sábado, 21 de maio de 2022

O reconhecimento de que o réu, condenado pelo crime de corrupção de testemunha, praticou ato incompatível com o cargo de policial militar, é fundamento válido para a decretação da perda do cargo público

 

O art. 92, I, do CP prevê, como efeito extrapenal específico da condenação, o seguinte:

Art. 92. São também efeitos da condenação:

I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo:

a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública;

b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos.

(....)

 

Os efeitos previstos no art. 92, I, do CP são automáticos? Em outras palavras, sempre que houver condenação e forem aplicadas as penas previstas nas alíneas “a” e “b”, haverá a perda do cargo?

NÃO. Para que esse efeito da condenação seja aplicado, é indispensável que a decisão condenatória motive concretamente a necessidade da perda do cargo, emprego, função ou mandato eletivo.

O parágrafo único do art. 92 expressamente afirma isso:

Art. 92 (...) Parágrafo único. Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença.

 

Imagine agora a seguinte situação adaptada:

João, capitão da Policial Militar, foi acusado de corromper testemunha que iria depor em processo penal no qual ele figurava como réu.

Após a regular instrução penal, ele foi condenado pela prática do crime previsto no art. 343, parágrafo único, do Código Penal:

Art. 343. Dar, oferecer ou prometer dinheiro ou qualquer outra vantagem a testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete, para fazer afirmação falsa, negar ou calar a verdade em depoimento, perícia, cálculos, tradução ou interpretação:

Pena - reclusão, de três a quatro anos, e multa.

Parágrafo único. As penas aumentam-se de um sexto a um terço, se o crime é cometido com o fim de obter prova destinada a produzir efeito em processo penal ou em processo civil em que for parte entidade da administração pública direta ou indireta.

 

O juiz aplicou a pena de 3 anos e 9 meses de reclusão, em regime aberto, tendo sido decretada, ainda, a perda do cargo público, nos termos do art. 92, I, “a”, do Código Penal.

Para fundamentar a perda do cargo, o magistrado assim se manifestou:

“Como decorrência da condenação, aplico ainda ao réu, em atenção ao que prevê o art. 92, inciso I, “a”, do CP, a perda do cargo público de capitão da Polícia Militar, por ter sido praticado crime em clara violação de dever para com a Administração Pública, em nome de quem deveria agir com a finalidade de resguardar a sociedade contra a prática de ações delituosas.”

 

A fundamentação utilizada foi válida?

SIM.

O STJ reconheceu que o juízo apresentou fundamentação válida para a aplicação do art. 92, I, “a”, do Código Penal, asseverando que houve clara violação de dever para com a Administração Pública por parte do sentenciado, que restou condenado por corromper testemunha que iria depor em processo penal no qual figurava como réu, ato que, de fato, é incompatível com o cargo de policial militar.

Com efeito, o reconhecimento de que o réu praticou ato incompatível com o cargo por ele ocupado é fundamento suficiente para a decretação do efeito extrapenal de perda do cargo público (AgRg no REsp n. 1.613.927/RS, Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe 30/09/2016).

 

Em suma:

O reconhecimento de que o réu, condenado pelo crime de corrupção de testemunha, praticou ato incompatível com o cargo de policial militar, é fundamento válido para a decretação da perda do cargo público.

STJ. 6ª Turma. HC 710.966-SE, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 15/03/2022 (Info 731).


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