quinta-feira, 7 de outubro de 2021

Não cabe ADI no TJ contra lei ou ato normativo municipal que viole a Lei Orgânica do Município

 

O caso concreto foi o seguinte:

A Constituição do Estado de Pernambuco afirmou que seria possível ajuizar ADI contra lei ou ato normativo estadual ou municipal quando estivesse sendo violado algum dispositivo da Lei Orgânica do Município. Essa ADI seria julgada pelo Tribunal de Justiça:

Art. 61. Compete ao Tribunal de Justiça:

I – processar e julgar originariamente:

(...)

l) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estadual ou municipal, em face desta Constituição, ou de lei ou ato normativo municipal em face da Lei Orgânica respectiva

 

Além disso, a CE/PE também previu que, se o Tribunal de Justiça declarar a inconstitucionalidade de lei em ação direta de inconstitucionalidade (controle concentrado de constitucionalidade), ele comunicará essa decisão à Assembleia Legislativa (se for lei estadual) ou à Câmara de Vereadores (se for lei municipal) e o órgão legislativo irá suspender a eficácia dessa lei. Veja:

Art. 63. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade:

(...)

§ 3º Declarada a inconstitucionalidade, a decisão será comunicada à Assembleia Legislativa para promover a suspensão da eficácia da lei, em parte ou no seu todo, quando se tratar de afronta à Constituição Estadual, ou a Câmara Municipal quando a afronta for a Lei Orgânica respectiva.

 

Essas duas previsões são compatíveis com a Constituição Federal? A Constituição Estadual poderia ter fixado essas regras?

NÃO. Irei dividir a análise em duas partes.

 

QUANTO À PRIMEIRA PARTE (ART. 61, I, “L”, DA CE/PE):

Não se admite controle concentrado de constitucionalidade de leis ou atos normativos municipais em face da Lei Orgânica respectiva.

É inconstitucional adoção de lei orgânica municipal como parâmetro de controle abstrato de constitucionalidade estadual, em face de ato normativo municipal uma vez que a Constituição Federal, no art. 125, § 2º, estabelece como parâmetro apenas a constituição estadual.

STF. Plenário. ADI 5548/PE, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 16/8/2021 (Info 1025).

 

Vamos entender com calma.

 

É possível que uma lei ou ato normativo municipal seja impugnado por meio de ADI proposta no Tribunal de Justiça?

SIM. A CF/88 autorizou essa possibilidade, determinando que o tema seja tratado nas Constituições estaduais. Confira:

Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição.

§ 1º A competência dos tribunais será definida na Constituição do Estado, sendo a lei de organização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça.

§ 2º Cabe aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais OU MUNICIPAIS em face da Constituição Estadual, vedada a atribuição da legitimação para agir a um único órgão.

 

A CF/88 utilizou o termo “representação de inconstitucionalidade”, mas é plenamente possível que a chamemos de “ação direta de inconstitucionalidade estadual” (ADI estadual).

 

Parâmetro (ou norma de referência)

Em controle de constitucionalidade, quando falamos em “parâmetro”, queremos dizer quais serão as normas da Constituição que serão analisadas para sabermos se a lei ou o ato normativo atacado realmente as violou. Em outras palavras, parâmetro são as normas que servirão como referência para que o Tribunal analise se determinada lei é ou não inconstitucional. Se a lei está em confronto com o parâmetro, ela é inconstitucional.

 

Quando é proposta uma ADI no STF contra lei federal ou estadual, qual é o parâmetro que será analisado pelo STF?

A Constituição Federal. Isso inclui: normas originárias, emendas constitucionais, normas do ADCT e tratados internacionais de direitos humanos aprovados por 3/5 dos membros de cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos de votação.

Assim, quando o autor propõe uma ADI no STF contra determinada lei, ele está dizendo que esta lei viola a CF/88 (parâmetro).

 

É possível que uma lei ou ato normativo municipal seja impugnado por meio de ADI proposta no Tribunal de Justiça?

SIM. A CF/88 autorizou essa possibilidade, determinando que o tema seja tratado nas Constituições estaduais. Confira:

Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição.

§ 1º A competência dos tribunais será definida na Constituição do Estado, sendo a lei de organização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça.

§ 2º Cabe aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais OU MUNICIPAIS em face da Constituição Estadual, vedada a atribuição da legitimação para agir a um único órgão.

 

Quando é proposta uma ADI no Tribunal de Justiça contra lei municipal, qual é o parâmetro que será analisado pelo Tribunal?

A Constituição Estadual. Isso está expressamente previsto no § 2º do art. 125 da CF/88:

“§ 2º - Cabe aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual (...)”.

Assim, em regra, quando o Tribunal de Justiça julga uma ADI proposta contra lei ou ato normativo estadual ou municipal, ele deverá analisar se esta lei ou ato normativo viola ou não algum dispositivo da Constituição Estadual.

