terça-feira, 20 de setembro de 2022

Durante a pandemia da Covid-19, os pais dos alunos podiam exigir a redução do valor das mensalidades escolares?

Imagine a seguinte situação hipotética:

João ajuizou ação de obrigação de fazer em face do Colégio “XX” alegando que:

Em janeiro de 2020, ele assinou um contrato de prestação de serviços educacionais com a escola para que seu filho de 10 anos ali estudasse.

No entanto, em março de 2020, ocorreu um fato superveniente que tornou o contrato extremamente vantajoso para a parte ré e, de outro lado, oneroso para ele: o início da pandemia da Covid-19.

As aulas presenciais foram suspensas e, a partir daí, a escola passou a disponibilizar apenas aulas online e somente das matérias teóricas.

As aulas de cozinha experimental, educação física, robótica, laboratório de ciências e arte/música contratadas não estão sendo ministradas, embora a cobrança das mensalidades continue a ocorrer em sua integralidade.

Com a suspensão das aulas presenciais, houve redução expressiva dos custos fixos da escola - despesas de energia elétrica, serviços terceirizados de limpeza e manutenção, despesas com água e, também, com os próprios professores que, por lecionarem de suas residências, não recebem o adicional de alimentação e auxílio-transporte.

Diante de todo o exposto, João pediu a redução do valor das mensalidades no percentual de 70% ou outro a ser arbitrado pelo magistrado e a devolução dos valores pagos a maior a partir do mês de março de 2020.

 

A questão chegou até o STJ. O pedido do autor foi acolhido?

NÃO.

Não há dúvidas de que a pandemia causada pela Covid-19 gerou efeitos nefastos na economia mundial e nas relações privadas.

Embora os efeitos decorrentes da pandemia revelem-se supervenientes e capazes de alterar as bases objetivas em que celebrado o contrato, o STJ entendeu que não ficou evidenciado o desequilíbrio excessivo na relação jurídica apto a autorizar a redução do valor das mensalidades. Isso porque os serviços, diferentemente de outras hipóteses, continuaram a ser prestados sem causar onerosidade excessiva ao autor, sendo interesse de ambas as partes a manutenção do contrato.

É importante que sejam destacados os seguintes pontos:

a) o contrato de prestação de serviços de educação continuou a ser prestado;

b) a redução do número de aulas foi não apenas autorizada por diplomas legais, como também foi imposta em razão das medidas sanitárias do combate ao novo coronavírus. Essa circunstância não se encontra no âmbito do risco de atividade empresarial, revelando-se, em verdade, absolutamente apartada do negócio jurídico (fortuito externo);

c) o fato, embora superveniente e mesmo extraordinário, não inviabilizou todas as aulas, mas apenas aquelas, conquanto tenham sido contratadas, de caráter extracurricular (aulas de cozinha experimental, educação física, robótica, laboratório de ciências e arte/música);

d) a não prestação do serviço, em sua inteireza, decorreu de fato alheio às atividades da escola, uma vez que ela não podia prestar os serviços que exigiam a presença dos alunos, como também estava impedida de prestar serviços de maneira presencial;

e) a redução da carga horária foi autorizada pela Lei nº 14.040/2020, que previu diversas formas de compensação da redução da carga horária.

 

Desse modo, embora os serviços não tenham sido prestados da forma como contratados, não há que se falar em falha do dever de informação ou em desequilíbrio econômico-financeiro imoderado para o consumidor.

A afirmação de que teria havido diminuição dos custos da escola, além de não se evidenciar como requisito à revisão com base na quebra da base objetiva do contrato, não é tônica desse exame, nem se compatibiliza com os princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato, na especial conjuntura econômica e social que a todos assolava todo o País na época.

Importante ainda registrar que a situação da pandemia, no caso concreto, caracteriza-se como hipótese de fortuito externo, apto a afastar a responsabilidade da escola.

 

Em suma:

A situação decorrente da pandemia pela Covid-19 não constitui fato superveniente apto a viabilizar a revisão judicial de contrato de prestação de serviços educacionais com a redução proporcional do valor das mensalidades.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.998.206-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 14/06/2022 (Info 741).

 


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