domingo, 7 de novembro de 2021

Incidem IRPJ e CSLL sobre os juros decorrentes da mora na devolução de valores determinada em ação de repetição do indébito tributário?

 

REPETIÇÃO DE INDÉBITO E TAXA SELIC

Ação de repetição de indébito (ou ação de restituição de indébito)

É a ação na qual o requerente pleiteia a devolução de determinada quantia que pagou indevidamente.

A ação de repetição de indébito, ao contrário do que muitos pensam, não é restrita ao direito tributário. Assim, por exemplo, se um consumidor é cobrado pelo fornecedor e paga um valor que não era devido, poderá ingressar com ação de repetição de indébito para pleitear valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável (art. 42, parágrafo único do CDC).

No âmbito tributário, o contribuinte que pagar tributo indevido (exs: pagou duas vezes, pagou imposto que era inconstitucional, houve erro na alíquota etc.) terá direito à repetição de indébito, ou seja, poderá ajuizar ação cobrando a devolução daquilo que foi pago.

As hipóteses em que o contribuinte terá direito à repetição de indébito, no âmbito tributário, estão previstas no art. 165 do CTN:

Art. 165. O sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, ressalvado o disposto no § 4º do artigo 162, nos seguintes casos:

I - cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido;

II - erro na edificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável, no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao pagamento;

III - reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória.

 

O mencionado art. 165 afirma que o sujeito passivo tem direito à restituição, independentemente de prévio protesto (isto é, mesmo que na hora de pagar não tenha “reclamado” do tributo indevido ou tenha feito qualquer ressalva; não interessa o estado de espírito do sujeito passivo no momento do pagamento, ou seja, se sabia ou não que o pagamento era indevido). Pagou indevidamente, tem direito de receber de volta a fim de evitar o enriquecimento sem causa da outra parte (no caso, o Fisco).

 

O valor que será devolvido ao sujeito passivo deverá ser acrescido de juros moratórios e correção monetária?

SIM. Na repetição de indébito, o contribuinte deverá receber de volta o valor principal que foi pago, acrescido de juros moratórios e correção monetária pelo tempo que ficou sem o dinheiro.

 

Surge agora outra pergunta: qual é a taxa de juros de mora que deverá ser aplicada na repetição de indébito?

Nas repetições de indébito, a taxa de juros a ser aplicada em favor do sujeito passivo é a mesma que a lei prevê que o Fisco poderá cobrar do contribuinte em caso de tributo atrasado.

Ex: no âmbito federal, se o contribuinte deixar de recolher o tributo no dia do vencimento, ele terá que pagá-lo com juros de mora. A lei determina que a taxa de juros é a SELIC. Isso significa que, se o sujeito passivo pagar determinado tributo federal e, posteriormente, constatar-se que era indevido, ele terá direito à repetição de indébito, recebendo de volta o valor que pagou mais juros de mora. A taxa de juros dessa restituição também será a SELIC. Trata-se de aplicação do princípio da isonomia: ora, se é exigido do contribuinte que pague os juros com o índice SELIC, quando ele for receber, também deverá ser assegurado a ele o mesmo tratamento (receber com SELIC).

 

Fundamento legal da SELIC no âmbito federal

O fundamento legal para a aplicação da taxa SELIC na cobrança de tributos federais é a Lei nº 9.065/95.

A utilização da SELIC em caso de restituição de tributos (repetição de indébito) foi determinada pela Lei nº 9.250/95.

 

Em caso de repetição de indébito de tributos ESTADUAIS, aplica-se também a SELIC?

Depende. O legislador estadual tem liberdade para prever o índice de juros em caso de atraso no pagamento dos tributos estaduais. Ex: o legislador pode dizer que é 1% ao mês (e não a SELIC). Quanto às repetições de indébito de tributos estaduais, vale o mesmo entendimento exposto na pergunta anterior: a taxa de juros a ser aplicada em favor do sujeito passivo será a mesma que a lei estadual prevê que o Fisco estadual poderá cobrar do contribuinte em caso tributo atrasado. Em outras palavras, a taxa de juros de mora incidente na repetição de indébito de tributos estaduais deve corresponder à utilizada para cobrança do tributo pago em atraso. Logo, se a lei estadual prevê que na cobrança do tributo em atraso incidirá a taxa de juros de 1% ao mês, a taxa de juros na repetição de indébito será também de 1% ao mês.

 

A lei estadual poderá fixar a SELIC como taxa de juros?

SIM. Será possível que incida a SELIC tanto para a cobrança do tributo em atraso, como também no caso da ação de repetição de indébito. Para isso, no entanto, é necessário que a lei estadual (legislação local) preveja. Ex: no Estado de São Paulo, o art. 1º da Lei Estadual 10.175/98 prevê a aplicação da taxa SELIC sobre impostos estaduais pagos com atraso, o que impõe a adoção da mesma taxa na repetição do indébito.

Súmula 523-STJ: A taxa de juros de mora incidente na repetição de indébito de tributos estaduais deve corresponder à utilizada para cobrança do tributo pago em atraso, sendo legítima a incidência da taxa Selic, em ambas as hipóteses, quando prevista na legislação local, vedada sua cumulação com quaisquer outros índices.

