quinta-feira, 21 de outubro de 2021

Uma pessoa que divulga uma conversa de WhatApp pode ser condenada a pagar indenização?

 

Imagine a seguinte situação hipotética:

Existia um grupo de WhatsApp integrado por membros da diretoria, sócios e funcionários de determinado clube de futebol. Neste grupo eram discutidos diversos assuntos relacionados com a agremiação esportiva.

Pietro, Vice-Presidente do clube, fazia parte do grupo e, assim como outros integrantes, tecia constantemente duras críticas contra o Presidente da agremiação.

Em dado momento, Bernardo deixou o grupo e divulgou, sem o consentimento dos demais, nas redes sociais e na imprensa, prints (capturas de tela) das conversas que ficaram gravadas em seu celular, na qual foram realizadas críticas à gestão do time.

Pietro ajuizou, então, ação de indenização por danos morais contra Bernardo pelo fato de ele ter divulgado essas conversas, que seriam privadas.

O autor narrou que a disseminação das mensagens lhe causou dano moral uma vez que sua imagem e sua honra foram abaladas e que, diante da repercussão, ele teve inclusive que deixar o cargo que ocupava na diretoria do clube.

O juiz julgou o pedido procedente, condenando o réu a pagar R$ 5 mil a título de indenização por danos morais.

O Tribunal de Justiça manteve a sentença.

Bernardo interpôs recurso especial.

 

O que decidiu o STJ? A condenação foi mantida? É possível que uma pessoa seja condenada a pagar indenização por danos morais caso divulgue mensagens trocadas via WhatsApp?

SIM.

 

Sigilo das conversas realizadas via WhatsApp

A Constituição Federal assegura a inviolabilidade das comunicações de dados e das comunicações telefônicas (art. 5º, XII).

O sigilo das comunicações é corolário (consequência) da liberdade de expressão e, em última análise, tem por objetivo resguardar o direito à intimidade e à privacidade, consagrados nos planos constitucional (art. 5º, X, da CF/88) e infraconstitucional (arts. 20 e 21 do CC).

No passado recente, não se cogitava de outras formas de comunicação que não pelo tradicional método das ligações telefônicas. Com o passar dos anos, no entanto, desenvolveu-se a tecnologia digital, o que culminou na criação da internet e de ferramentas como o WhatsApp, que permite a comunicação instantânea entre pessoas localizadas em qualquer lugar do mundo.

Além do envio de mensagens, é possível o compartilhamento de vídeos, fotos, áudios, a realização de chamadas de voz e a criação de grupos de bate-papo, seja por meio de um aparelho celular ou de um computador.

Nesse cenário, pode-se afirmar, sem dúvidas, que não só as conversas realizadas via ligação telefônica, mas também aquelas feitas por meio do WhatsApp são resguardadas pelo sigilo das comunicações. Nesse sentido, o STJ recentemente decidiu que “os dados armazenados nos aparelhos celulares – envio e recebimento de mensagens via SMS, programas ou aplicativos de troca de mensagens, fotografias etc. –, por dizerem respeito à intimidade e à vida privada do indivíduo, são invioláveis, nos termos em que previsto no inciso X do art. 5º da Constituição Federal” (HC 609.221/RJ, Sexta Turma, DJe 22/06/2021).

Como forma de proteger a privacidade dos usuários, as mensagens enviadas via WhasApp são protegidas pelo sigilo. Como consequência, é possível afirmar que terceiros somente podem ter acesso às conversas de WhatsApp se houver consentimento dos participantes ou autorização judicial.

 

Ilicitude da divulgação pública de mensagens privadas

As mensagens eletrônicas estão protegidas pelo sigilo em razão de o seu conteúdo ser privado; isto é, restrito aos interlocutores.

Dessa forma, ao enviar mensagem a determinado ou a determinados destinatários via WhatsApp, o emissor tem a expectativa de que ela não será lida por terceiros e muito menos que serão divulgadas ao público, seja por meio de rede social ou da mídia.

Essa expectativa advém não só do fato de ter o indivíduo escolhido a quem enviar a mensagem, como também da própria encriptação a que estão sujeitas as conversas (criptografia ponta-a-ponta).

Assim, se o indivíduo divulga ao público uma conversa privada, além de estar quebrando o dever de confidencialidade, está também violando legítima expectativa, a privacidade e a intimidade do emissor. Justamente por isso, esse indivíduo pode ser responsabilizado por essa divulgação caso se configure o dano.

 

A ilicitude da divulgação pode ser afastada se houver peculiaridades no caso concreto

É importante consignar que a ilicitude da divulgação poderá ser descaracterizada (afastada) quando a exposição das mensagens tiver como objetivo resguardar um direito próprio do receptor. Nesse caso, será necessário avaliar as peculiaridades concretas para fins de decidir qual dos direitos em conflito deverá prevalecer.

Na situação concreta acima narrada, a divulgação pública de mensagens privadas por Bernardo não teve por objetivo a defesa de direito próprio, mas sim a exposição das opiniões manifestadas por Pietro.

As mensagens enviadas pelo WhatsApp eram sigilosas e tinha caráter privado. Ao divulgá-las, portanto, o réu violou a privacidade do autor e quebrou a legítima expectativa de que as críticas e opiniões manifestadas no grupo ficariam restritas aos seus membros.

 

Em suma:

A divulgação pelos interlocutores ou por terceiros de mensagens trocadas via WhatsApp pode ensejar a responsabilização por eventuais danos decorrentes da difusão do conteúdo.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.903.273-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 24/08/2021 (Info 706). 


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