sexta-feira, 8 de março de 2024

A demonstração do requisito da urgência para a indisponibilidade de bens, prevista no art. 16 da Lei de Improbidade Administrativa (com a redação dada pela Lei 14.230/2021), tem aplicação imediata ao processo em curso dado o caráter processual da medida

Lei nº 14.230/2021

A Lei nº 14.230/2021 promoveu a maior reforma da Lei de Improbidade Administrativa (LIA) desde que esse diploma foi editado.

Um dos pontos alterados pela Lei nº 14.230/2021 foi o regime de indisponibilidade de bens.

A Lei nº 14.230/2021 entrou em vigor no dia 26/10/2021.

 

Indisponibilidade de bens

A Lei nº 8.492/92 prevê a possibilidade de ser decretada a indisponibilidade de bens do réu da ação de improbidade.

Vale ressaltar que essa indisponibilidade não tem caráter sancionador, sendo uma medida cautelar.

Assim, a indisponibilidade não é uma pena acessória. Seu escopo é perpetuar a existência de bens que asseguram o integral ressarcimento do dano, com inegável caráter preventivo (REsp 139.187-DF, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, julgado em 24/02/2000).

A indisponibilidade de bens está prevista no art. 16 da Lei nº 8.429/92:

LEI 8.429/92

Antes da Lei nº 14.230/2021

Depois da Lei nº 14.230/2021

Art. 16. Havendo fundados indícios de responsabilidade, a comissão representará ao Ministério Público ou à procuradoria do órgão para que requeira ao juízo competente a decretação do seqüestro dos bens do agente ou terceiro que tenha enriquecido ilicitamente ou causado dano ao patrimônio público.

Art. 16. Na ação por improbidade administrativa poderá ser formulado, em caráter antecedente ou incidente, pedido de indisponibilidade de bens dos réus, a fim de garantir a integral recomposição do erário ou do acréscimo patrimonial resultante de enriquecimento ilícito.

 

§ 1º O pedido de sequestro será processado de acordo com o disposto nos arts. 822 e 825 do Código de Processo Civil.

Revogado.

 

Uma das principais alterações promovidas pela Lei nº 14.230/2021 foi a inclusão da exigência expressa no sentido de que a indisponibilidade de bens somente pode ser decretada se houver alguma situação de urgência. Vejamos:

Quais são os pressupostos para se decretar a indisponibilidade de bens do réu?

Antes da Lei nº 14.230/2021

Depois da Lei nº 14.230/2021

Bastava a demonstração do fumus boni iuris (indícios de que o réu praticou o ato de improbidade). Sendo isso comprovado, o juiz era obrigado a deferir a medida.

 

E o periculum in mora? O periculum in mora era presumido (implícito).

 

Assim, na prática, a decretação de indisponibilidade de bens dispensava a demonstração do periculum in mora, bastando a comprovação do fumus boni juris.

 

 

Passou a ser indispensável a demonstração do:

a) fumus boni iuris (juiz deve estar convencido da probabilidade da ocorrência dos atos descritos na petição inicial com fundamento nos respectivos elementos de instrução); e do

b) periculum in mora (deve estar demonstrado, no caso concreto, o perigo de dano irreparável ou de risco ao resultado útil do processo.

 

Veja o novo § 3º que foi incluído:

Art. 16 (...) § 3º O pedido de indisponibilidade de bens a que se refere o caput deste artigo apenas será deferido mediante a demonstração no caso concreto de perigo de dano irreparável ou de risco ao resultado útil do processo, desde que o juiz se convença da probabilidade da ocorrência dos atos descritos na petição inicial com fundamento nos respectivos elementos de instrução, após a oitiva do réu em 5 (cinco) dias.

Veja a tese fixada pelo STJ:

É possível a decretação da indisponibilidade de bens do promovido em Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa, quando ausente (ou não demonstrada) a prática de atos (ou a sua tentativa) que induzam a conclusão de risco de alienação, oneração ou dilapidação patrimonial de bens do acionado, dificultando ou impossibilitando o eventual ressarcimento futuro (STJ. 1ª Seção. REsp 1.366.721/BA, relator para acórdão Min. Og Fernandes, julgado em 26/2/2014) (Tema 701)

Essa tese está superada.

