quarta-feira, 20 de setembro de 2023

Os planos de saúde são obrigados a fornecer tratamento para combate ao câncer

Imagine a seguinte situação hipotética:

Regina foi diagnosticada com câncer na região peritoneal, uma doença rara e agressiva.

A paciente realizou cirurgia e quimioterapia, mas as lesões continuaram, de modo que o médico que a acompanhava indicou um tratamento de imunoterapia, com a prescrição de três sessões do uso do medicamento Yervoy, que tem como objetivo potencializar o sistema imunológico para combate ao câncer.

Regina é usuária de um plano de saúde que, no entanto, recusou-se a custear o tratamento sob a alegação de que ele não é coberto pelo rol de procedimentos da ANVISA.

Diante desse cenário, Regina ajuizou ação de obrigação de fazer contra o plano de saúde.

O pedido foi julgado procedente, decisão mantida pelo Tribunal de Justiça.

Inconformado, o plano de saúde interpôs recurso especial alegando que o rol de procedimentos da ANS é taxativo e que esse tratamento requerido não se encontra ali previsto.

 

O STJ deu provimento ao recurso do plano de saúde?

NÃO. Vamos entender com calma.

 

O que é esse rol da ANS?

ANS é a sigla para Agência Nacional de Saúde Suplementar, autarquia sob regime especial, responsável pela regulação dos planos de saúde.

Uma das atribuições da ANS é a de elaborar uma lista de procedimentos que deverão ser obrigatoriamente custeados pelas operadoras de planos de saúde. Essa competência está prevista no art. 4º, III, da Lei nº 9.961/2000:

Art. 4º Compete à ANS:

(...)

III - elaborar o rol de procedimentos e eventos em saúde, que constituirão referência básica para os fins do disposto na Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998, e suas excepcionalidades;

 

Assim, a ANS prepara uma lista (um rol) de tratamentos que deverão ser obrigatoriamente fornecidos pelos planos de saúde.

 

Esse rol de procedimentos e eventos da ANS é explicativo ou exaustivo?

Em junho de 2022, o STJ decidiu que o rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar é, em regra, taxativo (STJ. 2ª Seção EREsp 1886929-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 08/06/2022).

Ocorre que, depois de uma grande mobilização popular, o Congresso Nacional editou a Lei nº 14.454/2022, que buscou superar o entendimento firmado pelo STJ.

A Lei nº 14.454/2022 alterou o art. 10 da Lei dos Planos de Saúde (Lei nº 9.656/98), incluindo o § 12, que prevê o caráter exemplificativo do rol da ANS:

Art. 10 (...)

§ 12. O rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar, atualizado pela ANS a cada nova incorporação, constitui a referência básica para os planos privados de assistência à saúde contratados a partir de 1º de janeiro de 1999 e para os contratos adaptados a esta Lei e fixa as diretrizes de atenção à saúde.

 

Vale ressaltar, contudo, que, para o plano de saúde ser compelido a custear, é necessário que esteja comprovada a eficácia do tratamento ou procedimento, nos termos do § 13, também inserido:

§ 13. Em caso de tratamento ou procedimento prescrito por médico ou odontólogo assistente que não estejam previstos no rol referido no § 12 deste artigo, a cobertura deverá ser autorizada pela operadora de planos de assistência à saúde, desde que:

I - exista comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico; ou

II - existam recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), ou exista recomendação de, no mínimo, 1 (um) órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais.

 

Ainda não se sabe o que o STJ irá decidir depois dessa alteração legislativa.

 

Voltando ao caso concreto: por que o STJ negou provimento ao recurso do plano de saúde?

O plano de saúde pode estabelecer as doenças que terão cobertura, mas não o tipo de terapêutica indicada por profissional habilitado na busca da cura.

Além disso, a natureza taxativa ou exemplificativa do rol da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) é desimportante à análise do dever de cobertura de exames e medicamentos para o tratamento de câncer, em relação aos quais há apenas uma diretriz na resolução normativa.

A propósito, no mesmo sentido “é possível que o plano de saúde estabeleça as doenças que terão cobertura, mas não o tipo de tratamento utilizado, sendo abusiva a negativa de cobertura do procedimento, tratamento, medicamento ou material considerado essencial para sua realização de acordo com o proposto pelo médico. No caso, trata-se de fornecimento de medicamento para tratamento de câncer, hipótese em que a jurisprudência é assente no sentido de que o fornecimento é obrigatório.” (STJ. 4ª Turma. AgInt no REsp 1.941.905/DF, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 22/11/2021).

 

Em suma:

A natureza taxativa ou exemplificativa do rol da ANS é desimportante à análise do dever de cobertura de medicamentos para o tratamento de câncer, em relação aos quais há apenas uma diretriz na resolução normativa.

STJ. 3ª Turma. AgInt no REsp 2.057.814-SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 29/5/2023 (Info 12 – Edição Extraordinária).


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