quarta-feira, 29 de março de 2017

O STF, ao julgar ações de controle abstrato de constitucionalidade, não está vinculado aos fundamentos jurídicos invocados pelo autor



Imagine a seguinte situação:
O Paraná editou a Lei nº 15.054/2006 prevendo que as empresas privadas que aderissem a um determinado programa de geração de empregos no Estado teriam direito a vantagens no parcelamento de débitos do ICMS.
Vale ressaltar que esta Lei foi de iniciativa parlamentar.

ADI
O Governador do Estado ajuizou ADI alegando que a referida lei seria:
a) formalmente inconstitucional por vício de iniciativa;
b) materialmente inconstitucional por ofensa ao princípio da isonomia;

O STF rejeitou esses dois argumentos, mas resolveu declarar a Lei inconstitucional com base em um terceiro fundamento que não foi alegado pelo autor da ADI: o de que a Lei violou o art. 155, § 2º, XII, “g”, da CF/88, que prevê que qualquer benefício fiscal relacionado com ICMS somente pode ser concedido após deliberação dos Estados.

Isso é possível? O STF poderá declarar uma lei inconstitucional com base em outro fundamento jurídico que não foi alegado pelo autor da ADI?
SIM.

O STF, ao julgar as ações de controle abstrato de constitucionalidade, não está vinculado aos fundamentos jurídicos invocados pelo autor.
Assim, pode-se dizer que na ADI, ADC e ADPF, a causa de pedir (causa petendi) é aberta.
Isso significa que todo e qualquer dispositivo da Constituição Federal ou do restante do bloco de constitucionalidade poderá ser utilizado pelo STF como fundamento jurídico para declarar uma lei ou ato normativo inconstitucional.
STF. Plenário. ADI 3796/PR, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 8/3/2017 (Info 856).

Por outro lado, pelo fato de a causa de pedir ser aberta, se o STF julgar improcedente uma ADI, isso quer dizer que o Tribunal afirmou que a lei impugnada não violou nenhum dispositivo da Constituição Federal, quer tenha sido invocado pelo autor ou não (STF. 1ª Turma. RE 372535 AgR-ED, Rel. Min. Carlos Britto, julgado em 09/10/2007).

Veja como Nathalia Masson explica o tema:
"Quanto aos fundamentos, não vale a regra da adstrição. Isso significa que o Supremo Tribunal não se vincula aos fundamentos jurídicos apresentados na peça inaugural, de forma que a causa de pedir pode ser considerada aberta. Assim, o legitimado ativo está obrigado a apresentar a fundamentação do seu pedido, sob pena de, não o fazendo, a Corte não conhecer a ação direta; todavia a Corte pode julgar com base em fundamentos diversos. Para ilustrar, imaginemos que o legitimado ativo ingresse com uma ADI alegando a inconstitucionalidade da lei "X", que instituiu um tributo, ao argumento de que ela violou o princípio da legalidade. O STF decide-se pela procedência do pedido, no entanto, por fundamento diverso: a lei em análise não afetou o princípio da legalidade, ao contrário, é inconstitucional por ofensa ao princípio da anterioridade tributária.
É importante reconhecer a necessidade de a Corre percorrer todos os dispositivos constitucionais para decidir, afinal, quando ela afirma que uma determinada lei é constitucional, isso importa no reconhecimento de sua compatibilidade com rodos os preceitos da Constituição. Por isso, não basta que o STF avalie somente os fundamentos apresentados pelo autor, eis que a lei não pode ser considerada constitucional só porque não ofende o parâmetro indicado pelo legitimado ativo nos fundamentos: ela é constitucional somente se além de não ofender o parâmetro constitucional indicado pelo legitimado, não ofender também nenhum outro dispositivo constitucional." (MASSON, Nathalia. Manual de Direito Constitucional. 3ª ed., Salvador: Juspodivm, 2015, p. 1106-1107).


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