sexta-feira, 15 de setembro de 2023

O registrador pode impetrar mandado de segurança questionando a ordem do Juiz Diretor do Foro, que determinou uma retificação no registro que o oficial entende indevida

Imagine a seguinte situação hipotética:

João é registrador de imóveis.

Pedro apresentou requerimento endereçado a João solicitando a retificação da data de um registro.

João entendeu que o requerimento não poderia ser atendido considerando que o registro foi realizado com base na data da prenotação. O registrador fundamentou a recusa na Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/73 e no Código Civil).

Pedro, em vez de requerer a suscitação de dúvida, apresentou reclamação dirigida ao Juiz de Direito Diretor do Foro, pedindo que a autoridade judicial determinasse ao registrador a retificação da data do registro.

O Juiz Diretor do Foro acolheu o pedido e determinou ao registrador a retificação no prazo de 48 horas.

Diante desse cenário, João impetrou mandado de segurança contra o ato do Juiz Diretor do Foro.

Sustentou que o registro foi efetuado com a data do protocolo, nos termos do artigo 1.246 do Código Civil. Defendeu a legalidade do ato registral e que a autoridade coatora não possuía competência para determinar a retificação do registro.

O Tribunal de Justiça denegou o pedido, sob o argumento de que o Oficial do Registro de Imóveis não dispunha de legitimidade, porque não tinha direito subjetivo líquido e certo oponível à decisão judicial, a que tem a obrigação de cumprir.

Ainda inconformado, João interpôs recurso ordinário dirigido ao STJ sustentando que possui direito líquido e certo, pois tem o dever de velar pela legalidade dos atos pertinentes à sua área territorial de atuação e o direito de defender as suas prerrogativas e a inteireza das respectivas atribuições.

 

O STJ deu provimento ao recurso do registrador?

SIM.

No caso concreto, trata-se de mandado de segurança, cuja decisão, embora tenha sido proferida por Juiz de Direito, tem cunho administrativo, já que fundamentada nos arts. 37 e 38 da Lei nº 8.935/94, que confere ao Judiciário a atividade de controle dos serviços registrais:

Art. 37. A fiscalização judiciária dos atos notariais e de registro, mencionados nos artes. 6º a 13, será exercida pelo juízo competente, assim definido na órbita estadual e do Distrito Federal, sempre que necessário, ou mediante representação de qualquer interessado, quando da inobservância de obrigação legal por parte de notário ou de oficial de registro, ou de seus prepostos.

Parágrafo único. Quando, em autos ou papéis de que conhecer, o Juiz verificar a existência de crime de ação pública, remeterá ao Ministério Público as cópias e os documentos necessários ao oferecimento da denúncia.

 

Art. 38. O juízo competente zelará para que os serviços notariais e de registro sejam prestados com rapidez, qualidade satisfatória e de modo eficiente, podendo sugerir à autoridade competente a elaboração de planos de adequada e melhor prestação desses serviços, observados, também, critérios populacionais e sócio-econômicos, publicados regularmente pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

 

Nesse sentido, confira o seguinte precedente:

Compete ao poder judiciário a fiscalização dos atos dos notários, dos registradores e de seus prepostos, bem como, de acordo com a organização judiciária local, aos seus órgãos a aplicação de sanção disciplinar ao delegatário faltoso.

STJ. 2ª Turma. RMS 52.659/MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 5/9/2017.

 

Diante desse cenário, podemos concluir que o registrador, na qualidade de agente público, pode, pelo menos em tese, socorrer-se de mandado de segurança contra o ato administrativo que o obrigue a aplicar regramento contra a sua convicção jurídica. Isso porque o registrador tem o dever de zelar pela legalidade dos atos pertinentes à sua área de atuação, bem como por suas prerrogativas funcionais.

Ressalte-se que o registrador possui nítido interesse processual na propositura do mandado de segurança considerando que, se cumprir a ordem, poderá sofrer consequências jurídicas decorrentes do atendimento de um comando, em tese, ilegal. Por outro lado, caso simplesmente se recuse a obedecer, poderá estar sujeito a processo administrativo disciplinar.

 

Em suma:

O registrador poderá se socorrer de mandado de segurança contra ato administrativo que o obrigue a aplicar regramento contra a sua convicção jurídica, vez que deve zelar pela legalidade dos atos pertinentes à sua área de atuação, bem como por suas prerrogativas funcionais.

STJ. 4ª Turma. AgInt no RMS 40.368-RS, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 13/2/2023 (Info 12 – Edição Extraordinária).


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