sexta-feira, 8 de outubro de 2021

O crédito fiscal não tributário, assim como o crédito tributário, também não se submete aos efeitos do plano de recuperação judicial

 

O crédito fiscal tributário não se submete aos efeitos do plano de recuperação judicial

A Fazenda Pública não é obrigada a habilitar seus créditos fiscais no processo falimentar ou de recuperação judicial. O art. 187 do CTN afirma expressamente que o crédito tributário não é sujeito a concurso de credores:

Art. 187. A cobrança judicial do crédito tributário não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, recuperação judicial, concordata, inventário ou arrolamento.

 

O STJ entende, contudo, que esse dispositivo não proíbe que a Fazenda Pública faça a habilitação dos créditos tributários na falência. O art. 187 do CTN garante ao ente público a prerrogativa de escolher entre receber o pagamento de seu crédito pelo rito da execução fiscal ou mediante habilitação nos autos da falência.

Assim, muito embora o processamento e o julgamento das execuções fiscais não se submetam ao juízo universal da falência, compete à Fazenda Pública optar por ingressar com a cobrança judicial ou requerer a habilitação de seu crédito na ação falimentar.

A Lei nº 14.112/2020, alterando a Lei nº 11.101/2005, criou, inclusive, um incidente de classificação de crédito público para que a Fazenda Pública informe ao juízo da falência a relação completa de seus créditos inscritos em dívida ativa:

Art. 7º-A. Na falência, após realizadas as intimações e publicado o edital, conforme previsto, respectivamente, no inciso XIII do caput e no § 1º do art. 99 desta Lei, o juiz instaurará, de ofício, para cada Fazenda Pública credora, incidente de classificação de crédito público e determinará a sua intimação eletrônica para que, no prazo de 30 (trinta) dias, apresente diretamente ao administrador judicial ou em juízo, a depender do momento processual, a relação completa de seus créditos inscritos em dívida ativa, acompanhada dos cálculos, da classificação e das informações sobre a situação atual. (Incluído pela Lei nº 14.112/2020)

(...)

 

E o crédito fiscal não tributário, segue a mesma regra? O crédito fiscal não tributário se submete, ou não, aos efeitos do plano de recuperação judicial? Ex: a ANVISA aplicou multa administrativa contra a ML Operações Logísticas Ltda; posteriormente, foi deferida a recuperação judicial da empresa; esse crédito terá que, obrigatoriamente, ser cobrado na recuperação judicial?

NÃO.

O crédito fiscal não tributário não se submete aos efeitos do plano de recuperação judicial

STJ. 3ª Turma. REsp 1.931.633-GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 03/08/2021 (Info 703).

 

Como vimos acima, o art. 187, caput, do Código Tributário Nacional exclui os créditos de natureza tributária dos efeitos da recuperação judicial do devedor. Esse dispositivo, contudo, nada fala sobre os créditos de natureza não tributária.

A despeito disso, os créditos de natureza não tributária não se submetem aos efeitos do plano de recuperação judicial, por força do art. 6º, § 7º-B da Lei nº 11.101/2005.

Explicando melhor.

O art. 6º, II, da Lei nº 11.101/2005 afirma que, em regra, todas as execuções ajuizadas contra o devedor deverão ficar suspensas:

Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial implica:

I - suspensão do curso da prescrição das obrigações do devedor sujeitas ao regime desta Lei;

II - suspensão das execuções ajuizadas contra o devedor, inclusive daquelas dos credores particulares do sócio solidário, relativas a créditos ou obrigações sujeitos à recuperação judicial ou à falência;

III - proibição de qualquer forma de retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre os bens do devedor, oriunda de demandas judiciais ou extrajudiciais cujos créditos ou obrigações sujeitem-se à recuperação judicial ou à falência.

 

O § 7º-B do art. 6º, contudo, prevê uma exceção. Esse dispositivo prevê que essa suspensão não se aplica às execuções fiscais:

Art. 6º (...)

