quinta-feira, 8 de fevereiro de 2024

A Defensoria Pública, no exercício da função de curadoria especial, goza de honorários advocatícios sucumbenciais caso o réu sagre-se vencedor na demanda

Curador especial

O CPC prevê que, em determinadas situações, o juiz terá que nomear um curador especial que irá defender, no processo civil, os interesses do réu.

O curador especial também é chamado de curador à lide.

 

Hipóteses em que será nomeado curador especial:

Estão previstas no art. 72 do CPC/2015. São quatro situações:

a) Quando o réu for incapaz e não tiver representante legal;

b) Quando o réu for incapaz e tiver representante legal, mas os interesses deste (representante) colidirem com os interesses daquele (incapaz);

c) Em caso de réu preso revel, enquanto não for constituído advogado.

d) Quando o réu tiver sido citado por edital ou com hora certa e não tiver apresentado resposta no prazo legal (ou seja, tiver sido revel), enquanto não for constituído advogado.

 

Veja a redação legal:

Art. 72. O juiz nomeará curador especial ao:

I - incapaz, se não tiver representante legal ou se os interesses deste colidirem com os daquele, enquanto durar a incapacidade;

II - réu preso revel, bem como ao réu revel citado por edital ou com hora certa, enquanto não for constituído advogado.

 

Quais são os poderes do curador especial? O que ele faz no processo?

O curador especial exerce um múnus público.

Sua função é a de defender o réu em juízo naquele processo.

Possui os mesmos poderes processuais que uma “parte”, podendo oferecer as diversas defesas (contestação, exceção, impugnação etc.), produzir provas e interpor recursos.

Obviamente, o curador especial não pode dispor do direito do réu (não pode, por exemplo, reconhecer a procedência do pedido), sendo nulo qualquer ato nesse sentido.

Vale ressaltar que, ao fazer a defesa do réu, o curador especial pode apresentar uma defesa geral (“contestação por negação geral”), não se aplicando a ele o ônus da impugnação especificada dos fatos (parágrafo único do art. 341 do CPC/2015).

Desse modo, o curador especial não tem o ônus de impugnar pontualmente (de forma individualizada) cada fato alegado pelo autor.

 

Este art. 72 do CPC/2015 é aplicável apenas ao processo (fase) de conhecimento?

NÃO. Deve ser aplicado em qualquer processo, como no caso da execução.

Súmula 196-STJ: Ao executado que, citado por edital ou por hora certa, permanecer revel, será nomeado curador especial, com legitimidade para apresentação de embargos.

 

O que essa função de curador especial tem a ver com a Defensoria Pública?

A Lei Orgânica da Defensoria Pública (LC 80/94) estabelece o seguinte:

Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras:

XVI – exercer a curadoria especial nos casos previstos em lei;

 

De igual forma, o parágrafo único do art. 72 do CPC/2015 preconiza:

Art. 72 (...)

Parágrafo único. A curatela especial será exercida pela Defensoria Pública, nos termos da lei.

 

Desse modo, o múnus público de curador especial de que trata o art. 72 do CPC deve ser exercido pelo Defensor Público.

Importante: a atuação da Defensoria Pública como curadora especial não exige que o réu seja hipossuficiente economicamente. Nesses casos do art. 72 entende-se que o réu ostenta hipossuficiência jurídica, sendo, portanto, necessária a atuação da Defensoria Pública.

 

Imagine agora a seguinte situação hipotética:

O Banco do Brasil ingressou com execução de título extrajudicial em face de João.

Como o devedor não foi localizado, ele foi citado por edital.

O executado não apresentou defesa no prazo legal (ou seja, foi revel).

Por essa razão, a Defensoria Pública interveio nos autos no exercício da curadoria especial.

A Defensoria Pública opôs embargos à execução alegando, entre outras questões, a preliminar de nulidade da citação por edital.

A magistrada de primeiro grau rejeitou a preliminar e julgou improcedentes os embargos.

A Defensoria Pública interpôs apelação insistindo na tese da nulidade da citação por edital em razão do não esgotamento das tentativas de citar o réu pessoalmente.

O Tribunal de Justiça concordou e deu provimento ao recurso para anular o processo de execução a partir da citação por edital, por considerar medida excepcional somente admitida quando esgotadas as possibilidades de localização do réu.

Por outro lado, o TJ rejeitou o pedido da Defensoria Pública para condenação do banco ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais em favor da instituição. Para o TJ, o pagamento das verbas sucumbenciais somente poderia ser feito ao final do processo.

Irresignada, a Defensoria Pública interpôs recurso especial alegando, em síntese, a necessidade de fixação de honorários sucumbenciais nos embargos à execução, pois estes são ação autônoma, de modo que a declaração de nulidade da citação implicará o arquivamento dos autos, não havendo falar em continuidade do processo para, somente ao final, ser definida a sucumbência.