A CF/88 utilizou o termo “representação de inconstitucionalidade”, mas é plenamente possível que a chamemos de “ação direta de inconstitucionalidade estadual” (ADI estadual).

 

Qual foi o “problema” da previsão contida no art. 61, I, “l”, da CE/PE?

Esse dispositivo afirmou que caberia ADI no TJ contra lei/ato normativo municipal que violasse a Lei Orgânica do Município. Ocorre que o § 2º do art. 125 da CF/88 não autorizou essa possibilidade de parâmetro. O § 2º do art. 125 da CF/88 afirmou que somente cabe ADI no TJ se o parâmetro for a Constituição Estadual, ou seja, se a lei ou ato normativo violar a Constituição Estadual.

 

· ADI alegando que a lei ou ato normativo que viola a CE: é possível (o art. 125, § 2º da CF/88 autorizou).

· ADI alegando que a lei ou ato normativo que viola a CE: não é possível (o art. 125, § 2º da CF/88 foi silente e, portanto, entende-se que não autorizou).

 

Assim, o STF entende que o controle concentrado de lei municipal contra a Lei Orgânica do mesmo Município não deve ser admitido por ausência de previsão constitucional: (..) 2. Controle concentrado de

constitucionalidade de lei municipal em face da Lei Orgânica do Município. Inexistência de previsão constitucional. (...) (RE 175.087/SP, Rel. Min. Néri da Silveira).

Se uma lei ou ato normativo municipal viola a Lei Orgânica Municipal, “não estaremos diante de controle de constitucionalidade, mas de simples controle de legalidade, cujas regras deverão ser explicitamente previstas na Lei Orgânica de cada Município.” (LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 25ª ed., São Paulo: Saraiva, 2021, p. 525).

 

E se fosse a Lei Orgânica do Distrito Federal? Cabe ADI no TJDFT contra lei ou ato normativo distrital que viola a Lei Orgânica do Distrito Federal?

SIM. Isso porque prevalece que a Lei Orgânica do Distrito Federal possui a mesma natureza jurídica de uma Constituição Estadual. Nesse sentido, confira o que afirmou o Min. Ricardo Lewandowski no voto condutor proferido no RE 577.025:

“(...) muito embora não tenha o constituinte incluído o Distrito Federal no art. 125, § 2º, que atribui competência aos Tribunais de Justiça dos Estados para instituir a representação de inconstitucionalidade em face das constituições estaduais, a Lei Orgânica do Distrito Federal apresenta, no dizer da doutrina, a natureza de verdadeira Constituição local, ante a autonomia política, administrativa e financeira que a Carta confere a tal ente federado. (...)”

STF. Plenário. RE 577.025, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 11/12/2008.

 

Justamente por isso, a Lei Federal nº 11.697/2008 (Lei de organização judiciária do Distrito Federal) prevê que:

Art. 8º Compete ao Tribunal de Justiça:

I – processar e julgar originariamente:

(...)

n) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Distrito Federal em face de sua Lei Orgânica;

 

 

 

QUANTO À SEGUNDA PARTE (ART. 63, § 3º DA CE/PE):

Em seu art. 63, § 3º, a CE/PE afirmou que, se o Tribunal de Justiça, no julgamento de uma ADI (controle concentrado de constitucionalidade), declarar a inconstitucionalidade de lei, ele deverá comunicar essa decisão à Assembleia Legislativa (se for lei estadual) ou à Câmara de Vereadores (se for lei municipal) a fim de que o respectivo órgão legislativo suspenda a eficácia da lei.

Esse dispositivo da Constituição do Estado de Pernambuco foi mal inspirado na previsão do art. 52, X, da CF/88, que diz:

Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:

(...)

X - suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal;

 

O STF, contudo, afirmou que o art. 63, § 3º da CE/PE é inconstitucional justamente por violar o art. 52, X, da CF/88.

O art. 52, X, da CF/88 é uma regra que somente vale para o controle difuso de constitucionalidade. Este dispositivo da Carta Magna não tem cabimento quando a decisão decorrer de julgamento de controle concentrado de constitucionalidade, como na ADI.

As decisões tomadas em controle concentrado já são dotadas de eficácia erga omnes por força do art. 102, § 2º da CF/88:

Art. 102 (...)

§ 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.

 

Desse modo, a atuação do Poder Legislativo só se justifica no âmbito do controle difuso — de modo a expandir a todos os efeitos de decisão dotada originalmente com eficácia “entre as partes”.

A Constituição Estadual não poderia ter disciplinado o tema de maneira diversa, submetendo às Casas Legislativas estaduais ou municipais a atribuição de suspender a eficácia de lei já declarada inconstitucional pelo Tribunal de Justiça local no julgamento de ADI.

 

Em suma:

Não compete ao Poder Legislativo, de qualquer das esferas federativas, suspender a eficácia de lei ou ato normativo declarado inconstitucional em controle concentrado de constitucionalidade.

STF. Plenário. ADI 5548/PE, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 16/8/2021 (Info 1025).

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