sábado, 2 de setembro de 2023

É possível a aplicação analógica da teoria da continuidade delitiva (art. 71 do CP) no âmbito do processo administrativo

Imagine a seguinte situação adaptada:

A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) lavrou contra a Petrobras um auto de infração, em 10/03/2014, por supostas irregularidades ocorridas, em Campo de Roncador, nos dias 01 e 02 de junho de 2011.

As infrações teriam sido praticadas em diversos meses e foram sancionadas nos termos do art. 3º, V, da Lei nº 9.847/99:

Art. 3º A pena de multa será aplicada na ocorrência das infrações e nos limites seguintes:

(...)

V - prestar declarações ou informações inverídicas, falsificar, adulterar, inutilizar, simular ou alterar registros e escrituração de livros e outros documentos exigidos na legislação aplicável:

Multa - de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais);

 

A Petrobrás ajuizou ação contra a ANP pedindo a aplicação da continuidade delitiva prevista no art. 71 do Código Penal:

Art. 71. Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.

 

Sustentou que as infrações cometidas são da mesma espécie, consistentes no erro na totalização da produção do P-54, praticadas na mesma condição de tempo, quer seja, em meses consecutivos, de janeiro a maio de 2011, no mesmo local e mediante os mesmos erros.

A ANP contestou alegando que o princípio da continuidade delitiva pertence ao Direito Penal e não deve ser aplicado ao Direito Administrativo, por ausência de previsão legal.

 

A questão chegou até o STJ. O tribunal concordou com os argumentos da Petrobrás? É possível a aplicação analógica da teoria da continuidade delitiva (art. 71 do CP) no âmbito do processo administrativo?

SIM.

Há entendimento consolidado no STJ, segundo o qual a sequência de várias infrações de mesma natureza, apurados em uma única autuação, é considerada como de natureza continuada e, portanto, sujeita à imposição de multa singular: STJ. 1ª Turma. AgInt no AREsp 1.129.674/RJ, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 8/3/2021.

Na situação em tela, após ampla análise do conjunto fático-probatório, firmou-se a compreensão de que há continuidade delitiva no caso concreto e apontou-se desproporcionalidade da sanção aplicada pela agência reguladora.

 

Em suma:

É possível a aplicação analógica da teoria da continuidade delitiva (art. 71 do CP) no âmbito do processo administrativo.

STJ. 1ª Turma. AgInt no REsp 1.783.746-RJ, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 13/2/2023 (Info 11 – Edição Extraordinária).


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