quinta-feira, 21 de novembro de 2019

O advogado do réu delatado deverá, obrigatoriamente, estar presente no interrogatório do corréu delator



Imagine a seguinte situação hipotética:
João, Pedro, Tiago, Hugo e Vitor estavam respondendo a um processo penal acusados da prática de inexigência indevida de licitação, falsificação de documento público e peculato.
João manifestou interesse em colaborar com o processo criminal, delatando os demais acusados e ajudando a recuperar o produto do crime.
Foi designado o dia 11/09 para a realização do interrogatório de João. Os demais corréus foram intimados para comparecerem ao ato, mas apenas Pedro e Tiago, com seus respectivos advogados, fizeram-se presentes.
No interrogatório, João delatou Pedro e Vitor, imputando-lhes a participação nos crimes.
Ao final do processo, Pedro, Tiago, Hugo e Vitor foram condenados e João recebeu perdão judicial.
Hugo e Vitor recorreram, alegando nulidade por ausência de defesa técnica durante o interrogatório de João, o delator.
Vamos entender o tema com calma.

Se o advogado de um réu foi intimado para o interrogatório dos demais corréus, mas decidiu não comparecer, existe nulidade?
REGRA: em regra, não.
Se o advogado do réu é intimado previamente a respeito da data e do horário do interrogatório do corréu e, mesmo assim, não comparece, não há, em princípio, nulidade.
O interrogatório de corréu é ato do juiz, que propicia à defesa dos demais denunciados mera faculdade de participação.
A presença da defesa técnica é imprescindível durante o interrogatório do réu por ela representado, não quanto aos demais. Em outras palavras, é obrigatória a presença do advogado no interrogatório do seu cliente. No interrogatório dos demais réus, essa presença é, em regra, facultativa.
O que o juiz deve fazer é garantir que todas as defesas sejam intimadas das datas dos interrogatórios. Se não houver essa intimação, ocorre nulidade. Isso porque se o processo possui mais de um réu, o advogado de um deles tem o direito de estar presente no interrogatório dos corréus e poderá, inclusive, fazer perguntas ao acusado. No entanto, a presença ou não do advogado do réu “A” nos interrogatórios dos corréus “X”, “Y”, “Z” etc. é uma faculdade, uma estratégia da defesa. O causídico deve ser intimado, mas, a partir daí, é dele a decisão de comparecer ou não ao ato designado.

EXCEÇÃO: se o interrogatório é de um corréu delator, a presença do advogado dos réus delatados é indispensável.
Excepciona-se a regra da faculdade da participação quando há a imputação de crimes pelo interrogado aos demais réus, como nos casos de colaboração premiada.
Nessas hipóteses, deve-se exigir a presença dos advogados dos réus delatados, pois, na colaboração premiada, o delator adere à acusação em troca de um benefício acordado entre as partes e homologado pelo julgador natural. Normalmente, o delator presta contribuições à persecução penal incriminando eventuais corréus.

Se o advogado do corréu não comparece ao interrogatório do réu delator, haverá nulidade?
Depende:
Se o corréu foi delatado no interrogatório e seu advogado não compareceu: sim, haverá nulidade.
Se o corréu não foi delatado no interrogatório: não. Isso porque não houve prejuízo.
Assim, em nosso exemplo, a condenação de Hugo não será anulada porque ele não foi delatado por João no interrogatório. Por outro lado, a condenação de Vitor poderia ser anulada.

Em suma:
Se o advogado de um réu foi intimado para o interrogatório dos demais corréus, mas decidiu não comparecer, existe nulidade?
REGRA: não. A presença da defesa técnica é imprescindível durante o interrogatório do réu por ela representado, não quanto aos demais. Assim, é obrigatória a presença do advogado no interrogatório do seu cliente. No interrogatório dos demais réus, essa presença é, em regra, facultativa.
EXCEÇÃO: se o interrogatório é de um corréu delator, a presença do advogado dos réus delatados é indispensável.
STF. 2ª Turma. AO 2093/RN, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 3/9/2019 (Info 955).

Obs: o exemplo acima foi hipotético, para facilitar a compreensão da matéria. Na situação analisada, não foi reconhecida a nulidade por circunstâncias do caso concreto. Veja a íntegra da notícia divulgada no Informativo sobre este ponto:
“O ministro não vislumbrou nulidade pela falta de participação de advogado no interrogatório dos corréus que se limitaram a negar a autoria da acusação e a materialidade dos fatos durantes seus interrogatórios. No entanto, entendeu ser indispensável a presença de defesa técnica no interrogatório do colaborador, que confessou a prática dos crimes e indicou quem seriam os participantes. Este corréu atuou como colaborador premiado. Apesar disso, as peculiaridades do caso levaram o ministro à solução distinta.
A primeira particularidade é que o interrogatório do colaborador ocorreu antes da consolidação da jurisprudência no sentido da imprescindibilidade da participação da defesa técnica na inquirição e confronto das declarações do colaborador ou do corréu acusador. A própria colaboração prestada é anterior ao advento da norma que instituiu o procedimento e as cláusulas do acordo de colaboração premiada (Lei 12.850/2013). Portanto, o ato foi praticado consoante o entendimento legal e jurisprudencial da época.
Além disso, as imputações do colaborador ocorreram no início do processo. O interrogatório do delator foi realizado antes do advento da Lei 11.719/2008, que transferiu o ato para a parte final da instrução. Isso possibilitou à defesa realizar a devida contraposição das imputações durante toda a fase probatória. Poderia inclusive ter solicitado o reinterrogatório, mas não o fez e somente arguiu a nulidade nove anos após as audiências.
O ministro Gilmar Mendes ponderou que, mesmo que se considere a ineficácia absoluta do depoimento prestado em juízo para produzir efeitos sobre a esfera jurídica do apelante, há provas autônomas e independentes que, além de qualquer dúvida razoável, sustentam a acusação. Subsistem elementos suficientes a permitir a condenação, que está amparada em diversos outros elementos de prova material e testemunhal desvinculados das alegações do colaborador.
No ponto, destacou que o CPP prevê a admissibilidade de provas decorrentes de fontes independentes, sem nexo de causalidade com eventuais provas ilícitas, a fim de embasar decretos condenatórios (CPP, art. 157, §1º). Ademais, a tese da fonte independente também tem sido acolhida pela jurisprudência do STF como exceção à teoria dos frutos da árvore envenenada.

Em conclusão, o ministro reconheceu a nulidade em menor grau, com base nos arts. 563 e 566 do CPP. Aduziu inexistir sentido em se renovar o interrogatório em relação ao recorrente quando inúmeras outras provas justificam a condenação e foram devidamente fundamentadas pelo magistrado de piso.”



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