A Lei agora exige expressamente a “demonstração no caso concreto de perigo de dano irreparável ou de risco ao resultado útil do processo”.

Assim, o MP deve demonstrar que o réu está se desfazendo do seu patrimônio e, por essa razão, seria necessária a decretação da indisponibilidade.

 

 

Imagine agora a seguinte situação hipotética:

Em 2019, João, na época prefeito, fez uma contratação indevida na Administração Pública.

No dia 21 de março de 2021, o Ministério Público ajuizou ação de improbidade administrativa contra João.

Na Inicial, o Promotor de Justiça pediu que o juiz decretasse a indisponibilidade de bens do requerido sob o argumento de que estava presente o fumus boni iuris, considerando a existência de indícios de que o réu praticou o ato de improbidade.

Em 01 de abril de 2021, o juiz negou o pedido de indisponibilidade sob o argumento de que o membro do Parquet não demonstrou, no caso concreto, a existência do periculum in mora.

O Ministério Público recorreu alegando que a decisão do magistrado violou a jurisprudência pacificada considerando que a existência do periculum in mora é presumida, na forma do que decidiu o STJ no REsp 1.366.721/BA (Tema 701).

Antes que o Tribunal analisasse o recurso, entrou em vigor, no dia 26 de outubro de 2021, a Lei nº 14.230/2021 que, como vimos, alterou o art. 16 da Lei nº 8.429/92 e passou a exigir, expressamente, a demonstração do requisito da urgência para a indisponibilidade de bens:

Art. 16 (...)

§ 3º O pedido de indisponibilidade de bens a que se refere o caput deste artigo apenas será deferido mediante a demonstração no caso concreto de perigo de dano irreparável ou de risco ao resultado útil do processo, desde que o juiz se convença da probabilidade da ocorrência dos atos descritos na petição inicial com fundamento nos respectivos elementos de instrução, após a oitiva do réu em 5 (cinco) dias. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

 

Diante disso, João peticionou ao Tribunal pedindo que fosse aplicada imediatamente a nova regra do § 3º do art. 16 da Lei nº 8.429/92 e, portanto, que fosse mantida a decisão do magistrado.

 

Os argumentos de João foram acolhidos pelo STJ? A nova previsão do § 3º do art. 16, incluído pela Lei nº 14.230/2021, pode ser aplicada imediatamente para os processos que estavam em curso quando a reforma da Lei de Improbidade entrou em vigor?

SIM.

Realmente, o juiz decidiu em sentido contrário à jurisprudência do STJ firmada no REsp 1.366.721/BA (Tema 701). Isso porque, como vimos, antes da Lei nº 14.230/2021, o STJ dispensava o exame do requisito da urgência para o deferimento da medida cautelar de indisponibilidade de bens.

Contudo, o novo § 3º do art. 16 da Lei nº 8.429/92, incluído pela Lei nº 14.230/2021, passou a exigir, além da plausibilidade do direito invocado, a demonstração do requisito da urgência para o deferimento da indisponibilidade de bens.

A decisão que analisa o pedido de indisponibilidade de bens possui natureza de tutela provisória de urgência cautelar. Essa decisão pode ser revogada ou modificada a qualquer tempo. Trata-se de decisão de caráter processual. De acordo com o art. 14 do CPC/2015, as normas processuais possuem aplicação imediata aos processos em curso:

Art. 14. A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada.

 

Logo, o Tribunal deverá manter a decisão do magistrado que indeferiu a indisponibilidade de bens, mas agora por fundamento diversa, estando agora baseada no texto expresso do § 3º do art. 16 da Lei nº 8.429/92.

 

Em suma:

A demonstração do requisito da urgência para a indisponibilidade de bens, prevista no art. 16 da Lei de Improbidade Administrativa (com a redação dada pela Lei nº 14.230/2021), tem aplicação imediata ao processo em curso dado o caráter processual da medida. 

STJ. 1ª Turma. AREsp 2.272.508-RN, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 6/2/2024 (Info 800).


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