a ciência da primeira tentativa infrutífera de localização do devedor ou de bens penhoráveis, e será suspensa, por uma única vez, pelo prazo máximo previsto no § 1º deste artigo.

 

Qual é o prazo prescricional da prescrição intercorrente?

Irá variar de acordo com o que está sendo executado. Isso porque a execução prescreve no mesmo prazo de prescrição da ação (Súmula 150-STF).

Ex1: João ingressou com execução de uma nota promissória contra Pedro (emitente). O prazo para se ingressar com ação de execução de nota promissória é de 3 anos. Isso significa que o prazo da prescrição intercorrente na execução da nota também será de 3 anos. Logo, depois de não se localizarem bens de Pedro, este terá que esperar 4 anos para se livrar do processo (1 ano de suspensão da prescrição + 3 anos até prescrever).

Ex2: João ingressou com ação de indenização contra Pedro. O juiz condenou o réu a pagar R$ 100 mil. Houve o trânsito em julgado. O credor iniciou o cumprimento de sentença. Não foram localizados bens penhoráveis. O prazo para que a pessoa ingresse com ação de reparação civil é de 3 anos (art. 206, § 3º, V, do Código Civil). Isso significa que o prazo da prescrição intercorrente no cumprimento de sentença de uma condenação de reparação civil também será de 3 anos. Logo, depois de não se localizarem bens de Pedro, este terá que esperar 4 anos para se livrar do processo (1 ano de suspensão da prescrição + 3 anos até prescrever).

Daí ter sido editado o Enunciado 196-FPPC: O prazo de prescrição intercorrente é o mesmo da ação.

 

A Lei nº 14.195/2021 acrescentou um artigo no Código Civil prevendo expressamente a prescrição intercorrente e afirmando, conforme a doutrina e a jurisprudência já defendiam, que o seu prazo é o mesmo da pretensão:

Art. 206-A. A prescrição intercorrente observará o mesmo prazo de prescrição da pretensão, observadas as causas de impedimento, de suspensão e de interrupção da prescrição previstas neste Código e observado o disposto no art. 921 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).

 

Assim, o conteúdo do art. 206-A do Código Civil não se constitui propriamente em uma novidade, não acrescentando nada em relação ao que já prevalecia na doutrina e jurisprudência. Vale registrar, contudo, que se trata de algo importante porque, antes da Lei nº 14.195/2021 (oriunda da MP 1.040/2021), por incrível que pareça, a prescrição intercorrente não era prevista no Código Civil.

 

A prescrição intercorrente pode ser decretada de ofício ou depende de requerimento do executado?

Pode ser decretada de ofício. No entanto, antes de decretar, o juiz deverá intimar as partes para que se manifestem no prazo de 15 dias:

CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Antes da Lei 14.195/2021

Depois da Lei 14.195/2021

Art. 921 (...)

§ 5º O juiz, depois de ouvidas as partes, no prazo de 15 (quinze) dias, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição de que trata o § 4º e extinguir o processo.

Art. 921 (...)

§ 5º O juiz, depois de ouvidas as partes, no prazo de 15 (quinze) dias, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição no curso do processo e extingui-lo, sem ônus para as partes.

 

Repare na parte final acrescentada: “sem ônus para as partes”. O que o STJ dizia a respeito do tema?

Com base no princípio da causalidade, o executado que deveria arcar com o pagamento dos honorários e das custas processuais. Nesse sentido:

A prescrição intercorrente por ausência de localização de bens não retira o princípio da causalidade em desfavor do devedor, nem atrai a sucumbência para o exequente.

STJ. 4ª Turma. REsp 1769201/SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 12/03/2019.

 

E agora, depois da Lei nº 14.195/2021?

Não há mais o pagamento de custas nem honorários advocatícios:

 

A novel disposição é categórica: o reconhecimento da prescrição intercorrente acarreta a extinção do processo sem quaisquer ônus para as partes, seja a exequente ou a executada.