 

Por que a súmula diz que a SELIC não pode ser cumulada com quaisquer outros índices?

Porque a SELIC é um tipo de índice de juros moratórios que já abrange juros e correção monetária. Como assim? No cálculo da SELIC (em sua “fórmula matemática”), além de um percentual a título de juros moratórios, já é embutida a taxa de inflação estimada para o período (correção monetária).

Em outras palavras, a SELIC é uma espécie de índice que engloba juros e correção monetária. Logo, se o credor exigir a SELIC e mais a correção monetária, ele estará cobrando duas vezes a correção monetária, o que configura bis in idem.

Por isso, o STJ afirma que, se a lei estadual prevê a aplicação da SELIC, é proibida a sua cobrança cumulada com quaisquer outros índices, seja de atualização monetária (correção monetária), seja de juros. Basta a SELIC.

 

De quanto é o percentual da taxa SELIC?

Depende. A SELIC é uma taxa estabelecida pelo Comitê de Política Monetária (COPOM) com base em uma fórmula matemática que leva em consideração diversas variáveis. Desse modo, a taxa SELIC normalmente é variável, não sendo um percentual fixo.

Vale ressaltar que o COPOM é um comitê composto pela Diretoria Colegiada do Banco Central e, com base nas metas que o órgão tiver para a economia brasileira, os dados que alimentam essa fórmula de cálculo da SELIC irão variar. Ex.: o BACEN tem procurado incentivar o crédito no país, por isso, a taxa SELIC vem sofrendo um processo de redução. Quando o governo deseja conter a inflação, normalmente se vale do aumento da taxa SELIC para frear o consumo.

 

REPETIÇÃO DE INDÉBITO E TAXA SELIC

Imposto de Renda sobre Pessoa Jurídica (IRPJ)

IRPJ é a sigla para Imposto de Renda de Pessoa Jurídica.

A base de cálculo do IRPJ é o montante, real, arbitrado ou presumido, da renda ou dos proventos tributáveis (art. 44 do CTN).

Em outras palavras, a base de cálculo do IRPJ é o lucro (real, presumido ou arbitrado) correspondente ao período de apuração.

 

Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL)

Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) é um tributo federal instituído pela Lei nº 7.689/88.

O fato gerador é o lucro das pessoas jurídicas (por isso, é assemelhado ao IRPJ).

Segundo a Lei que rege a CSLL, a base de cálculo dessa contribuição “é o valor do resultado do exercício, antes da provisão para o imposto de renda” (art. 2º da Lei nº 7.689/88).

Desse modo, a base de cálculo da CSLL também é o lucro, mas apurado antes da provisão para o IRPJ.

Base de cálculo negativa do CSLL: ocorre quando a soma das despesas e exclusões é maior que a soma das receitas e adições. Sem rigor técnico, mas apenas para você entender melhor: ocorre quando a pessoa jurídica tem “prejuízo”.

 

Imagine que a pessoa jurídica recebe de volta um tributo federal que havia sido indevidamente cobrado (repetição de indébito). O valor principal recebido é acrescido de juros e correção monetária. Tais consectários (juros e correção) são pagos mediante a aplicação da SELIC. Diante disso, indaga-se: o contribuinte deverá pagar IRPJ e CSLL sobre tais valores?

NÃO.

Os valores relativos à taxa Selic recebidos pelo contribuinte na repetição de indébito tributário não compõem a base de incidência do Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) ou da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).

STF. Plenário. RE 1063187/SC, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 24/9/2021 (Repercussão Geral – Tema 962) (Info 1031).

 

Para incidir IRPJ e CSLL é indispensável a ocorrência de acréscimo patrimonial

A materialidade do imposto de renda está relacionada à existência de acréscimo patrimonial.

Assim, só haverá incidência de imposto de renda se houver acréscimo patrimonial, pois o CTN adotou expressamente o conceito de renda como acréscimo.

O mesmo raciocínio se aplica para a CSLL. O fato gerador dessa Contribuição é o lucro das pessoas jurídicas (por isso, é assemelhado ao IRPJ). Segundo explica Leandro Paulsen, lucro, para efeito do tributo em tela, “é o acréscimo patrimonial decorrente do exercício da atividade da empresa ou entidade equiparada”.

Assim, tendo em vista que tanto o IRPJ quanto a CSLL não podem incidir sobre o que não constitui acréscimo patrimonial, mostra-se necessário verificar se os juros de mora legais constituem ou não acréscimo patrimonial, lembrando que estão eles abrangidos pela taxa Selic.

 

Natureza dos juros de mora

A expressão “juros moratórios” designa a indenização pelo atraso no pagamento da dívida em dinheiro.

Os juros de mora possuem natureza indenizatória. Isso fica demonstrado ao se analisar o art. 16, parágrafo único, da Lei nº 4.506/64, que classifica como rendimentos de trabalho assalariado “os juros de mora e quaisquer outras indenizações pagas pelo atraso no pagamento das remunerações previstas neste artigo”.

