quinta-feira, 5 de janeiro de 2023

Em processo de apuração de ato infracional, é inadmissível ação rescisória proposta pelo Ministério Público visando a desconstituição de coisa julgada absolutória

 

Imagine a seguinte situação hipotética:

Lucas, adolescente, praticou ato infracional equiparado a tráfico de drogas.

O Promotor de Justiça ofereceu representação ao Juiz, propondo a instauração de procedimento para aplicação da medida socioeducativa (art. 182 do ECA) em face de Lucas.

A “representação” de que trata o ECA é como se fosse a “denúncia” do processo penal.

O juiz da Vara da Infância e da Juventude rejeitou a representação, por falta de justa causa, sob os fundamentos de que se cuidava de delito impossível, pela existência de flagrante preparado pela autoridade policial (Súmula 145 do STF), bem como pela falta de materialidade, porque não houve a apreensão de nenhuma droga.

O Parquet apelou, mas o recurso foi julgado intempestivo pelo Tribunal de Justiça.

Houve o trânsito em julgado.

Em seguida, o Ministério Público ajuizou ação rescisória contra a decisão absolutória.

 

Isso é possível? É cabível ação rescisória para desconstituir coisa julgada absolutória no procedimento de apuração de ato infracional?

NÃO.

Imagine que um réu adulto, em um processo penal, é absolvido da acusação que foi feita pelo Ministério Público. Essa sentença ou acórdão absolutórios transita em julgado. O Ministério Público poderá, em seguida, propor ação rescisória ou revisão criminal para desconstituir essa absolvição? Não. Isso porque é possível o ajuizamento de revisão criminal para a desconstituição de decisões condenatórias.

Essa mesma conclusão deve ser adotada aqui.

Embora as medidas socioeducativas tenham natureza pedagógica, é inegável que possuem, igualmente, caráter sancionador e punitivo. Tanto é assim, que a sua imposição depende da comprovação da prática de ato infracional, feita por meio de processo judicial, no qual devem ser observadas as garantias do devido processo legal e do contraditório.

A admissão de ação rescisória, proposta pelo Ministério Público, visando a rescisão da coisa julgada absolutória formada no processo de apuração de ato infracional, colocaria o menor em situação mais gravosa do que o adulto, o que não é admitido.

O art. 152 do ECA prevê que estatui que as normas gerais da legislação processual são aplicáveis aos procedimentos de apuração de ato infracional subsidiariamente.

No caso de processo para apuração de ato infracional, as regras subsidiárias a serem aplicadas ao ECA, são aquelas relativas ao Código de Processo Penal que estabelece, em seus arts. 621 e 626, que a revisão criminal é cabível tão-somente contra sentença condenatória e que o julgamento proferido na revisional nunca pode agravar a situação do condenado.

No caso, o Juízo da Vara da Infância e da Juventude rejeitou a representação imputando a prática de ato infracional equiparado ao tráfico de drogas, por falta de justa causa, sob os fundamentos de que se cuidava de delito impossível, pela existência de flagrante preparado pela autoridade policial (Súmula 145 do Supremo Tribunal Federal), bem assim em razão da falta de materialidade, porque não houve a apreensão de nenhuma droga. O Parquet apelou, mas o recurso foi julgado intempestivo, em acórdão que transitou em julgado.

Não obstante o Ministério Público afirme que a intenção seria proteger e educar o menor, que é vulnerável, observa-se que o real escopo da ação rescisória é reabrir a discussão acerca da prática do ato infracional e aplicar ao menor, medida socioeducativa por fato em relação ao qual foi definitivamente absolvido, mostrando-se indevida a tentativa de usar a vulnerabilidade do menor em seu próprio desfavor.

 

Em suma:



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