Dessa maneira, a prescrição não é mais motivada apenas pela inércia do exequente, seja em encontrar bens penhoráveis, seja em solicitar a prorrogação do prazo suspensivo, mas também pela ausência de localização do executado ou de bens sujeitos à penhora.

No caso, vislumbra-se, pois, hipótese singular: há processo, mas não há condenação em custas e honorários. Nesse sentido, é o ensinamento da doutrina:

“o CPC no momento traz uma situação inédita em que não há honorários para quaisquer das partes: no caso de extinção pela prescrição intercorrente, não haverá 'ônus para as partes'; ou seja, nenhuma parte pagará honorários ao patrono da outra – ou custas. Assim, simplesmente não há fixação de honorários, seja pela sucumbência, seja pela causalidade” (GAJARDONI, Fernando da F.; DELLORE, Luiz; ROQUE, Andre V.; [et al]. Comentários ao Código de Processo Civil [livro eletrônico]. São Paulo: Grupo GEN, 2022).

 

“a Lei 14.195/2021 passou a prever no dispositivo legal a inexistência de ônus às partes na hipótese de extinção por prescrição intercorrente. Trata-se de previsão que afasta a aplicação à hipótese da regra de sucumbência, impedindo que o exequente, mesmo tendo sucumbido, seja condenado ao pagamento de custas e honorários advocatícios. Por outro lado, isenta também o executado de tais pagamentos, o que, ao menos quanto às custas processuais, onera o exequente” (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Código de Processo Civil Comentado. 7. ed. São Paulo: Juspodivm, 2022. p. 920-921).

 

ADI 7055

Vale ressaltar que tramita no STF uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI 7.005/DF), por meio da qual se pede a declaração de inconstitucionalidade formal e material do art. 44 da Lei nº 14.195/2021, que dispõe sobre as alterações acerca da prescrição intercorrente.

Essa ADI encontra-se, desde 25/3/2022, conclusa ao Min. Relator Roberto Barroso.

Enquanto eventual inconstitucionalidade não for declarada, deve imperar a interpretação coerente com a legislação ora vigente.

 

Direito intertemporal

É muito relevante ainda estabelecer a partir de quando essa norma terá aplicabilidade.

Nos termos do art. 58, caput e V, da Lei nº 14.195/2021, o diploma legal entrou em vigor na data de sua publicação, ou seja, em 26/8/2021. Logo, as alterações promovidas no art. 921, § 5º do CPC começaram a produzir efeitos também no dia 26/08/2021.

O STJ já apreciou questão similar ao comparar os regramentos do CPC/1973 e CPC/2015 no que tange aos honorários sucumbenciais. No debate, assentou-se a premissa de que a legislação que trata de honorários advocatícios possui natureza híbrida (material-processual), uma vez que tem reflexos imediatos no direito substantivo da parte e de seu advogado. Assim sendo, não se mostra possível sua aplicação imediata e irrestrita aos processos em curso (REsp 1.113.175/DF, Corte Especial, DJe 7/8/2012).

No ponto, porém, firmou-se entendimento no sentido de que o marco temporal para a aplicação das regras sucumbenciais do novo diploma deve ser a data da prolação da sentença (ou ato jurisdicional equivalente, quando diante de processo de competência originária de Tribunal). Isso porque, tais atos correspondem ao “nascedouro do direito à percepção dos honorários advocatícios” (EAREsp 1.255.986/PR, Corte Especial, DJe 6/5/2019).

Antes da prolação da sentença, a parte tem apenas a expectativa do direito (REsp 729.021/RS, Quarta Turma, DJe 06/02/2015).

Por fim, importa salientar que o marco temporal fixado é unicamente para a análise dos honorários, e não para a averiguação da própria prescrição intercorrente.

No caso concreto apreciado pelo STJ, a sentença que reconheceu a prescrição foi prolatada em 04/10/2021, ou seja, depois da vigência da Lei nº 14.195/2021. Logo, deve-se aplicar a nova redação do art. 921, § 5º, do CPC, de maneira que nem o exequente nem o executado pagarão honorários advocatícios de sucumbência.


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