sexta-feira, 19 de agosto de 2022

Ficha de cadastro de trabalhadores emitida em nome de trabalhador rural em data anterior ao ajuizamento de demanda com pedido de aposentadoria rural configura documento novo apto a demonstrar o início de prova material

 

O trabalhador rural, denominado “boia-fria”, pode comprovar o seu tempo de serviço como rurícola com base apenas em testemunhas?

NÃO. Aplica-se a Súmula 149/STJ também aos “boias-frias”.

Súmula 149-STJ: A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário.

 

Assim, a prova exclusivamente testemunhal é insuficiente para comprovação da atividade laborativa do trabalhador rural, sendo indispensável que ela venha corroborada por razoável início de prova material, conforme exige o art. 55, § 3º, da Lei n. 8.213/1991:

Art. 55 (...)

§ 3º A comprovação do tempo de serviço para os fins desta Lei, inclusive mediante justificativa administrativa ou judicial, observado o disposto no art. 108 desta Lei, só produzirá efeito quando for baseada em início de prova material contemporânea dos fatos, não admitida a prova exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, na forma prevista no regulamento. (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)

 

E o boia-fria pode apresentar prova material de apenas uma parte do tempo de serviço e se valer de testemunhas para comprovar o restante?

SIM. Pode haver a apresentação de prova material de apenas parte do lapso temporal, de forma que a prova material é complementada por prova testemunhal idônea.

Não é imperativo que o início de prova material diga respeito a todo o período de carência estabelecido pelo art. 143 da Lei nº 8.213/91, desde que a prova testemunhal amplie sua eficácia probatória, vinculando-o, pelo menos, a uma fração daquele período (AgRg no REsp 1326080/PR).

 

Qual é o rol de documentos hábeis à comprovação do exercício de atividade rural?

Essa relação encontra-se prevista no art. 106 da Lei nº 8.213/91.

 

Esse rol de documentos é taxativo ou o requerente pode se valer de outros tipos de documento?

Trata-se de rol meramente exemplificativo, e não taxativo, sendo admissíveis, portanto, outros documentos além dos previstos no mencionado dispositivo.

O que foi explicado acima restou decidido no REsp 1.321.493/PR (Tema 554):

(...) 3. Aplica-se a Súmula 149/STJ ("A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário") aos trabalhadores rurais denominados "boias-frias", sendo imprescindível a apresentação de início de prova material.

4. Por outro lado, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, o STJ sedimentou o entendimento de que a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal. (...)

STJ. 1ª Seção. REsp 1321493/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 10/10/2012 (Recurso Repetitivo – Tema 554).

 

Imagine agora a seguinte situação hipotética:

Francisca, trabalhadora rural “boia fria”, formulou requerimento administrativo de aposentadoria por idade rural junto ao INSS.

A autarquia previdenciária negou a concessão do benefício alegando que não ficou comprovado o efetivo exercício de atividade rural.

Em razão disso, Regina ingressou com ação previdenciária em face do INSS.

O pedido foi julgado improcedente, tendo havido trânsito em julgado.

Posteriormente, Francisca ajuizou ação rescisória com base em prova nova, nos termos do art. 966, VII, do CPC:

Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:

(...)

VII - obtiver o autor, posteriormente ao trânsito em julgado, prova nova cuja existência ignorava ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável;

 

Qual foi a prova nova apresentada por Francisca?

Cópia do livro de registros de empregados no qual consta que a autora foi contratada para exercer a função de agricultora em 1992.

A autora explicou que somente tomou conhecimento do documento após o trânsito em julgado, pois havia perdido contato com o seu ex-empregador, em razão de morarem em cidades distantes.

A autora instruiu a demanda originária tão somente com documentos em nome de seu cônjuge, pois desconhecia, em princípio, a existência de qualquer outra prova que demonstrasse o desempenho da atividade rurícola.

 

O STJ julgou procedente a ação rescisória?

SIM.

Para configurar a hipótese de rescisão prevista no inciso VII do art. 966 do CPC/2015, o documento novo apto a aparelhar a ação rescisória é aquele que, já existente à época da decisão rescindenda, era ignorado pelo autor ou do qual não pôde fazer uso, capaz de assegurar, por si só, a procedência do pedido.

Em se tratando de rurícola, deve ser mitigado o rigor conceitual de “documento novo”, pois não se pode desconsiderar as precárias condições de vida que envolvem o universo social desses trabalhadores.

No caso concreto, o documento apresentado é a cópia autenticada e legível de registro de empregado, com carimbo do Ministério do Trabalho, noticiando que a autora foi contratada como trabalhadora rural.

O STJ entende que a ficha de registro de empregado é apta a caracterizar início de prova material (REsp 1588606/PR, Rel. Ministra Assusete Magalhães Segunda Turma, julgado em 05/05/2020).

Constatado, assim, início de prova material em nome da autora, corroborado por idônea prova testemunhal colhida no processo originário, restam preenchidos os requisitos para a concessão de aposentadoria rural, em consonância com o entendimento pacificado no julgamento do Tema 554/STJ - segundo o qual, diante da dificuldade probatória atinente ao exercício de atividade rural pelos chamados trabalhadores “boias-frias”, a apresentação de prova material relativa apenas à parte do lapso temporal pretendido, não implica violação ao enunciado da Súmula 149/STJ.

Posto isso, o pedido foi julgado procedente para desconstituir a coisa julgada, com amparo no art. 966, VII do CPC e, em juízo rescisório, a aposentadoria rural por idade foi concedida desde a data do requerimento administrativo.

 

Em suma:

 

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Documento que já existia e que não foi juntado pela parte

Em regra, se a parte já possuía o documento antes da propositura da ação original (o documento era preexistente), não tendo sido juntado por desídia, não será permitido, em regra, frise-se, que ajuíze a ação rescisória trazendo esta prova como documento novo.

De forma excepcional, o STJ entendeu que é possível ao tribunal, na ação rescisória, analisar documento novo para efeito de configuração de início de prova material destinado à comprovação do exercício de atividade rural, ainda que esse documento seja preexistente à propositura da ação em que proferida a decisão rescindenda referente à concessão de aposentadoria rural por idade.

Nesse caso, é irrelevante o fato de o documento apresentado ser preexistente à propositura da ação originária, pois devem ser consideradas as condições desiguais pelas quais passam os trabalhadores rurais, adotando-se a solução pro misero.

STJ. 3ª Seção. AR 3921-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 24/4/2013 (Info 522).

 

Extinção de processo por ausência de início de prova material de atividade rural e possibilidade de ajuizamento de nova demanda

Se a petição inicial de ação em que se postula a aposentadoria rural por idade não for instruída com documentos que demonstrem início de prova material quanto ao exercício de atividade rural, o processo deve ser extinto sem resolução de mérito por falta de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo (art. 485, IV, do CPC/2015). Isso significa que o segurado poderá ajuizar nova ação caso reúna os elementos necessários a essa iniciativa (art. 486, § 1º).

STJ. Corte Especial. REsp 1352721-SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 16/12/2015 (recurso repetitivo) (Info 581).


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