§ 7º-B. O disposto nos incisos I, II e III do caput deste artigo não se aplica às execuções fiscais, admitida, todavia, a competência do juízo da recuperação judicial para determinar a substituição dos atos de constrição que recaiam sobre bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial até o encerramento da recuperação judicial, a qual será implementada mediante a cooperação jurisdicional, na forma do art. 69 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), observado o disposto no art. 805 do referido Código. (Incluído pela Lei nº 14.112/2020)

 

Logo, as execuções fiscais não ficam sobrestadas mesmo que tenha havido o deferimento de recuperação judicial.

 

Entendi até aqui... as execuções fiscais não são suspensas... no entanto, estamos falando de um crédito não tributário...

É neste ponto que reside um erro comum de muitos: considerar que a execução fiscal cobra apenas créditos fiscais (créditos tributários). Isso não é verdade.

Execução fiscal é a ação judicial proposta pela Fazenda Pública (União, Estados, DF, Municípios e suas respectivas autarquias e fundações) para cobrar do devedor créditos (tributários ou não tributários) inscritos em dívida ativa, conforme se observa pelo art. 1º c/c art. 2º da Lei nº 6.830/80:

Art. 1º A execução judicial para cobrança da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias será regida por esta Lei e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil.

 

Art. 2º Constitui Dívida Ativa da Fazenda Pública aquela definida como tributária ou não tributária na Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, com as alterações posteriores, que estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.

§ 1º Qualquer valor, cuja cobrança seja atribuída por lei às entidades de que trata o artigo 1º, será considerado Dívida Ativa da Fazenda Pública.

§ 2º A Dívida Ativa da Fazenda Pública, compreendendo a tributária e a não tributária, abrange atualização monetária, juros e multa de mora e demais encargos previstos em lei ou contrato.

(...)

 

Assim, o art. 6º, § 7º-B da Lei nº 11.101/2005, ao se referir a “execuções fiscais”, está tratando do instrumento processual que o ordenamento jurídico disponibiliza aos respectivos titulares para cobrança dos créditos públicos, independentemente de sua natureza, podendo ser créditos tributários ou não tributários.

Desse modo, se, por um lado, o art. 187 do CTN estabelece que os créditos tributários não se sujeitam ao processo de soerguimento - silenciando quanto àqueles de natureza não tributária -, por outro lado verifica-se que a Lei nº 11.101/2005 não estabeleceu distinção entre a natureza dos créditos que deram ensejo ao ajuizamento do executivo fiscal para afastá-los dos efeitos do processo de soerguimento.

Como reforço de argumentação, veja que a Lei nº 10.522/2002 - que trata do parcelamento especial previsto no art. 68, caput, da LFRE - prevê, em seu art. 10-A, que tanto os créditos de natureza tributária quanto não tributária poderão ser liquidados de acordo com uma das modalidades ali estabelecidas, de modo que admitir a submissão destes ao plano de soerguimento equivaleria a chancelar a possibilidade de eventual cobrança em duplicidade.

Outro ponto muito importante está no fato de que o art. 29 da Lei nº 6.830/80 afirma, de forma ampla, que a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública não está sujeita a habilitação em concordata (atual recuperação judicial):

Art. 29. A cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, concordata, liquidação, inventário ou arrolamento.

 

A dívida ativa, como já vimos, abrange tanto débitos tributários como não tributários.

Assim, em que pese a dicção aparentemente restritiva da norma do caput do art. 187 do CTN, a interpretação conjugada das demais disposições que regem a cobrança dos créditos da Fazenda Pública insertas na Lei de Execução Fiscal, bem como daquelas integrantes da própria Lei nº 11.101/2005 e da Lei nº 10.522/2002, autorizam a conclusão de que, para fins de não sujeição aos efeitos do plano de recuperação judicial, a natureza tributária ou não tributária do valor devido é irrelevante.

 

 

 

 


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