Em contrarrazões, o Banco alegou que a Defensoria Pública, no exercício da função de curadoria especial, não faz jus à verba decorrente da condenação ao pagamento de honorários sucumbenciais caso o seu assistido sagre-se vencedor na demanda.

 

A Defensoria Pública, no exercício da função de curadoria especial, goza de honorários advocatícios sucumbenciais caso o réu sagre-se vencedor na demanda?

SIM.

A Defensoria Pública, no exercício da função de curadoria especial, faz jus à verba decorrente da condenação ao pagamento de honorários sucumbenciais caso o seu assistido sagre-se vencedor na demanda. 

STJ. 3ª Turma. REsp 1.912.281-AC, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 12/12/2023 (Info 15 – Edição Extraordinária). 

 

A fim de corroborar com esse entendimento:

A Defensoria Pública, no exercício da função de curador especial, faz jus à verba decorrente da condenação em honorários sucumbenciais caso o seu assistido sagre-se vencedor na demanda.

STJ. 1ª Turma. AgInt no REsp 1.991.998/RS, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 5/9/2022.

 

Além disso, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 114.005/RJ, com repercussão geral (Tema 1002/STF), fixou a tese de que os honorários sucumbenciais são devidos à Defensoria Pública quando a parte por ela representada for vencedora na demanda, ainda que a parte vencida seja o ente público que ela integra:

Tema n. 1.002/STF:

1. É devido o pagamento de honorários sucumbenciais à Defensoria Pública, quando representa parte vencedora em demanda ajuizada contra qualquer ente público, inclusive aquele que integra;

2. O valor recebido a título de honorários sucumbenciais deve ser destinado, exclusivamente, ao aparelhamento das Defensorias Públicas, vedado o seu rateio entre os membros da instituição.

 

Em tese, abstraindo o caso concreto, existe direito aos honorários sucumbenciais nos embargos à execução?

SIM. Isso já foi, inclusive, reconhecido pelo STJ, em recurso repetitivo, tendo sido fixada a seguinte tese:

Os embargos do devedor são ação de conhecimento incidental à execução, razão porque os honorários advocatícios podem ser fixados em cada uma das duas ações, de forma relativamente autônoma, respeitando-se os limites de repercussão recíproca entre elas, desde que a cumulação da verba honorária não exceda o limite máximo previsto no § 3º do art. 20 do CPC/1973.

STJ. Corte Especial. REsp 1520710-SC, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 18/12/2018 (Recurso Repetitivo – Tema 587) (Info 643).

 

Os embargos à execução constituem ação autônoma. Assim, ao ser proferida a sentença, consequentemente, serão observados os efeitos dela decorrentes, inclusive mediante a fixação de ônus sucumbenciais quando cabíveis, exatamente por se tratar de uma ação autônoma, observando-se, contudo, o resultado prático alcançado pelo embargante.

 

No caso concreto acima narrado, a Defensoria Pública faz jus aos honorários advocatícios sucumbenciais? O recurso da Defensoria Pública foi provido?

NÃO.

No caso, os embargos do devedor foram julgados improcedentes pela Magistrada de primeiro grau, mas a apelação interposta pela curadoria especial foi provida pelo Tribunal de Justiça para, acolhendo a preliminar de nulidade de citação, desconstituir a sentença, reconhecendo a nulidade do processo a partir da determinação da citação por edital.

A Corte estadual ainda acrescentou que os ônus sucumbenciais deverão ser vistos ao final do processo, pois, a despeito da autonomia dos embargos à execução, a sentença foi terminativa, não colocando fim ao processo executivo, mas apenas reconhecendo uma nulidade processual.

Isso significa, portanto, que o assistido da Defensoria Pública (João) não pode ser, ainda, considerado o vencedor na demanda, uma vez que apenas foi reconhecida a nulidade da citação arguida pela curadoria especial, sendo determinada nova citação da parte assistida, com o consequente prosseguimento do feito.

Dessa maneira, podemos concluir que serão devidos honorários sucumbenciais à Defensoria Pública, atuando como curadora especial, nos embargos à execução que resultem em algum proveito econômico ao assistido no pleito executório.

A procedência dos embargos do devedor apenas para se reconhecer a nulidade de ato processual existente no processo de execução, determinando a sua renovação, não justifica a condenação ao pagamento de honorários sucumbenciais, haja vista que o assistido não se sagrou vencedor, tal como ocorreria se os embargos tivessem sido acolhidos para julgar improcedente (total ou parcialmente) a execução ou para extingui-la.


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