quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

As empresas estatais que prestam serviços públicos essenciais e não se dedicam à exploração de atividade econômica com finalidade lucrativa e natureza concorrencial são equiparadas à Fazenda Pública no que se refere à prescrição?

CDHU

A Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU) é uma empresa pública (pessoa jurídica de direito privado) vinculada ao Estado de São Paulo.

A empresa tem por finalidade executar programas habitacionais em todo o território do Estado, voltados para o atendimento exclusivo da população de baixa renda.

Desse modo, podemos dizer que é a CDHU é uma entidade da Administração Indireta, com personalidade jurídica de direito privado, que atua na prestação de serviços públicos essenciais sem finalidade lucrativa e sem natureza concorrencial.

 

Imagine agora a seguinte situação hipotética:

A empresa Alfa foi contratada pela CDHU para construir um prédio.

A contratada fez a obra e, em março de 2015, a CDHU pagou o valor combinado no contrato.

Ocorre que esse pagamento foi feito com meses de atraso, porém, sem juros e correção monetária.

Diante disso, em março de 2019, a ALFA ajuizou ação contra a CDHU cobrando juros legais e correção monetária considerando que a companhia pagou apenas o valor principal.

Em contestação, a CDHU alegou a ocorrência da prescrição trienal, com base no art. 206, § 3º, do Código Civil. Isso porque o pagamento foi feito em março de 2015 e a ação somente foi proposta em março de 2019 (quatro anos depois). Veja o dispositivo legal invocado:

Art. 206. Prescreve:

(...)

§ 3º Em três anos:

(...)

III - a pretensão para haver juros, dividendos ou quaisquer prestações acessórias, pagáveis, em períodos não maiores de um ano, com capitalização ou sem ela;

 

O juiz rejeitou a alegação de prescrição sob o argumento de que o prazo prescricional seria de 5 anos, com base no art. 1º do Decreto 20.910/32:

Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem.

 

A CDHU interpôs recurso, no qual defendeu que não o art. 1º do Decreto 20.910/32 não poderia ser aplicado para sociedades de economia mista.

 

O STJ concordou com a CDHU? O prazo prescricional é de 3 ou 5 anos?

NÃO. O prazo prescricional é de 5 anos. Aplica-se a prescrição quinquenal do Decreto nº 20.910/1932 às empresas estatais prestadoras de serviços públicos essenciais, não dedicadas à exploração de atividade econômica com finalidade lucrativa e natureza concorrencial, como é o caso da CDHU.

O art. 1º do Decreto nº 20.910/1932 fala em Fazenda:

Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem.

 

Esse prazo de 5 anos, contudo, também é aplicável para “autarquias ou entidades e órgãos paraestatais” por expressa disposição do art. 2º do Decreto-Lei nº 4.597/1942:

Art. 2º O Decreto nº 20.910, de 6 de janeiro de 1932, que regula a prescrição quinquenal, abrange as dívidas passivas das autarquias, ou entidades e órgãos paraestatais, criados por lei e mantidos mediante impostos, taxas ou quaisquer contribuições, exigidas em virtude de lei federal, estadual ou municipal, bem como a todo e qualquer direito e ação contra os mesmos.

 

As empresas públicas e sociedades de economia mista - comumente designadas de empresas estatais -, possuem um regime jurídico híbrido, caracterizando-se pela convivência entre normas de Direito Público e de Direito Privado.

Assim, essas empresas, por mais que tenham sido constituídas como pessoas jurídicas de direito privado, sofrem também influxo (influência) de normas de direito público.

 

Se as empresas públicas e sociedades de economia mista...

• forem prestadoras de serviços públicos essenciais;

• não se dedicarem à exploração de atividade econômica com finalidade lucrativa; e

• tiverem natureza concorrencial...

 

... receberão tratamento jurídico assemelhado ao das pessoas jurídicas de direito público, operando-se verdadeira extensão do conceito de Fazenda Pública.

 

Logo, as empresas estatais prestadoras de serviços públicos essenciais, não dedicadas à exploração de atividade econômica com finalidade lucrativa e natureza concorrencial são equiparadas à Fazenda Pública.

Como são equiparadas à Fazenda Pública, as regras de prescrição estabelecidas no Código Civil não vão ter incidência quando a demanda envolver empresa estatal prestadora de serviços públicos essenciais, não dedicada à exploração de atividade econômica com finalidade lucrativa e natureza concorrencial.

Em tais casos, aplica-se a prescrição quinquenal do Decreto nº 20.910/1932, por se tratar de entidade que, conquanto dotada de personalidade jurídica de direito privado, faz as vezes do próprio ente político ao qual se vincula e, com isso, pode, em certa medida, receber tratamento assemelhado ao de Fazenda Pública.

 

Em suma:

Aplica-se o regime normativo prescricional das pessoas jurídicas de direito público, previsto no Decreto nº 20.910/1932 e no Decreto-Lei nº 4.597/1942, às entidades da Administração Indireta com personalidade de direito privado que atuem na prestação de serviços públicos essenciais sem finalidade lucrativa e sem natureza concorrencial.

STJ. Corte Especial. EREsp 1.725.030-SP, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 14/12/2023 (Info 14 – Edição Extraordinária).


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