segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

Não é ilegal a terceirização de serviços jurídicos pela Caixa Econômica Federal



A situação concreta foi a seguinte:
O Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública contra a Caixa Econômica Federal (empresa pública federal) pedindo que ela seja proibida de terceirizar a sua atividade jurídica, isto é, que seja proibida de contratar escritórios de advocacia para fazer a sua defesa jurídica.
Para o MPF, a defesa jurídica da Caixa Econômica deve ser feita exclusivamente por seu quadro próprio de advogados, admitidos mediante concurso público.

A tese do MPF foi acolhida pelo STJ?
NÃO.

Terceirização
Terceirização é um processo de gestão empresarial, na qual um “terceiro” assume algumas atividades de uma empresa, sem a necessidade de constituição de vínculo trabalhista entre a empresa que terceiriza e
os empregados da empresa que oferece mão-de-obra, como terceirizada. Em outras palavras, transferem-se para terceiros certos serviços, que, originalmente, seriam executados dentro da própria empresa contratante.
“Ocorre a terceirização quando uma empresa, em vez de executar serviços diretamente com seus empregados, contrata outra empresa para que esta os realize, com o seu pessoal sob a sua responsabilidade. O empregado é contratado pela empresa intermediadora (empregadora), mas presta serviços em outro local (empresa tomadora).” (CORREIA, Henrique. Direito do Trabalho para concursos de analista do TRT, TST e MPU. Salvador: Juspodivm, 2018, p. 360).
Desse modo, terceirizar significa transferir uma ou mais atividades da empresa para que sejam realizados por outra empresa.

Em regra, a CEF é obrigada a fazer concurso público para a contratação de seus empregados?
SIM. Existe uma súmula do TCU sobre o tema:
Súmula 231-TCU: A exigência de concurso público para admissão de pessoal se estende a toda a Administração Indireta, nela compreendidas as Autarquias, as Fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, as Sociedades de Economia Mista, as Empresas Públicas e, ainda, as demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, mesmo que visem a objetivos estritamente econômicos, em regime de competitividade com a iniciativa privada.

Vale ressaltar, contudo, que o fato de a admissão de empregado, em seu quadro de pessoal, dever ser feita mediante concurso público, não inviabiliza a contratação, pela CEF, de terceirizados.

Finalidade da CEF
A CEF é uma empresa pública criada para funcionar como instituição financeira. Sua atividade principal, portanto, não é de natureza jurídica.
As atividades jurídicas envolvendo a CEF, embora importantes para a consecução dos seus objetivos, não são consideradas como sua atividade-fim. A atividade-fim da referida empresa é a prestação de serviços bancários.
A CEF é uma instituição financeira que visa o lucro. Assim, ainda que a contratação de seus empregados deva ser feita mediante aprovação em concurso público, por força de norma constitucional, não há como proibir a terceirização, especialmente em épocas nas quais a CEF possui uma demanda bastante elevada, e comumente sazonal, de serviços jurídicos.

Terceirização é necessária para que a CEF possa manter sua competitividade em relação aos demais bancos
A CEF, como empresa pública inserida no cenário econômico, sujeito à concorrência com outros bancos, não pode ser impedida, mesmo observada a necessidade de admitir empregados de seu quadro de pessoal mediante concurso público, de lançar mão, em determinadas situações, dessa ferramenta gerencial, mesmo porque o art. 173, § 1º, II, da CF/88 afirma que a empresa pública que explore atividade econômica sujeita-se ao regime próprio das empresas privadas:
Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.
§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre:
(...)
II - a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários;

Dentro dos serviços jurídicos que a CEF necessita, certamente haverá aqueles de alta complexidade e que se vinculam a questões estratégicas da instituição, mas também haverá os padronizados e de simples execução, segundo normas e orientações previamente estabelecidas.
Assim, tanto a realização de concurso público para provimento de emprego de advogado, quanto a terceirização, mediante contratação de escritórios de advocacia, são alternativas legais à CEF, e em conformidade com a moralidade administrativa. O que se exige é que essa decisão seja tomada levando-se em consideração o princípio da economicidade, especialmente considerando-se ser a CEF uma empresa pública, que, por definição, visa o lucro e à qual devem ser garantidas condições de manter-se no mercado
concorrencial em que se insere.
Limitar a atividade da advocacia, dentro da Caixa Econômica Federal, somente permitindo que ela atue com profissionais concursados é retirar a capacidade concorrencial da Caixa. 

Recentes novidades legislativas
As conclusões acima foram reforçadas por recentes novidades legislativas que permitiram a terceirização inclusive de atividades-fim das empresas.

Lei nº 13.429/2017
Em março de 2017, foi editada a Lei nº 13.429/2017, com o objetivo de regulamentar o trabalho temporário e a terceirização.
“A Lei nº 13.429/2017 não restringiu os serviços passíveis de terceirização apenas à atividade-meio da empresa, o que levou à interpretação de que havia sido autorizada a terceirização nas atividades-fim das empresas, inclusive pelos debates dos parlamentares que antecederam a votação do projeto. Apesar da ampla possibilidade de terceirização, a legislação era omissa quanto à possibilidade de terceirização da atividade-fim e gerava insegurança jurídica, pois a imprecisão da norma em admitir (ou não) a terceirização em atividade-fim levava à discussão sobre sua permissão ou não no ordenamento jurídico.” (CORREIA, Henrique. Direito do Trabalho para concursos de analista do TRT, TST e MPU. Salvador: Juspodivm, 2018, p. 360).

Lei nº 13.467/2017
Em julho de 2017, foi editada a Lei nº 13.467/2017, a chamada Reforma Trabalhista, que também tratou sobre alguns pontos da terceirização que ainda precisavam ser esclarecidos.
A Lei nº 13.467/2017 foi expressa ao dizer que a terceirização abrange quaisquer atividades da empresa contratante, inclusive sua atividade principal (atividade-fim).
Desse modo, não há mais qualquer dúvida de que com essa Lei passou a ser permitida a terceirização de atividades-fim da empresa, de forma que a Lei teve como objetivo superar o entendimento jurisprudencial da Súmula 331 do TST.

Em suma:
A Caixa Econômica Federal, embora vinculada como empresa pública ao Estado, executa uma atividade econômica em ambiente de concorrência.
A terceirização pela Caixa Econômica Federal dos serviços jurídicos não se revela ilegal, considerando que esses serviços não estão relacionados com a atividade-fim da empresa.
STJ. 2ª Turma. REsp 1.318.740-PR, Rel. Min. Herman Benjamin, Rel. Acd. Min. Og Fernandes, julgado em 16/10/2018 (Info 659).




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