domingo, 21 de agosto de 2022

Casal se divorciou e não fez a partilha. A mulher ficou morando no imóvel que pertencia ao casal (cada um era dono de metade). A mulher poderá adquirir a metade do ex-marido por usucapião?

 

Imagine a seguinte situação hipotética:

João e Regina eram casados e se divorciaram.

Como estavam com pressa, João e Regina se divorciaram, mas não realizaram, nesta ocasião, a partilha de bens.

 

É possível fazer o divórcio sem a partilha de bens?

SIM. Quando um casal está se divorciando, são muitos os conflitos que surgem envolvendo os mais diversos aspectos da vida da pessoa: a questão sentimental, a guarda dos filhos, a discussão acerca da alteração ou manutenção do patronímico e, como não se pode esquecer, há também o debate sobre o patrimônio e a divisão(partilha) dos bens, de acordo com o regime matrimonial adotado.

Algumas vezes, a vontade do casal de se divorciar é muito intensa e eles querem que isso ocorra logo. No entanto, a discussão sobre a divisão dos bens pode ser complexa e acabar atrasando a formalização do divórcio.

Diante deste problema da vida prática, o Código Civil previu a possibilidade de os cônjuges realizarem o divórcio e que a discussão sobre a divisão dos bens fique para ser resolvida em um momento posterior. Confira:

Art. 1.581. O divórcio pode ser concedido sem que haja prévia partilha de bens.

 

Flávio Tartuce explica que a partilha posterior dos bens pode ser efetivada por meio de três caminhos (Manual de Direito Civil. Volume único. São Paulo: Método, 2011, p. 1.075):

• nos próprios autos da ação de divórcio;

• em ação autônoma de partilha de bens (que também deverá tramitar na vara de família);

• por escritura pública de partilha extrajudicial (Lei nº 11.441/2007).

 

Voltando ao caso concreto

O casal se divorciou e não fez a partilha dos bens.

Regina ficou morando no imóvel comum (um apartamento) durante anos sem oposição do ex-marido.

Vale ressaltar que metade do imóvel pertencia ao João e a outra metade a Regina.

 

Completado o tempo necessário, Regina ajuizou ação de usucapião contra João pedindo para adquirir a propriedade plena do imóvel. Isso é possível?

SIM.

Dissolvida a sociedade conjugal, o bem imóvel comum do casal rege-se pelas regras relativas ao condomínio, ainda que não realizada a partilha de bens, cessando o estado de mancomunhão anterior.

Nesse contexto, o condômino (em nosso exemplo, Regina) que exerce a posse por si sem oposição dos demais coproprietários possui legitimidade para usucapir o bem, desde que preenchidos os demais requisitos legais.

 

Posse ad usucapionem

“Uma vez verificado que o bem é passível de usucapião, há de ser perquirido o segundo requisito: posse mansa e pacífica com animus domini. Trata-se da chamada posse qualificada. A posse ad usucapionem ou usucapível tem qualidades jurídicas distintas das demais. Isso porque, traduz uma posse especial, a qual exige a intenção de ser dono - animus domini. Ademais, necessita ser mansa, pacífica, contínua e duradoura.” (FIGUEIREDO, Luciano; FIGUEIREDO, Roberto. Manual de Direito Civil. Salvador: Juspodivm, 2020, p. 1203)

 

É possível dizer que a posse de Regina era uma posse ad usucapionem?

SIM. A posse de um condômino sobre bem imóvel exercida por si mesma, com ânimo de dono, ainda que na qualidade de possuidor indireto, sem nenhuma oposição dos demais coproprietários, nem reivindicação dos frutos e direitos que lhes são inerentes, confere à posse o caráter de ad usucapionem, a legitimar a procedência da usucapião em face dos demais condôminos que resignaram do seu direito sobre o bem, desde que preenchidos os demais requisitos legais.

 

João argumentou que Regina ficou na posse do imóvel na qualidade de administradora do bem e que, portanto, não teria sido uma posse ad usucapionem. Essa alegação foi acolhida?

NÃO. Após o fim do matrimônio, pode-se dizer que João abandonou a sua fração ideal sobre o imóvel, que ficou sob a posse exclusiva da ex-esposa, sendo que esta não lhe repassou nenhum valor proveniente de aluguel nem ele o exigiu, além de não ter prestado conta nenhuma por todo o período antecedente ao ajuizamento da referida ação.

Em razão disso, revela-se descabida a presunção de ter havido mera administração do bem por Regina. O que houve foi o exercício da posse pela ex-esposa, com efetivo ânimo de dona, a amparar a procedência do pedido de usucapião.

 

Em suma:


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