Ao se referir aos juros de mora e “outras indenizações”, o legislador deixou implícito o reconhecimento de que os juros de mora consistem em indenização.

É comum ouvirmos que sobre verbas indenizatórias não incide imposto de renda. Essa afirmação não é inteiramente verdadeira. Os lucros cessantes possuem natureza de indenização. Apesar disso, sobre eles incide Imposto de Renda. O que interessa para saber se incide ou não o IR é a obtenção de riqueza nova, ou seja, a ocorrência de acréscimo patrimonial.

(...) mesmo que caracterizada a natureza indenizatória do quantum recebido, ainda assim incide Imposto de Renda, se der ensejo a acréscimo patrimonial, como ocorre na hipótese de lucros cessantes. (...)

STJ. 1ª Seção. EREsp 695.499/RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 09/05/2007.

 

Essa parece ser também a posição do Min. Dias Toffoli:

“A meu ver, o imposto de renda pode, em tese, alcançar os valores relativos a lucros cessantes, mas não os relativos a danos emergentes.”

 

Assim, é fundamental definir a natureza dos juros de mora legais (Selic) devidos na repetição de indébito:

· se forem considerados lucros cessantes: estarão sujeitos ao imposto de renda e à CSLL;

· se forem considerados danos emergentes: não haverá incidência desses tributos.

 

O valor recebido a título de juros de mora legais (Selic) na repetição do indébito tributário constitui-se em lucros cessantes ou danos emergentes?

Danos emergentes.

Os juros de mora legais não representam riqueza nova para o credor, uma vez que têm por finalidade apenas reparar as perdas que o lesado sofreu.

Assim, os juros de mora estão fora do campo de incidência do imposto de renda e da CSLL, pois visam, precipuamente, a recompor efetivas perdas não implicando aumento de patrimônio do credor.

Os juros de mora legais têm por objetivo recompor, de modo estimado, os gastos a mais que o credor precisou suportar (custos com a obtenção de linhas de créditos, multas etc.), em razão do atraso no pagamento da verba a que tinha direito. Trata-se, portanto, da recomposição de uma efetiva perda patrimonial que ele já sofreu.

Para ser aceita a ideia de que os juros de mora legais possuem a natureza de lucros cessantes, seria necessário pressupor que o credor normalmente aplicaria, durante todo o período em atraso, a integralidade das verbas não recebidas em algum investimento que lhe gerasse renda na mesma porcentagem da taxa Selic. Considerando as inúmeras realidades das pessoas jurídicas existentes, as quais podem se afigurar não só como sociedades empresárias comuns, mas também como fundações, associações sem fins lucrativos, sociedades simples, microempresas, empresas de pequeno porte, empresas individuais de responsabilidade limitada etc., não parece razoável pressupor tal entendimento.

 

 

Correção monetária também é acréscimo patrimonial

O valor recebido a título de correção monetária está sujeito à incidência de IRPJ ou CSLL. Isso porque a correção monetária não representa acréscimo ao valor devido, mas mera recomposição inflacionária.

 

Tese fixada pelo STF:

É inconstitucional a incidência do IRPJ e da CSLL sobre os valores atinentes à taxa Selic recebidos em razão de repetição de indébito tributário.

STF. Plenário. RE 1063187/SC, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 24/9/2021 (Repercussão Geral – Tema 962) (Info 1031).

 

Com base nesse entendimento, o Plenário, por unanimidade, ao julgar o Tema 962 da repercussão geral, negou provimento ao recurso extraordinário para dar interpretação conforme à Constituição Federal ao § 1º do art. 3º da Lei nº 7.713/88), ao art. 17 do Decreto-Lei nº 1.598/1977 e ao art. 43, II e § 1º, do CTN, de modo a excluir do âmbito de aplicação desses dispositivos a incidência do imposto de renda e da CSLL sobre a taxa Selic recebida pelo contribuinte na repetição de indébito tributário.

 

O STJ tinha posição em sentido contrário

O STJ tinha decidido que incidem IRPJ e CSLL sobre os juros decorrentes da mora na devolução de valores determinada em ação de repetição do indébito tributário:

(...) 3. Quanto aos juros incidentes na repetição do indébito tributário, inobstante a constatação de se tratarem de juros moratórios, se encontram dentro da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, dada a sua natureza de lucros cessantes, compondo o lucro operacional da empresa a teor art. 17, do Decreto-lei n. 1.598/77, em cuja redação se espelhou o art. 373, do Decreto n. 3.000/99 - RIR/99, assim como o art. 9º, §2º, do Decreto-Lei nº 1.381/74 e art. 161, IV do RIR/99, estes últimos explícitos quanto à tributação dos juros de mora em relação às empresas individuais. (...)

STJ. 1ª Seção. REsp 1138695/SC, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 22/05/2013 (Recurso Repetitivo – Tema 504).

 

Como o STF decidiu que essa interpretação é inconstitucional, cabe à Corte a última palavra sobre o tema, de sorte que o STJ terá que mudar de posição e se adequar ao novo entendimento.


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