quarta-feira, 25 de maio de 2022

O réu tem um mandado de prisão preventiva contra si expedido. Ele está foragido. Mesmo assim o juiz é obrigado a fazer a revisão periódica da necessidade da prisão (art. 316, parágrafo único, do CPP)?

Revisão periódica da necessidade da prisão preventiva: o parágrafo único do art. 316 do CPP

A prisão preventiva é decretada sem prazo determinado. Contudo, a Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime) alterou o CPP para impor a obrigação de que o juízo que ordenou a custódia, a cada 90 dias, profira uma nova decisão analisando se ainda está presente a necessidade da medida.

Trata-se do novo parágrafo único do art. 316 do CPP:

Art. 316 (...) Parágrafo único. Decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal.

 

Imagine agora a seguinte situação hipotética:

O juiz decretou a prisão preventiva de João.

O mandado de prisão não foi cumprido porque João fugiu e não foi encontrado.

Depois de 90 dias a defesa impetrou habeas corpus afirmando que a prisão se tornou ilegal porque o magistrado não proferiu nova decisão analisando a necessidade, ou não, de manutenção da custódia cautelar.

A defesa alegou que existe a obrigação do Juízo processante de revisar, ex officio, a cada 90 dias, os fundamentos da prisão preventiva, mesmo no caso em que o acusado encontra-se foragido.

A defesa apontou dois argumentos para fundamentar sua tese:

• o texto do art. 316, parágrafo único, do CPP afirma literalmente que deverá ocorrer a revisão da custódia quando “Decretada” (e não quando efetivamente cumprida) a prisão;

• a simples existência de um mandado de prisão, mesmo que não cumprido, implica constrangimento ao seu destinatário e, como nenhum constrangimento pode durar indefinidamente – notadamente, quando fundamentado em razões acautelatórias –, o decreto preventivo deveria ser revisto periodicamente, enquanto subsistir.

 

Os argumentos da defesa foram acolhidos pelo STJ? Existe a obrigação do Juízo processante de revisar, ex officio, a cada 90 dias, os fundamentos da prisão preventiva, no caso em que o acusado encontra-se foragido?

NÃO. Não existe o dever de revisão previsto art. 316, parágrafo único, do CPP, caso o acusado esteja foragido.

 

No caso concreto, é necessário fazer uma interpretação teleológica de viés objetivo

A finalidade do dispositivo é a de evitar o gravíssimo constrangimento experimentado por quem está com efetiva restrição à sua liberdade, ou seja, por quem está passando pelo constrangimento da efetiva prisão, que é muito maior do que aquele que advém da simples ameaça de prisão.

Somente o gravíssimo constrangimento causado pela efetiva prisão justifica o elevado custo despendido pela máquina pública com a promoção desses numerosos reexames impostos pela lei.

Não seria razoável ou proporcional obrigar todos os Juízos criminais do país a revisar, de ofício, a cada 90 dias, todas as prisões preventivas decretadas e não cumpridas, tendo em vista que, na prática, há réus que permanecem foragidos por anos.

Se, por exemplo, um réu ficasse foragido por 15 anos, o Juízo processante seria obrigado a reexaminar, de ofício, a prisão, quase 60 vezes. E mais: esse mesmo Juízo teria de fazê-lo em um sem número de processos, cujas prisões foram decretadas e não cumpridas.

Como lembra Guilherme de Souza Nucci, “o objetivo principal desse parágrafo [do art. 316 do CPP] se liga ao juízo de primeiro grau, buscando-se garantir que o processo, com réu preso, tenha uma rápida instrução para um término breve” (Código de Processo Penal comentado [e-book]. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021).

Soma-se a isso o fato de que, se o acusado – que tem ciência da investigação ou processo e contra quem foi decretada a prisão preventiva – encontra-se foragido, já se vislumbram, antes mesmo de qualquer reexame da prisão, fundamentos para mantê-la – quais sejam, a necessidade de assegurar a aplicação da lei penal e a garantia da instrução criminal –, os quais, aliás, conservar-se-ão enquanto perdurar a condição de foragido do acusado.

Assim, pragmaticamente, parece pouco efetivo para a proteção do acusado, obrigar o Juízo processante a reexaminar a prisão, de ofício, a cada 90 dias, nada impedindo, contudo, que a defesa protocole pedidos de revogação ou relaxamento da custódia, quando entender necessário.

 

Em suma:

Quando o acusado encontrar-se foragido, não há o dever de revisão ex officio da prisão preventiva, a cada 90 dias, exigida pelo art. 316, parágrafo único, do Código de Processo Penal.

STJ. 5ª Turma. RHC 153.528-SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 29/03/2022 (Info 731).

 

 


Print Friendly and PDF